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Uma lição de autonomia
Mariana Cruz
Diferentemente dos conselhos de classe em que cada aluno é analisado individualmente, a reunião de início do ano letivo tende a ser mais generalizante, mais teórica. Este ano, na escola onde leciono, não foi diferente. Falou-se sobre o projeto político-pedagógico da escola, sobre o que fazer em relação aos atrasos dos alunos, como e quando seriam as provas e outros assuntos gerais. Essas reuniões são interessantes, pois muitas vezes tornam-se também espaço de debate e troca de ideias entre os professores. Na minha escola especialmente isso ocorre não só por ter grande número de professores (apesar de nem sempre todos estarem presentes nas reuniões) como também pelo fato de eles levantarem diferentes bandeiras e seguirem as mais diversas tendências políticas e pedagógicas: tem os revolucionários, os conservadores, os sindicalistas, os proativos, os inovadores, gente que faz e gente que fala (e fica só no discurso).
As divergências de pontos de vista nunca geraram baixarias ou troca de insultos; os debates sempre foram de bom nível, com colocações inteligentes e bem fundamentadas, tanto de um lado quando de outro – como no caso da greve ocorrida em 2011, quando um grupo de professores foi favorável à paralisação e outro defendeu que a escola não podia parar, e a discussão sobre essas duas posições foi enriquecedora para todos.
Na reunião de início de ano, o ponto alto foi quando se começou a falar sobre o Projeto Autonomia. Para quem não sabe, trata-se de um projeto da Secretaria de Estado de Educação que tem o objetivo de “auxiliar o aluno da rede pública de ensino que está com a idade superior ao de sua série a concluir seus estudos, usando a metodologia do Telecurso-Telessala”.
O projeto é destinado aos estudantes que já repetiram série algumas vezes, que ficaram afastados ou entraram tardiamente na escola e, por isso, não conseguem dar continuidade ao percurso da escolaridade obrigatória. O Projeto Autonomia é uma parceria da Seeduc com a Fundação Roberto Marinho. Nessa ação, a experiência de aprendizado de cada aluno é feita com base em recursos tecnológicos. Cada turma é acompanhada, ao longo do período (não sei se é de um ou dois anos), por um professor que faz um curso e se habilita a dar todos os conteúdos. A proposta é corrigir a distorção causada pela repetência e minimizar as consequências resultantes desse atraso escolar, inclusive a evasão. Para participar, a idade mínima do aluno é de 15 anos no Ensino Fundamental e 17 anos no Ensino Médio.
O debate teve início quando um dos professores posicionou-se contra tal projeto por considerar inviável um professor ser responsável por lecionar todas as disciplinas para a turma. Ele disse que, a menos que tal professor tenha formação em todas as matérias, ele não seria capacitado para ministrá-las, mesmo com a ajuda do Telecurso. Além disso, tal projeto estaria fazendo com que vários professores “sobrassem” nas suas escolas.
Foi quando uma professora relatou a experiência que teve no ano passado com uma turma do projeto. Disse tudo que fez com os alunos. Eram alunos que já tinham repedido ano três, quatro vezes e que certamente abandonariam a escola, de tão desestimulados que estavam. Ela disse em alto e bom som: “tirei eles do lixo”. E, pelo modo como falou, não estava mentindo. Levou-os a exposições – muitos deles nunca tinham ido a uma –, levou-os ao Corcovado, mostrou-lhes o mundo. Muitos estão agora empregados e terminaram seus estudos, o que antes do projeto não teria acontecido. Ela foi testemunha de como essa iniciativa mudara a vida daquelas pessoas. Vieram-me lágrimas aos olhos.
Foi aí que uma professora de Português pediu a palavra. Ela iniciou dizendo ter ficado emocionada com o depoimento que acabara de ouvir, mas que, a despeito disso, não concordava com o Projeto Autonomia. Achava cruel o que estava acontecendo com os professores: um monte deles sem ter turmas, procurando vagas em escolas, tendo seus tempos distribuídos entre vários colégios etc. Mas o mais importante foi quando ela falou que é possível cada professor fazer esse resgate nas suas turmas, mesmo que fique pouco tempo nelas; basta dedicar-se aos seus alunos, estar atento aos seus anseios, dúvidas e dificuldades. Se cada professor tiver cuidado, preocupação com o aluno, independente do tempo que fique em sala de aula, também pode “tirá-lo do lixo”, como ela também já resgatou vários alunos. Mais uma vez tive de prender o choro.
Foram depoimentos com visões opostas, mas ambos muito pertinentes; uma discussão sobre um projeto que tem prós e contras, erros e acertos. Duas professoras admirando-se mutuamente, respeitando-se e se emocionando com a posição oposta à sua.
Isso sim é uma lição de autonomia.
Para dar a sua opinião sobre o Projeto Autonomia, participe do Discutindo sobre o tema.
Publicado em 8 de maio de 2012.
Publicado em 08 de maio de 2012
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