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Direitos e responsabilidades socioambientais: a Conferência Rio+20

Cândido Grzybowski

Sociólogo, diretor do Ibase

Conferência Rio+20

Já falta pouco para a Conferência da ONU, no Rio. O que se confirma até agora é o quanto as negociações governamentais estão longe do que a humanidade precisa com urgência. Até parece que o principal esforço oficial é evitar compromissos com a mudança do paradigma produtivista e consumista, gerador de exclusões e desigualdades sociais e, ao mesmo tempo, destruidor da Mãe Terra. Pior, a Conferência aponta em outra direção: busca ainda mais desenvolvimento. Quer-se uma nova frente de livre expansão do mesmo capitalismo, radicalizando a privatização e a mercantilização da natureza. Chamar isso de sustentabilidade e maquiar de verde tal economia não esconde o seu potencial de ameaça para a humanidade e para a integridade do Planeta Terra. Chama a atenção o fato de que está ausente das negociações a questão dos direitos e responsabilidades socioambientais.

Na crise da civilização dominante, de uma perspectiva socioambiental, emerge a necessidade de recompor e reconstruir tanto as relações entre nós mesmos como as relações com a natureza, com os territórios que usamos e donde extraímos a vida. A sustentabilidade é, em si mesma, uma questão de justiça social intra e intergerações e, ao mesmo tempo, de integridade das dinâmicas ecológicas como um valor e uma condição em si para a manutenção da vida e do bem viver. Interagir e trocar com o meio ambiente é, por definição, o viver. É um dever respeitar a integridade da natureza, saber tratá-la de forma que seja cuidada e compartida como bem comum de todos os seres humanos, regenerada, renovada e enriquecida. É dever, também, que, a partir da diversidade de situações e culturas, direitos iguais sejam assegurados para todos.

A relação com a natureza, como condição do próprio viver, é de dependência e troca, mas determinada pela organização social, ou melhor, pelo poder e pela economia da própria sociedade. As formas dessa relação são muito diversas, mesmo dentro de um mesmo grande paradigma, como o produtivismo e o consumismo capitalistas. Isso porque a biosfera e as condições naturais variam de um lugar a outro do planeta – assim como nós mesmos, criadores de cultura, de estruturas e relações, de economias e de poder, somos muito diversos em nossa comum humanidade de dimensões planetárias. Voltar a nos olhar como parte dos territórios em que existimos é fazer um percurso mental e prático de relocalização e redescoberta dos laços que nos unem ao mundo natural em que nos inserimos e, com base nele, dos laços de convívio social e cultural, das injustiças sociais e ambientais. É nos descobrir interdependentes na comum humanidade no comum planeta, com responsabilidades e direitos compartidos, do local ao mundial.

Na Conferência Oficial da ONU, dominada pelo supremo valor do mercado e pela lógica da soberania dos Estados nacionais, nada disso cabe. Não é a sustentabilidade da vida e do planeta que se discute, mas a sustentabilidade dos negócios como solução para a humanidade. Muito menos se faz para enfrentar a estrutura do poder político, sua assimetria e inadequação para conduzir mudanças necessárias e urgentes. Por isso, não cabe reconhecer direitos e responsabilidades socioambientais pelos quais clamam as diferentes organizações e movimentos sociais da emergente sociedade civil planetária.

Aqui estamos novamente diante de direções a tomar: a do mercado ou a da sociedade civil. Os direitos socioambientais, para serem direitos, devem ser iguais a todos e todas. A luta por direitos iguais, mesmo se tais direitos não são ainda reconhecidos ou se a prática existente é de profunda injustiça, qualifica as próprias lutas socioambientais, os sujeitos coletivos seus promotores e as torna força de transformação da sociedade, o seu modo de organização, a partir dos territórios. Os direitos socioambientais, nesta visão, são um bem comum de uma cultura política de direitos em permanente construção e disputa, direitos iguais de referência para todos os seres humanos. Como tais, podem ser um dos pilares fundamentais na reengenharia social visando à sustentabilidade da vida, sem desigualdades e exclusões, sem destruição.

Importa reconhecer aqui, para avançar na perspectiva de uma biocivilização, que não existem direitos socioambientais sem responsabilidades correspondentes. Para nos vermos como titulares de direitos, todos os direitos, a condição é reconhecer a mesma titularidade a todos os demais. São os dois lados da relação política de igualdade a que os direitos, como bens comuns, se referem. Ou seja, para ter direitos é necessário, ao mesmo tempo, ser responsável pelo direitos de todos os demais. Trata-se de uma relação compartilhada e, como tal, de corresponsabilidade. Essa questão de direitos e responsabilidades socioambientais se impõe na tomada de consciência da interdependência, do local e territorial ao mundial, dos sistemas ecológicos e do modo como nos relacionamos entre nós e com eles.

Com o predomínio de uma visão estreita de preservar o próprio crescimento, definido como “interesse nacional”, a responsabilidade comum, mesmo claramente diferenciada, não tem muito lugar nas negociações oficiais. Uns querem atribuir a culpa aos outros e nada muda. Não tendo lugar para falar de responsabilidades socioambientais, o jeito é deixar por debaixo da mesa a questão dos direitos violados que as lutas socioambientais revelam.

Publicado em 15 de maio de 2012

Publicado em 15 de maio de 2012

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