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Ações e recomendações da OCDE, na condição de “partido político”, para Portugal e Brasil, em torno da internacionalização da educação e do conhecimento

Zuleide S. Silveira

Doutora em Educação (UFF); professora de Sociologia no Cefet-RJ

Ações e recomendações para a educação

A ciência e a tecnologia, em suas múltiplas dimensões – seja em sua componente ideológica, seja em seu caráter fetichista ou, ainda, como mito da modernidade – vêm sendo caracterizadas pelos organismos supranacionais por um certo determinismo que tem na organização da produção e na gestão da força de trabalho o resultado de um imperativo tecnológico. Invoca-se o debate sobre a transição, quer para uma sociedade do conhecimento, quer para uma sociedade coesa, igualitária e democrática, cujo motor estaria na produção de ciência, tecnologia e, particularmente, de inovação. Quanto maior a inovação, maiores as transformações econômicas e sociais.

Portanto, na visão do capital e de seu “partido político”, torna-se necessário fomentar a inovação, acelerar a produção do conhecimento científico-tecnológico em escala mundial, o que depende da produção de pesquisa em áreas tidas como estratégicas, realizada em universidades, em laboratórios de pesquisa & desenvolvimento de empresas ou por meio da parceria de ambos, universidade e empresa; e, ainda, promover maior interação dos fluxos de informação, tecnologia e pessoal qualificado.

Nota

Partido político, em Gramsci, não é apenas o partido de legenda, mas também todo e qualquer sujeito coletivo que toma para si a tarefa política de realizar uma “reforma intelectual e moral”, manifestando-se de modo concreto na e a partir da reforma econômica da sociedade. Unidade de uma ampla rede de instituições sociais e políticas que compõem a sociedade civil, o partido político realiza "uma análise histórica (econômica) da estrutura social do país dado", com vistas a elaborar uma linha política capaz de incidir efetivamente sobre a realidade, com vistas à “transformação cultural” por meio “de certo grau de coerções diretas e indiretas” (GRAMSCI, 2007, p. 17).

Trata-se, na realidade concreta, de uma resposta aos processos de internacionalização da economia e da tecnologia, que, em sua dinâmica, tornam indispensável a educação, em geral, e a formação do trabalhador coletivo, em particular, em sua face internacionalizada.

O processo de internacionalização da educação, no Brasil e em Portugal, tem se concretizado não só pela cooperação entre Estados-nações ao abrigo de acordos, programas de intercâmbio bilaterais e integração regional como também por mediação de organismos supranacionais, cujo papel tem sido decisivo na elaboração da “agenda globalmente estruturada para a educação” (DALE, 2004).

No período compreendido entre o pós-Segunda Guerra e o de implantação e implementação das políticas neoliberais, é possível verificar que a influência de organismos como o Banco Mundial, a Cepal, o Mercosul e a Unesco se sobressai em países da América Latina em geral e no Brasil em particular, enquanto a preponderância do Banco Mundial, da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da União Europeia sobre a Europa é marcante, particularmente em Portugal.

Nota

Teodoro (2001; 2003) localiza em Portugal quatro momentos históricos e distintos de intervenção do Banco Mundial, OCDE e Unesco antes da integração do país à UE. O primeiro, com a OCDE, tem como marco a participação de Portugal no programa norte-americano de reconstrução europeia e japonesa (Plano Marshall), estendendo-se até 1974; o segundo, com a Unesco, no período revolucionário de 1974-1975; o terceiro, com o Banco Mundial, na fase de normalização da Revolução, acontecida entre 1976 e 1978; e o quarto, novamente com a OCDE, no período que antecede a integração à Comunidade Econômica Europeia/União Europeia.

Organismo sucessor da OECE, criada em 1948 no contexto de aplicação do Plano Marshall, que em sua origem tinha ações limitadas ao espaço geográfico da Europa, Estados Unidos e Canadá, atualmente a OCDE volta-se para a “cooperação e desenvolvimento econômicos” de diversos países do globo, dedicada à elevação das taxas de emprego, estando seus trabalhos sobre educação estreitamente ligados à ação governamental, particularmente nos setores da economia e emprego, com foco na formação do capital humano.

Nota

Os países membros originais da OCDE, nos anos de 1960, são: Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e Turquia. Os demais países tornaram-se membros posteriormente: Japão (1964), Finlândia (1969), Austrália (1971), Nova Zelândia (1973), México (1994), República Tcheca (1995), Hungria (1996), Polônia (1996), Coreia (1996), Eslováquia (2000), Chile (2010), Eslovênia (2010), Israel (2010). Outros países, como Brasil, China, Indonésia, Índia, África do Sul e Rússia, vêm mantendo laços estreitos com a organização, materializados na participação de comitês. Do bloco da UE, a Comissão das Comunidades Europeias tem participação nos trabalhos da organização (Artigo 13º da Convenção da OCDE).

A abordagem do conceito de capital humano e da educação como fator de desenvolvimento econômico, no âmbito da OCDE, é coetânea à Teoria do Capital Humano desenvolvida por um grupo de economistas neoclássicos da Escola de Chicago, particularmente, Milton Friedman (1955), Jacob Mincer (1958), Gary Becker (1960) Theodore Schultz (1961) e Edward Denison (1962), entre outros, propugnando sua aplicação na educação formal em todos os níveis de ensino.

A Teoria do Capital Humano foi difundida largamente pelos Estados Unidos com a publicação de The economic value of education, de Theodore Schultz, em 1963, e de Human Capital, de Gary Becker, em 1964. Tornadas referências, essas publicações tiveram forte influência nas políticas educacionais dos anos 1960-70, levadas a cabo na maioria dos países da OCDE, em geral, e nos países da América Latina, em particular.

A questão da educação como fator determinante do crescimento econômico assume estatuto de legitimação científica e econômica, dado o clima de euforia que marcava a expansão dos sistemas educativos no final dos anos 1960 e início dos 1970. Definido como fator que reúne a saúde física e mental do indivíduo, talentos individuais inatos, habilidades e competências adquiridas pela educação formal, não formal e, ainda, pela capacitação em serviço, o conceito de capital humano encontra boa acolhida em programas de outras agências internacionais como a Unesco e o Banco Mundial, tornando-se central para a padronização das estratégias de modernização e desenvolvimento econômico a partir dos anos de 1970.

Contando com a doação dos 23 países mais ricos no Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento,cujos maiores doadores são Estados Unidos, França, Alemanha, Grã-Bretanha e Japão, a OCDE tem, no âmbito da educação, suas atividades desenvolvidas por quatro setores. Dois deles, Comitê de Educação e CERI, atuam no mesmo domínio, cabendo ao primeiro estudar dilemas e perspectivas das políticas de expansão no que concerne ao desenvolvimento da ciência e à formação dos quadros científicos e técnicos articulados aos objetivos econômicos e sociais da Organização, marcados pelo princípio da cooperação internacional; por sua vez, ao segundo compete promover, apoiar e desenvolver atividades de pesquisa com base em levantamento de dados e indicadores internacionais acerca dos sistemas nacionais de ensino, no que diz respeito ao desempenho dos alunos, à educação geral, à formação profissional e à inserção no mercado de trabalho, à caracterização das escolas. Tem a finalidade, em suma, de influenciar as decisões políticas internas nos países, bem como promover a comparação no plano internacional. Já o terceiro setor, o CELE/PEB, destina-se à aplicação do programa de construção e instalação predial e aquisição de equipamento, com vistas ao uso eficaz e eficiente dos recursos materiais utilizados nas instituições de ensino; o quarto e último setor, não menos importante, o IMHE - Gestão Institucional do Ensino Superior reúne representantes de instituições de ensino superior e de governos tendo em vista elevar a competitividade regional com base na pesquisa e inovação realizadas no ensino superior.

Com base no desenvolvimento e na análise quantitativa de indicadores internacionais comparáveis, a OCDE, junto à Unesco, vem alavancando não apenas a padronização da educação, contribuindo, assim, na formulação da agenda globalmente estruturada para a educação,mas também no processo de internacionalização do conhecimento, mediada pelo mecanismo de Classificação Internacional Padronizada da Educação (ISCED), concebida pela Unesco nos anos 1970.

Nota

Em alguns documentos, a tradução de International Standard Classification for Educationé colocada como Classificação Internacional Normalizada da Educação, a exemplo do Gabinete de Planejamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Portugal (MCTES/GPEARI).

Revisada e atualizada conjuntamente pela Unesco, OCDE e Eurostar no ano de 1997, a ISCED97 tem sido utilizada oficialmente no Brasil pelo INEP e pelas IES desde o Censo 2000 para classificar instituições, cursos e programas da educação superior; vem sendo utilizada também em Portugal, cuja política educacional insere-se no processo de uniformização do Espaço de Ensino Superior Europeu, iniciado no ano de 2005.

Nota

Cf. Unesco: Institute for Statistics, disponível em: http://www.uis.unesco.org/ev.php?ID=3813_201&ID2=DO_TOPIC .

Os últimos relatórios da OCDE têm revelado uma preocupação marcante, por parte do capital, em questões políticas relacionadas à natureza das atividades de pesquisa, à mobilidade internacional dos pesquisadores e cientistas e ao ritmo da produção de inovação com base na ideologia da sociedade do conhecimento.

O caso de Portugal

O processo contraditório da relação de Portugal com a OCDE vem desde a década de 1940. Sendo um país pequeno e periférico na Europa capitalista (NEVES, 1994; STOER, 1982), Portugal iniciou seu processo de industrialização ao final da Segunda Guerra Mundial, quando o Estado português reunia condições favoráveis, em virtude da acumulação de ouro, de saldos financeiros no sistema bancário nacional em geral e no Banco de Portugal, em particular, além dos saldos positivos do balanço de pagamentos conseguidos antes e durante o período de guerra.

Se, por um lado, o processo de industrialização do país requeria importação de matérias-primas e de equipamentos, de outro, o governo nacionalista do Estado Novo parecia ter condições de dispensar qualquer acordo que caracterizasse uma relação de dependência (LAINS, 1994, p. 925). Entretanto, a política externa portuguesa foi sendo conduzida no sentido de evitar o afastamento de Portugal dos movimentos e instituições que nasciam do pós-guerra, levando o governo português a adotar uma posição ambígua e contraditória na sua relação com a fase inicial do Plano Marshall e, particularmente, com os Estados Unidos (ROLLO, 1994, p. 858).

Nota

O Estado Novo se caracterizou pela estrutura político-fascista do governo Salazar, em oposição à velha república democrática liberal (1910-1926). A partir do ano de 1969, iniciado o processo de abertura política, Marcelo Caetano, então presidente da República, passa a denominá-lo “Estado Social”.

No espaço de um ano, entre setembro de 1947 e setembro de 1948, assistiu-se à passagem de uma posição de rejeição ao auxílio financeiro norte-americano à posição de destaque no plano das discussões internacionais do pós-guerra. Apesar do caráter supostamente neutro, Portugal acabou por se integrar ao movimento de cooperação, tendo participado de reuniões e atividades para gerir o Plano Marshall que culminaram na criação da Organização Europeia de Cooperação Econômica (OECE), em 1948, no seio da qual se aprofundaram os debates, adotaram-se as primeiras medidas e se formalizou o programa econômico comum de ajuda norte-americana, aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos.

Nota

No ano de 1961 a organização é reformada, passando a denominar-se Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE).

Acompanhada, no plano interno, pela burguesia em geral e pela fração burguesa industrial em particular, na condução de setores chave da política nacional, a participação de Portugal no Plano Marshall, em geral, e na OECE/OCDE, em particular, representa uma das mais significativas alterações da política externa portuguesa conduzida pelos governos de Oliveira Salazar, pelo fato de se constituir em um dos primeiros passos rumo à internacionalização da economia portuguesa e concorrer para o avanço do processo de industrialização, realização de obras de infraestrutura e possibilitar a criação de “uma elite técnica [portuguesa] formada nos contactos e nos trabalhos levados a efeito no interior de uma multiplicidade de instituições internacionais” (ROLLO, 1994, p. 868-869).

Para Teodoro (2003), essa participação de intelectuais portugueses nos trabalhos daquelas instituições internacionais veio pôr fim ao isolamento a que se voltou o sistema educativo nos anos 1930-40, permitindo, assim, que educadores, técnicos e políticos da administração pública se imbuíssem de concepções que marcariam as políticas educativas a partir dos anos 1950.

Nota

Embora ocorram, nos anos de 1950-60, modificações na política educativa, a partir da implementação da reforma do ensino técnico e do Plano de Educação Popular, será somente com a reforma Veiga Simão, nos anos 1970, que a educação assumirá lugar central no processo de recomposição do Estado e nos debates sobre a modernização e desenvolvimento do país (TEODORO; ANÍBAL, 2007).

O processo de admissão aos benefícios do Plano Marshall requeria do país candidato a apresentação de um programa econômico pormenorizado de longo prazo, a ser executado anualmente no período de 1948 a 1952. Esse programa, analisado e aprovado pela consultoria técnica da OECE/OCDE, compreendia, no caso de Portugal, a expansão das três áreas da economia (agricultura, indústria e serviços), prevendo a aquisição de equipamentos para os seguintes setores: energia, irrigação e indústria mineira do ferro; transportes; indústria transformadora; agricultura; saúde e educação (ROLLO, 1994, p. 865).

Encontra-se aí o germe de trabalhos futuros da OECE/OCDE voltados para o campo da educação. O referido organismo passa a coordenar as políticas econômicas dos Estados-membros, por meio de análise de dados estatísticos e produção de relatórios, tendo como objetivo a expansão da economia de mercado com base na utilização eficaz de recursos humanos, individual ou conjuntamente.

Na continuidade dos trabalhos de avaliação da educação em geral e do ensino científico e técnico em particular, a OCDE põe em execução o Projeto Regional do Mediterrâneo, de iniciativa de Francisco de Paula Leite Pinto, ministro da Educação de Portugal, que via a necessidade de articular o Plano de Fomento Econômico ao Plano de Fomento da Cultura,de modo a satisfazer as necessidades de mão de obra requeridas pelo estágio de desenvolvimento econômico do país. Considerada uma iniciativa que poderia interessar a outros países do sul da Europa igualmente membros da OECE/OCDE, o Projeto Regional do Mediterrâneo incluía a Espanha, a Grécia, a Itália, a Turquia e a Iugoslávia, além de Portugal.

Iniciou-se, em Portugal, a realização regular e sistematizada de trabalhos de planejamento educacional, que culminaram na criação, em 1965, do primeiro órgão dedicado especificamente a essa tarefa: o Gabinete de Estudos e Planejamento da Ação Educativa (GEPAE), integrado ao então Ministério da Educação Nacional (PORTUGAL/ME, s/d).

Nesse contexto, “período da idade de ouro do crescimento do ensino” (TEODORO 2003a; 2003b), impulsionado por uma crença quase sem limites no valor econômico da educação – primeiro da educação técnica e do ensino científico e, depois, da educação de base e geral –, Portugal recebeu visitas e consultoria técnica de peritos e ocupantes dos quadros político-administrativos da OCDE.

Em sua atuação como fonte de assistência técnica a Portugal em matéria de educação, a OCDE avaliou a “eficácia” da Telescola, do ensino secundário e do acesso ao ensino superior; criou um centro de formação profissional para a indústria têxtil e buscou racionalizar o orçamento e a gestão da educação no país. (UNESCO, 1982, p. 131-132).

Entretanto, o ocedeísmo (MIRANDA, 1981 apud TEODORO, 2003, p. 40-41) não deu cabo das mazelas que marcaram os governos salazarista-caetanista. Portugal chegou à década de 1970 marcado por “um capitalismo acentuadamente subalterno a interesses supranacionais, com fortes dependências de tecnologia, mercado comercial e financeiro e, [ainda], exportação de mão de obra e [elevada taxa de emigração]” (GRÁCIO, 1981, p. 138). Segundo Barreto (2002), entre 1960 e 1973, mais de um milhão e meio de portugueses abandonaram o país. No domínio das estruturas escolares, a situação caracterizava-se pela adaptação do aparelho escolar fascista, montado na década de 1930, à realidade vigente do capitalismo monopolista de Estado.

No ano da Revolução dos Cravos, o país apresentava taxa de analfabetismo de 40%, contra os 62% do início dos anos de 1930, quando António Oliveira Salazar instituiu o Estado Novo (INE, 2010); apenas, 0,1% da população, aproximadamente oito mil pessoas, possuía o ensino secundário e, no ensino superior, o número de matriculados correspondia a 0,3% da população, aproximadamente, 25 mil jovens.

O início da década de 1980 é marcado não apenas pelo debate, na Assembleia da República, em torno da nova lei de bases do sistema educativo e da entrada de Portugal na CEE, mas também pelo fim do processo de normalização da educação, que passa a desempenhar papel cada vez mais instrumental na modernização da sociedade e no desenvolvimento econômico do país.

Nesse contexto, a OCDE, que nunca deixou de produzir relatórios sobre a realidade educacional portuguesa, retoma a posição hegemônica nas questões e orientações das políticas educativas (TEODORO, 2003), produzindo o relatório Exame da política educativa de Portugal, publicado no ano de 1984. Esse retorno da OCDE, acontecido no ministério do V Governo Provisório, ocorreu por solicitação do ministro Luís Veiga da Cunha com o objetivo de produzir um estudo que pudesse subsidiar o processo de elaboração da Lei de Bases da Educação, o que acabou influenciando sobremodo as reformas da educação promovidas a partir da década de 1980.

O relatório critica a forma como as políticas educativas haviam negligenciado a formação profissional e técnica dos jovens. Em consonância com as orientações do Banco do Mundial, a OCDE propugna o ensino técnico e profissional como prioridade capital da política educativa portuguesa, recomendando a criação de cursos de qualificação de curta duração destinados aos jovens maiores de 14 anos de idade, de modo a atender os arranjos produtivos regionais (OCDE, 1984, p. 82-88).

As reformas educativas da década de 1980, balizadas primeiro pelo Banco Mundial e depois pela OCDE, têm como objetivos principais a satisfação das necessidades do Estado em termos de mão de obra qualificada, sustentadas pela política de emprego para os jovens. Esse “novo vocacionalismo da política educativa em Portugal” (STOER; STOLEROFF; CORREIA, 1990, p. 27-32) buscou dar respostas à “economia pequena e cada vez mais aberta” de “um país periférico sem grande capacidade negocial”, cujos dinamismo e expansão do setor secundário dependiam da concorrência no mercado internacional, que vinha sendo transformado pelos choques petrolíferos de 1973 e 1979 (LAINS, 1994, p. 951).

Desde os anos 1970 Portugal se propôs a renegociar sua inserção no processo de “mundialização do capital”: a guinada da economia por­tuguesa para o espaço europeu no início da década de 1970, o processo contrarrevolucionário de novembro de 1975, o processo de integração à Comunidade Econô­mica Europeia, hoje União Europeia, a participa­ção na União Econômica e Monetária e a relação com os organismos supranacionais representam múltiplos sinais de sua inserção consentida e subordinada no processo de internacionalização da economia, cujos desdobramentos se manifestam, no plano interno, nas relações entre capital e trabalho, Estado, trabalho e educação, ao passo que, no plano externo, se materializam nas relações Estado de capitalismo dependente e imperialismo, Estado e macroeconomia e Estado e internacionalização da educação.

Nota

Portugal, tendo sido um dos primeiros países a adotar a moeda única, em 1º de janeiro de 1999, colocou o euro em circulação em 1o de janeiro de 2002. A participação na União Econômica e Monetária obriga o país membro a controlar, segundo o Pacto de Estabilidade e Crescimento, os gastos públicos e a inflação.

Nessa perspectiva, o Estado português entrou no esforço doutrinário do Processo de Bolonha, cuja gênese está na Declaração de Sorbonne, de maio de 1998, definindo, junto a OCDE, não apenas um conjunto reformas internas no sistema de ensino português mas também sediando seminários e congressos promovidos pela organização no âmbito do programa University Futures. E, mais recentemente, desencadeou o processo de avaliação internacional do ensino superior, por meio do programa voluntário de avaliação institucional, de âmbito internacional, dos estabelecimentos portugueses de ensino superior universitário e politécnico, público e privado, e suas unidades orgânicas, contando com apoio, além da OCDE, da ENQA, AEU e da EURASHE.

Inserido e comprometido com o movimento de internacionalização e modernização das universidades para o desenvolvimento da “sociedade e economia do conhecimento”, o bloco de poder português acompanhou e foi acompanhado de perto pela equipe do Departamento de Educação da OCDE na reforma do ensino superior, chegando a sediar, em abril de 2008, o evento de divulgação do estudo Tertiary Education for the Knowledge Society - OECD Thematic Review of Tertiary Education: Synthesis Report, que analisa e compara os sistemas de “educação terciária (pós-secundária e superior)” de 38 países.

Esse estudo, realizado no período de 2004-2008, identifica vários aspectos da reforma do ensino superior em curso em Portugal, sendo possível salientar alguns aspectos principais: reforço da autonomia das instituições de ensino superior com base na criação de fundações públicas com regime de direito privado no ensino superior; estímulo para o reforço do sistema dual de ensino superior; alargamento do acesso ao ensino superior, que, ao contar com um sistema de empréstimos, além da “ajuda” financeira dos estudantes, estará modificando a estrutura do financiamento público - ver Cabrito (2002) -; reforma do sistema de avaliação e acreditação, de cujo sistema Portugal, segundo a OCDE, já é um exemplo; direcionamento da pesquisa científica e tecnológica à indústria e ao mercado; estimulo à internacionalização do ensino superior e da comunidade científica, o que inclui estratégias de captação de recursos com financiamentos privados e competitivos para Inovação & Desenvolvimento.

É neste contexto que, em particular, têm sido promovidas parcerias internacionais com instituições de referência mundial (Massachusetts Institute of Technology, Universidade de Carnegie Mellon, Universidade do Texas em Austin, Sociedade Fraunhofer), assim como têm sido desenvolvidos programas de estudo em língua inglesa, a oferta de graus duplos com parceiros estrangeiros e o fomento da capacidade de atração, para Portugal, de estudantes de outros países.

O caso do Brasil

Na América Latina em geral e no Brasil em particular, a intervenção da OCDE é bem recente, se comparada à Europa em geral e Portugal em particular, sendo, portanto, pouco visível. A fim de continuar exercendo sua hegemonia na economia mundial, a OCDE vem buscando reforçar seus laços com países não membros, a exemplo do Brasil, que, embora não seja membro pleno do organismo em todos os comitês, vem estreitando sua relação com a organização desde o início da década de 1990. Nos governos Lula da Silva (2003-2010), essa aproximação se deu no sentido de um “engajamento ampliado” como passo prévio à “adequada adesão” do “parceiro emergente” (OCDE/ICTSD, 2007). Souza (2009) analisa as implicações da relação entre Estado brasileiro e OCDE na formação e trabalho docentes.

Dos 250 comitês e grupos de trabalho, o Brasil tem participação ativa em 15: Conselho Diretivo do Centro de Desenvolvimento; Comitê do Aço, Conselho Diretivo do PISA; Fórum Global sobre Transparência e Troca de Informações para Fins Fiscais; Comitê da Agricultura e órgãos subordinados; Comitê de Política Científica e Tecnológica e órgãos subordinados; Comitê de Estatísticas e órgãos subordinados; Comitê de Competição e órgãos subordinados; Comitê de Comércio e órgãos subordinados; Comitê de Investimento; Comitê de Governança Publica; Grupo de Trabalho sobre Corrupção em Transações Comerciais Internacionais; Órgãos Subsidiários do Comitê de Políticas para a Educação; Grupo de Experts ad hoc conjunto do IEA/NEA sobre os Custos de Geração Elétrica; Comitê de Política Ambiental; Conselho Diretor da Administração Institucional na Educação Superior; Grupo de Trabalho sobre Previdência Privada (OCDE/CENTRO DE COOPERAÇÃO PARA NÃO MEMBROS, s/d. Negritos nossos).

Os Estudos econômicos, publicados com um lapso que varia de um ano e meio a dois anos para cada um dos países membros, não têm a mesma periodicidade para os países não membros. Os Estudos econômicos da OCDE: Brasil foram publicados nos anos de 2001, 2005, 2006 e 2009, enquanto Perspectivas econômicas da América Latina vêm sendo publicadas anualmente, desde 2007.

Afinada com o Banco Mundial e a Unesco, a OCDE também possui um amplo leque de ação em temas como política macroeconômica, reforma política de setores da microeconomia, acordos sobre o comércio de aeronaves civis, concorrência aperfeiçoada, liderança na governança corporativa, fim do sigilo bancário, combate à corrupção, regras empresariais, uso eficiente de energia, meio ambiente, mapeamento da captura e armazenamento de carbono, assistência aos idosos, saúde, inclusão financeira para aumento do índice da população de classe média, sindicatos e educação.

Nota

Inserida no processo de enfraquecimento dos sindicatos combativos, a relação Comitê Sindical para a OCDE e Central Única dos Trabalhadores (CUT) têm sido, para o capital, eficaz na “disseminação de boas práticas” e, por conseguinte, na (des)organização e (des)conscientização da classe trabalhadora no Brasil.

Sendo “um dos principais atores na era da globalização” (OCDE, 2001, p. 1), o Brasil, depois de ter promovido um amplo processo de desnacionalização e desindustrialização, manteve, nos governos FHC e Lula da Silva, a estabilidade macroeconômica; fortaleceu o ajuste fiscal; construiu a credibilidade das metas de inflação; promoveu maior desenvolvimento dos mercados financeiros, mormente no que se refere à expansão de crédito ao consumidor, financiamento habitacional e agrícola; avançou na reforma previdenciária, faltando apenas “dar prioridade à redução das generosas aposentadorias e pensões dos servidores públicos e privilégios” (OCDE, 2001, p. 7); aprimorou as políticas sociais focalizadas e, como não poderia deixar de ser, participou ativamente do processo de internacionalização da educação, particularmente no nível superior de ensino.

Lançado no ano 2000 pela OCDE, o Pisa tem como objetivo avaliar o conhecimento de jovens na faixa de 15 anos de idade em três “domínios”: letramento em leitura, matemática e ciências. Dentre os países participantes, além do Brasil, está Portugal. No Brasil, o órgão responsável pela aplicação e divulgação dos resultados do instrumento de avaliação é o INEP/MEC, órgão igualmente responsável pela aplicação do SAEB, do ENEM, do ENADE.

Nesse sentido, a intervenção da OCDE no Brasil ocorre particularmente por mediação da tabela ISCED97, do PISA, da PIAAC, do TALIS, além dos relatórios Education at a glance (Em português, panorama educativo), nos quais a Diretoria de Educação da OCDE, por meio de indicadores comparáveis internacionalmente, traça o perfil do nível educacional da população matriculada nos três níveis de ensino e diferentes modalidades de educação.

Longe de apenas levantar dados e indicadores, a organização envolve-se diretamente nas “questões e tendências” da educação superior, cuja abordagem da internacionalização do ensino superior insere-se numa perspectiva de caráter contraditório, encoberta no bojo de inúmeros debates capitaneados ora pela Unesco, ora pelo Banco Mundial, ora pela própria OCDE, voltados para o papel do Estado, o desenvolvimento econômico e socioambiental, assim como para as políticas públicas de educação e políticas de ciência, tecnologia e inovação.

Suas propostas e orientações vão ao encontro daquelas preconizadas pelos outros dois organismos: expansão de matrículas, diferenciação de instituições, diversificação da oferta, diversificação das fontes de financiamento, redefinição do papel do Estado na educação superior, prioridade aos objetivos da qualidade e da equidade, foco crescente na responsabilidade e nos resultados, novas formas de governança institucional, implementação de rede mundial de instituições e de docentes e discentes, realce do papel do ensino superior na pesquisa e inovação, incentivo à mobilidade de estudantes e pesquisadores, adaptação da carreira acadêmica às mudanças, reforço dos laços com o mercado, formulação de estratégias de internacionalização da educação superior (OCDE, 2008).

Publicado em 29 de maio de 2012

Publicado em 29 de maio de 2012

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