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Terra brasilis

Alexandre Amorim

Estão em cartaz no Rio dois bons filmes sobre a questão da terra no Brasil. Ambos envolvem conflitos entre o homem branco e o índio. Ambos mostram que a propriedade de terras no interior do Brasil é uma questão tão complexa quanto a Faixa de Gaza, porque, como no conflito palestino, o direito às terras brasileiras não pode se resumir a necessidades econômicas nem a uma visão histórica infantil de quem chegou primeiro.

Xingu é quase um filme de ficção. Tem o fundo histórico da criação do Parque Nacional do Xingu pelos irmãos Villas-Bôas, mas não se isenta de apresentar um heroísmo e um altruísmo desses irmãos – além da mítica ingenuidade indígena – alguns pontos acima da realidade. Não deixa de ser um bom filme por causa disso, mesmo porque trata explicitamente da exploração de terras indígenas e mostra – ainda que de forma romanceada – os interesses escusos por trás da propaganda oficial das benesses de um parque para os índios. Ainda que tente tornar heróis os irmãos, o longa faz uma merecida homenagem aos sertanistas, que compreenderam a importância de manter os índios o mais afastados possível da influência civilizatória. Uma metáfora comum (e utilizada em Xingu) para demonstrar o potencial nefasto do contato entre brancos e índios é o efeito arrasador de um simples resfriado em uma tribo.

É claro, o branco sempre vai aparecer como invasor e usurpador da terra indígena. Eram os Xavantes, os Kaiapós, os Pataxós e os mais de duzentos povos espalhados pelo Brasil que dominavam esse território e, hoje, estão cercados em reservas ou afastados para terrenos marginais à civilização. A convivência entre tribos e brancos acabou por aculturar a grande maioria dessas famílias, o que não é incomum na história de povos dominados por outros povos. E a violência da colonização se mantém até hoje. O europeu veio buscar terras para expandir seu império e até hoje partes extensas do Brasil ainda são disputadas.

Vale dos Esquecidos, dirigido por Maria Raduan, é um documentário e se concentra na história da fazenda Suiá-Missú. Não é apenas uma fazenda: sendo a maior do mundo na época de sua fundação, tornou-se uma boa metáfora para a questão da distribuição de terras. A Sudam, criada para fomentar o desenvolvimento da Amazônia, foi fundamental para o estabelecimento da fazenda, omitindo inclusive a existência de Xavantes na região; eles foram remanejados para uma reserva. A partir daí, os hectares foram divididos por índios que voltaram, posseiros sem documentação legal, fazendeiros ligados a políticos corruptos, grileiros que especulam com o valor do terreno e uma legião de sem-terra atraídos por promessas governamentais e pela indefinição de uma política para legislar sobre aquelas terras. A lei válida não é apenas a da União, mas qualquer lei que se imponha pela força – seja física, seja financeira. Queimadas e violência são recorrentes em um conflito sem fim e sem resposta. O filme deixa a questão em aberto: quem tem razão? Ou seriam várias razões a serem alinhadas em uma tentativa de solução?

É comovente e muito significativa a cena em que um índio reconhece que hoje é fraco, gordo, usa roupas e está longe da origem selvagem e forte de seu povo. Não há como se manter puro no meio de uma disputa em que as partes se confundem em interesses, articulações e alianças políticas. Dom Pedro Casaldáliga define a necessidade dos índios: eles não têm direito apenas a terra, têm direito a uma nação. Mas, ao mesmo tempo, esses índios devem obedecer às leis de uma nação chamada Brasil. Essa nação que não consegue legislar sobre suas próprias terras.

Todos têm direito à terra. Todos têm direito a saúde, moradia e trabalho – uma tríade que, no final das contas, são sinônimos da palavra “terra”. É necessário analisar e julgar as múltiplas diferenças entre os segmentos interessados e as inúmeras razões que cada um deles tem para reclamar seu quinhão de terra. Talvez a maior questão, hoje, seja: o Brasil é um país preparado para fazer essa análise e esse julgamento?

Publicado em 22/05/2012

Publicado em 22 de maio de 2012

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