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Os equívocos sobre a condição contemporânea dos índios no Brasil

Alexandre Rodrigues Alves

A condição do índio nos dias de hoje foi o tema da mesa-redonda que reuniu a professora, escritora e doutora em Letras (pela UFPE) Graça Graúna e o professor e pesquisador (da UERJ e da UNIRIO) e doutor em Sociologia José Ribamar Bessa Freire. O encontro aconteceu na Academia Brasileira de Letras, como um dos eventos do seminário Brasil, brasis.

Depois da apresentação do professor e escritor Domício Proença Filho, que fez a mediação da mesa, Bessa Freire trouxe, dos eventos de comemoração dos 400 anos do Descobrimento do Brasil – ou seja, há pouco mais de 100 anos –, um discurso do (mais tarde) prefeito carioca e engenheiro Paulo de Frontin que escancarava a expectativa que na época se tinha em relação aos índios: ou eles eram assimilados pela cultura branca ou, se não se conseguissem, deveriam ser eliminados. Claro que não é esse o pensamento da atualidade, da pós-modernidade, em que legalmente se valoriza a diversidade cultural. Ainda assim, mesmo que fosse eliminada a “última nação indígena”, como na canção de Caetano, não há como eliminar a contribuição dos primeiros habitantes desta terra para a cultura brasileira, para a nossa “matriz social”.

Para Bessa Freire, ao trabalhar os conhecimentos trazidos pelos índios para a nossa cultura estamos recuperando o valor destes. Aliás, é importante rebater uma das ideias preconcebidas que, de maneira geral, as pessoas têm deles: de que são primitivos. Um dos principais valores que eles cultuam é o de sustentabilidade – um tema atualíssimo, a ponto de mobilizar chefes de Estado para encontros mundiais (como a Rio+20) para discutir o assunto.

Não só por isso (mas também), é fácil comprovar que os índios fazem parte do passado, sim, mas que fazem parte do presente do país e da nossa cultura. A dificuldade de perceber isso pode estar nas imagens que a mídia veicula (e que ficam introjetadas na população), ligando o índio à mata, especialmente à Amazônia. Hoje em dia, porém, boa percentagem de índios vive nas cidades. No Brasil, são ainda faladas cerca de 180 línguas indígenas; calcula-se que na época do Descobrimento eram mais de 1.300. Na seara linguística, Bessa Freire lembra uma prova de que a sociedade brasileira ignorou a cultura dos indígenas: o quase completo desconhecimento do guarani por parte da população em geral, sendo uma língua falada cotidianamente por habitantes de 10 estados do Brasil, além de usada em países como o Paraguai (onde é oficial), a Argentina, a Bolívia e o Uruguai. “As universidades e escolas oferecem cursos de russo, árabe, alemão, japonês, mandarim... E nenhuma oferece curso de guarani!”, lembrou ele.

Bessa Freire lembrou ainda que, há alguns anos, a UERJ produziu Mano’i Rapé, um livro escrito por indígenas, ilustrado por indígenas, reunindo causos e narrativas desses povos.

Graça Graúna, descendente do povo Potiguara, organizadora de livros sobre a questão indígena, autora de obras infantojuvenis e poeta, iniciou sua apresentação comemorando o dado divulgado recentemente pelo IBGE de que as populações indígenas têm crescido significativamente – em porcentagem maior do que o total da população brasileira.

Graça ressaltou que os povos indígenas, durante a colonização, eram obrigados a abandonar suas características – como a língua. O único caminho que lhes restava era usar a memória oral – que se transforma e se perde ao falecerem seus membros.

Para ela, é clara a relação entre a literatura indígena e o meio ambiente, pois a poesia é uma resposta dos filhos da terra às questões de sustentabilidade. Além desse tema, tão caro à cultura daqueles povos, a literatura contemporânea produzida por eles registra também sua história e o sofrimento, suas perspectivas e sonhos, formando uma literatura de resistência e emoção.

Domício pediu que José Ribamar Bessa Freire, que foi também professor da Universidade Federal do Amazonas, retomasse um artigo seu e relacionasse as cinco ideias equivocadas que as pessoas, em geral, têm sobre os índios.

Bessa Freire explicitou: o primeiro é o conceito chamado “índio genérico”. É tentar tratar a temática indígena como se eles fossem um bloco único, com a mesma cultura, a mesma língua, a mesma religião... O conceito de europeu não elimina a individualidade da cultura nacional de um português ou um alemão. Entretanto, o que fazemos aqui é criar uma “entidade supraétnica”, apagando as diferenças entre as etnias; há grupos que falam línguas tão diferentes entre si quanto o português é do alemão. “Só pra dar uma ideia, o padre Antônio Vieira, quando desceu o Rio Amazonas, chamou-o de Rio Babel.”

O segundo equívoco, já mencionado, é considerar a cultura indígena “atrasada e primitiva”. Esses povos produzem ciência, arte, literatura, música, têm religião avançada e bastante elaborada, a ponto de os Guarani serem considerados “os teólogos da América”, por terem sua religiosidade vinculada a todos os momentos do cotidiano. Quanto à ciência, o conhecimento que os Kaiapó detêm sobre plantas medicinais, sobre melhoramento genético e sobre comportamento animal é digno de orgulho.

O terceiro equívoco é achar que a cultura indígena está congelada, estagnada. A imagem que se tem é que índio é aquele ser de tanga, com cocar e munido de arco e flecha. Na cabeça das pessoas, índio é aquele dos tempos do Caminha. Bessa Freire relata uma história de alguns anos atrás: “o ex-governador Gilberto Mestrinho (do Amazonas) criou uma categoria etnológica: os ex-índios, separando aqueles indígenas que usam calça e camisa, falam português... Então nós somos ex-brasileiros, porque usamos roupas de padrão europeu, usamos ferramentas e aparelhos norte-americanos... É como se os índios não pudessem vivenciar a interculturalidade, só os brancos é que podem”.

Segundo Bessa Freire, o quarto engano é imaginar que lugar de índio é no passado. Assim como sua cultura não está parada, seu papel não se limita à figuração nos tempos idos ou nos livros de História. Na verdade, os índios não seguem o modelo ocidental de civilização – ou seja, não vivem dentro dos padrões considerados modernos, avançados; por isso são considerados do passado, ultrapassados. Mas seus costumes e tradições é que são adequados para que a sociedade humana chegue ao futuro – o que é confirmado até por instituições como a ONU e seus relatórios ambientais.

Para ele, o quinto equívoco é pensar que brasileiro não é índio. O índio faz parte da identidade brasileira, como o português, os povos africanos, o italiano, o japonês, o espanhol, o alemão, o polonês e tantos outros. Ser brasileiro não é uma questão genética; é uma questão cultural, histórica. Segundo Bessa Freire, nos seus medos, nos seus prazeres, no seu modo de agir, na sua alimentação, no seu idioma (ainda que haja sutis diferenças), um descendente de alemão de Santa Catarina é tão brasileiro quanto um índio que vive na Amazônia, porque é aí que “afloram as nossas heranças culturais”. O passado é da nação, é do coletivo, mesmo mantendo as particularidades de cada grupo.

Como professor e pesquisador de Língua Portuguesa e de Literatura Brasileira, Domício Proença Filho lembrou uma significativa contribuição dos indígenas para a nossa língua: a pronúncia do som do r travado do caipira – especialmente do paulista – quando fala porta, Marcos, quarta... Ao que Bessa Freire completou: e a forte nasalização das vogais, presente em nomes como Anhangabaú, Anhembi e Itanhangá, entre outros.

Vale a pena ler o texto de uma palestra de José Ribamar Bessa Freire sobre a condição indígena na sociedade brasileira e os cinco equívocos.

Publicado em 22 de maio de 2012

Publicado em 22 de maio de 2012

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