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Quando os bichos falam*

Belmiro Wolski

* Extraído do livro Crônicas e Outras Bobagens, publicado pela Editora Juruá em 2011.

Diz uma lenda polonesa que, na noite de Natal, ao soarem as doze badaladas noturnas, todos os bichos começam a falar como gente. Provavelmente cada bicho no idioma de seu país.

Ainda segundo a lenda, ai de quem ouvir a conversa da bicharada. Paga com a vida. Deve ser por isso que ninguém até hoje relatou uma conversa dessas. Mas, cá entre nós, seria interessante se, em determinado momento, os bichos falassem igual à gente. O que diria o cachorro ao seu dono, por exemplo, ao receber a sua dose de ração balanceada?

– Pô, cara! Tô de saco cheio dessa porcaria. Me dá aí um pedaço de carne!

Ao que o dono, prontamente alegaria:
– Mas, meu caro cachorro, nessa ração tem tudo que você precisa para uma vida saudável. Vitaminas e proteínas na dose certa para seu pelo ficar lisinho e seus ossos fortes.
– E eu com isso? Não quero sacrificar o meu cardápio para satisfazer os seus caprichos em relação à minha estética canina.

Um pernilongo diria para o outro:
– Eu prefiro o sangue daquele velhinho.
– Ué, por quê? – perguntaria o outro.
– Ora, ele é diabético. Seu sangue é mais docinho.

As moscas, ao sentarem sobre o bolo de morango, sabendo serem mais velozes que a mão humana, e por puro sadismo, certamente não deixariam de provocar aqueles que estão à mesa cantarolando:
– Iuuhuu! Estamos com os pés sujos!

O gato diria para o cachorro:
– Mas você é mesmo um puxa-saco. Nem mesmo com chuva deixa de ir encontrar o dono no portão.

O cachorro responderia:
– Não sou vagabundo igual a você, que não sai de cima desse cobertor.

O gato, então, curvando a coluna para cima e espichando o rabo, numa boa espreguiçada, alegaria:
– E daí? Ganho as refeições e o carinho do dono igual a você, bobão.

O cachorro, sem argumentos, desdenharia o gato, virando-lhe as costas, porém, se poria a refletir sobre o assunto.

O burro diria para o patrão:
– Querido patrão, está na hora de discutirmos nossa relação. A classe asinina anda meio desprestigiada junto aos humanos. Não podemos mais admitir que nosso nome seja usado para definir estereótipos de pessoas desprovidas de inteligência.

O patrão, surpreso, diria:
– Meu amigo burro. Sempre soube que você é inteligente, pois faz direitinho tudo aquilo que lhe ensinei. Mas não posso responder pelo resto dos humanos, que lhe imputaram esse estigma. De nada adiantaria argumentar com eles. São todos muito burros.

O porco, ouvindo a conversa dos dois, também protestaria:
– E nós, patrão? Ficamos muito tristes quando nosso nome é usado no sentido pejorativo. Afinal, vivemos nessa condição... subsuína por conta de vocês, humanos, que não nos proporcionam um ambiente digno. Nossa casa é um verdadeiro chiqueiro.

O patrão, comovido, concordaria:
– Vocês têm razão, meus caros porcos. Nunca havia pensado nisso. Realmente a qualidade de vida de vocês é mesmo uma porcaria.

Até a galinha interviria em protesto:
– Concordo com meus companheiros! Isso já foi longe demais! Até nosso nome é sinônimo de prostituta.

O patrão, já sem ter o que dizer, tentaria acalmar os ânimos.
– Ok, ok. As reclamações de vocês procedem, mas é melhor parar por aí. Isto já está virando uma galinhagem.

Enquanto isso, na estrebaria ao lado, uma vaca diria para a outra:
– Sabe da última do patrão? Está me tratando com ração diet para eu dar leite desnatado.

Felizmente, o tempo destinado à fala da bicharada estaria esgotado e tudo voltaria ao normal. Pelo menos para aquilo que nós achamos que é normal.

Publicado em 10/01/2012

Publicado em 10 de janeiro de 2012

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