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Rio, 20 anos depois

Alexandre Amorim

Este mês, o Rio recebe delegações dos Estados-membros da ONU e representantes da sociedade civil para a Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável, vinte anos depois da Eco-92, o encontro em que termos como “desenvolvimento sustentável” e “biodiversidade” ainda eram tratados como novidade e recebidos com certa estranheza. Hoje esses termos são usados por qualquer um que queira se mostrar engajado na luta por uma conscientização ecológica. Mas, de lá para cá, essas palavras se tornaram realmente conhecidas ou apenas termos desgastados por politicagem barata?

Há 20 anos, eu estava na Floresta da Tijuca, sentado a uma mesa construída em meio às árvores do parque, para piquenique. Fumava um bom cachimbo, presente de uma bela namorada, que me oferecia o prazer de sua companhia. Estava, enfim, feliz da vida – ainda que politicamente incorreto, soltando aquela fumaça de nicotina em pleno bosque cheio de oxigênio puro. O lugar, por onde passa um córrego e várias árvores oferecem sombra, se chama Meu Recanto. E aquele recanto – melhor, refúgio – silencioso ainda me deixava ver um céu azul com pouquíssimas nuvens, pássaros cantando e... um helicóptero.

Sim, aquelas lâminas rodando, aquele motor fazendo um barulho desgraçado bem em cima das nossas cabeças e uma tarde romântica indo córrego abaixo. Até porque minutos depois pelo menos dez carros apareceram, saíram deles vários homens de terno e óculos escuros, alguns com rádio e um deles montando uma pequena antena parabólica no chão. Das duas uma: ou o Brasil se defendia de uma invasão extraterrestre ou minha namorada era uma espiã comunista infiltrada e havia sido descoberta. Mas a situação começou a ficar realmente inverossímil quando, de uma limusine, saíram a primeira-dama e o presidente dos Estados Unidos, Sr. e Sra. Bush.

Eu começo a pensar que nenhum leitor vai acreditar em mim. Mas é a única história boa (e real) que tenho para contar sobre a Eco-92.

Sim, George Bush estava ali, na minha frente, em plena Floresta da Tijuca. Aquele homem que declarou a Guerra no Golfo, pai daquele outro Bush, que continuou a guerra iniciada pelo velho (no Texas, é assim: mexeu com meu pai, mexeu comigo). Pois esse senhor caminhou até onde nós estávamos, apertou nossas mãos, deduziu que falávamos inglês (como todo bom turista em país colonizado presume) e se desculpou por estar atrapalhando nosso passeio. Depois, ele e sua esposa, acompanhados de perto por dois seguranças, foram até outra mesa, tomaram Coca-Cola da família que ali estava, passearam pelo bosque e, como nenhum lobo apareceu, voltaram sãos e salvos para sua limusine. Não sem antes passar de novo por mim e por minha bela namorada e nos oferecer broches com o selo dos Estados Unidos da América. Que nós recebemos, sorridentes e submissos, dando adeus ao casal mais poderoso do planeta.

Toda vez que conto essa história, algum revoltado me pergunta: e você não fez nada, não disse nada contra aquele imperialista opressor?

Pois é. Poderia, naquele momento, discutir com ele por que os Estados Unidos não assinariam o Protocolo de Quioto nem a Convenção da Biodiversidade. Também poderia ter subido na mesa e gritado “hasta la victoria, siempre!”, mas confesso que o Che Guevara que mora em mim tremeu nas bases com aquele monte de Homens de Preto em volta. E, sinceramente, não achei que fosse producente encher aquele casal velhinho de mais preocupações do que eles já tinham. Acabei por continuar fumando meu cachimbo, namorar; meses depois, dei meu broche a uma amiga americanófila – que hoje em dia mora naquela terra do Tio Sam. E todos viveram seus dias – nem tão felizes – em um mundo mais poluído e cada vez mais obediente ao mercado capitalista e não às regras da Mãe-Natureza.

Esta crônica pode parecer um tanto cínica e niilista. Não é. Cética com certeza é. Porque a crença em encontros do tipo Eco-92 ou Rio+20 deve ser encarada com muito cuidado. São datas que devem marcar um trabalho contínuo – o que só é feito por umas poucas e não tão poderosas instituições – e discussões que não fazem parte do dia a dia da população. Enquanto as conversas para definições sobre o desenvolvimento sustentável não estiverem na ordem do dia do cotidiano, o movimento fica sendo um grande festival de acontecimentos exóticos e a oportunidade de encontros inusitados.

E – eu juro – o Bush-Pai foi mesmo à Floresta da Tijuca e apertou minha mão. Não que eu tenha algum orgulho em contar isso a vocês.

Publicado em 12/06/2012

Publicado em 12 de junho de 2012

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