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A prática da pesquisa em educação no Brasil: uma trajetória em questão

Natália Regina de Almeida

Pedagoga (UERJ), mestranda em Educação (ProPEd/UERJ)

O presente artigo configura-se em parte de uma discussão acerca da prática da pesquisa em Educação investigada a partir da pesquisa bibliográfica, que é o tema de minha dissertação.

De modo abrangente, pode-se dizer, a partir de Gouveia (1971), que a gênese da pesquisa em Educação se dá com a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep) – hoje denominado Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – até meados de 1950; após 1956, com a criação dos cinco Centros Regionais de Pesquisa vinculados ao INEP; e após o golpe de 1964 até 1970, com o cenário político em modificação, quando os Centros Regionais de Pesquisa são fechados. A quarta fase se inicia em 1970, em que começa a produção de pesquisas nos programas de pós-graduação no país.

Pode-se afirmar que os anos iniciais da pesquisa em Educação no Brasil, denominados por André (2000) como “nascimento induzido”, se dão por medida concreta e institucional a partir da criação do então Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep) por iniciativa de um órgão governamental, o então Ministério da Educação e Cultura (MEC).

O Inep destinava-se, segundo Gouveia (1971, p. 1) “a realizar pesquisas sobre os problemas de ensino nos seus diferentes aspectos”. Reside aí uma questão: qual o papel da pesquisa, quer dizer, o propósito estaria em utilizá-la como modelo ou resposta para ações educacionais, ou ainda, nas palavras de Gouveia (1971, p. 1), “utilizar a pesquisa como fonte de esclarecimento para a administração da educação, que inspirou a criação daquele instituto”.

Esse período, principalmente entre os anos 1940 e 50, possuía por característica os estudos de natureza psicopedagógica ou, conforme aponta Mello (1983), a pesquisa educacional fora marcada pela "psicometria”. De fato, é justo explanar que o Inep possuía um ativo serviço de Psicologia aplicada, ou melhor, a Divisão de Psicologia Aplicada (Gouveia, 1971), que foi influenciada por Lourenço Filho, defensor das ideias da Escola Nova, atuando como primeiro diretor. Assim, a leitura psicológica no universo do ensino-aprendizagem e os instrumentos de avaliação psicológica do aluno eram preocupação central. Também eram realizados estudos sobre a linguagem infantil e testes de avaliação mental entre outros.

Foram várias as influências, da Estatística, da Biologia, da Psicologia e das Ciências Socais, para a realização da pesquisa em Educação, cujo pano de fundo era não somente a realização dos fins educacionais, mas a transmissão de ideologias presentes no período do Estado Novo, o que somente corrobora a afirmativa de que não há como pensar o percurso histórico da pesquisa em Educação sem levar em consideração as conjunturas específicas de cada período.

A segunda fase da pesquisa em Educação tem origem com a criação, no Inep, do Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional (CBPE) e dos Centros Regionais de Pesquisa Educacional (CRPE), em 1956, localizados respectivamente no Rio de Janeiro e em capitais como Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Recife. Esses centros foram organizados por iniciativa de Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. Nesse momento, a formação via pesquisa sistemática ganha sentido. Em contrapartida, a produção de pesquisas nas universidades era esparsa, ocorrendo certa diversificação somente no final da década de 50.

O objetivo central do CBPE e CRPE era promover “pesquisas das condições culturais e escolares e das tendências de desenvolvimento de cada região e da sociedade brasileira como um todo para o efeito de conseguir-se a elaboração gradual de uma política educacional para o país” (Gouveia, 1971, p. 3). Desse modo, permanece o vínculo entre pesquisa em Educação e órgãos governamentais, mas o objeto torna-se diferente.

Gatti (2001, p. 66) aponta que “o Inep e seus centros constituíram-se em focos produtores e irradiadores de pesquisas e formação em métodos e técnicas de investigação científica em Educação, inclusive os de natureza experimental”. De fato, há a passagem do enfoque psicopedagógico para os estudos de natureza sociológica, fazendo parte do universo da pesquisa a organização social da escola, as relações entre escola e sociedade. Pode-se destacar que as pesquisas em Educação produziam, sob a responsabilidade de sociólogos e antropólogos, monografias e surveys.

Nesse cenário histórico da pesquisa em Educação, vale ressaltar que as primeiras tentativas de institucionalização da pós-graduação no Brasil foram iniciadas com a implantação de órgãos que até hoje são responsáveis pelo desenvolvimento da pesquisa no país. A criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Lei nº 1.310, de 15 de janeiro de 1951, e da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo Decreto nº 29.741, de 11 de julho de 1951, representaram um novo marco no que diz respeito à institucionalização da pesquisa no Brasil.

É importante demarcar o contexto histórico da terceira fase da pesquisa em Educação no país. A partir de meados da década de 1960 se instalou o governo militar, redirecionando as novas perspectivas sociopolíticas. O enfoque no planejamento dos custos, da eficiência, das técnicas e tecnologias é expresso. A política científica centra-se no bojo de um macroplanejamento voltado para uma política desenvolvimentista, incluindo também a pesquisa em educação nesse cenário. Nas palavras de Mello (1983), “educação e desenvolvimento, educação e democracia já não constituem o binômio, mas aí se introduz a premissa de que o desenvolvimento e a democracia deverão ser constituídos garantindo a ordem e a estabilidade das instituições tradicionais”.

Os temas de investigação abordados nesse momento, segundo Gouveia (1971, p. 4), foram: “a educação como investimento, os custos da educação, a escola e a demanda de profissionais de diferentes níveis e outros tópicos que sugerem, igualmente, racionalização”.

É importante destacar que essa fase histórica é marcada pela possibilidade de uma estrutura “mais consolidada” da pesquisa na área da Educação, o que se deu com a implantação do Parecer CFE nº 977/65. Essa legislação trata a pós-graduação como lugar privilegiado de pesquisa no país, pois, de acordo com Cury (2005, p. 30), “a pós-graduação torna-se, assim, na universidade moderna, cúpula de estudos, sistema especial de cursos exigido pelas necessidades do treinamento avançado”. Com a implementação dos cursos de mestrado e doutorado no país há a intensificação dos programas de formação no exterior e absorção de pessoal e a formação de quadros para as universidades. Em paralelo, os Centros Regionais de Pesquisa em Educação (CRPE) do Inep são fechados, e são estabelecidos os investimentos destinados aos programas de pós-graduação nas universidades.

O Parecer CFE nº. 977/65 aprovado em 3 de dezembro de 1965 foi consultado em: CURY, Carlos Roberto Jamil. Quadragésimo ano do Parecer CFE nº. 977/65. Revista Brasileira de Educação: Especial Sobre os 40 anos da Pós-Graduação em Educação, Rio de Janeiro, n.30, p.162-172, 2005.

Adentrando a década de 1970, surgiu um elemento novo: a crise do “milagre econômico” no país. Nesse sentido, houve a tentativa de aprimoramento do ensino e da denúncia do papel conservador da Educação. De acordo com Mello (1985, p. 27), a educação começou a ser percebida “em termos de seu papel transformador”, e a atenção dos pesquisadores ficou voltada para a “apreensão do funcionamento interno da escola e do sistema de ensino”. Sendo assim, nessa década, são retomados os estudos de natureza psicopedagógica voltados para avaliação, organizações curriculares e estratégias instrucionais.

Em 1971 foi criado o Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas (FCC), em São Paulo, coordenado por Angelina Bernardete Gatti, reunindo grupos de pesquisadores que contribuíram qualitativamente para o desenvolvimento da pesquisa em Educação. A partir de então, houve a ampliação de temáticas de estudos, o aprimoramento metodológico em alguns setores e as diferentes problemáticas focadas, como: currículos, avaliação de programas, caracterizações de alunos, famílias e ambiente de que provêm, nutrição e aprendizagem entre outras. Passou-se a utilizar instrumentos quantitativos mais sofisticados, mas ainda prevalecendo, nesse período, os enfoques tecnicistas, o apego a taxonomias e a operacionalização de variáveis e sua mensuração.

Em relação à quarta fase da pesquisa em Educação, pode-se salientar que nessa conjuntura, partir da década de 1970, instalou-se um período de crescimento da produção e dos questionamentos sobre a qualidade da pesquisa (André, 2000). O crescimento de programas de pós-graduação e o surgimento do curso de doutoramento em 1976 demarcaram esta fase.

Em 1978 houve a criação de um importante espaço de informações e intercâmbio entre pesquisadores em Educação, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), que tem promovido reuniões nacionais anuais, em que são apresentados trabalhos e comunicações. Adentrando a década de 1980, a partir do processo político instaurado, ocorreram mudanças importantes para as orientações teóricas e metodológicas da pesquisa em Educação. A pesquisa em Educação, nesse sentido, está integrada à crítica social e, de acordo com Gatti (2001), as dissertações e mestrados, que passam a ser fonte de produção de pesquisas, tratam hegemonicamente das questões educacionais com base em teorias de inspiração marxista.

Ainda em Gatti (2003, p. 387) está demarcado que “com isto, troca-se a problemática dos estudos em que quantificações predominam pela quase hegemonia dos estudos chamados ‘qualitativos’”. A propagação da metodologia da pesquisa-ação e da teoria do conflito ganha destaque. As bases explicativas procuradas pelos pesquisadores em Educação passam a ser a Antropologia, a História, a Linguística e a Filosofia.

Os temas e referenciais na área da pesquisa em Educação se diversificam nos anos de 1980 e 1990. As abordagens metodológicas qualitativas englobam um conjunto de método, técnicas e análises, como os estudos antropológicos e etnográficos, as pesquisas participantes, os estudos de caso, a pesquisa-ação, as narrativas, as histórias de ida e outras. É também nesse período, como indicava Gatti (2001, p. 68),

que se consolidam grupos de pesquisa em algumas subáreas, quer por necessidades institucionais, em razão de avaliações de órgãos de fomento à pesquisa, quer pela maturação própria de grupos que durante as duas décadas anteriores vinham desenvolvendo trabalhos integrados.

No entanto, para além do avanço, do crescimento das temáticas e metodologias na área da pesquisa em Educação, a partir da década de 1980 e meados da de 90 até os dias atuais, surgiram críticas relativas à teoria e à metodologia. Estudos apontam a dificuldade de construção de categorias consistentes, as adesões a sociologismos ou psicopedagogismos (Gatti, 2001). Atualmente, apontar os desafios dos programas de pós-graduação em Educação, para além de outras questões de demandas institucionais, políticas, é enfrentar desafios que dizem respeito à produção de conhecimento. Nesse tocante, refiro-me às abordagens teórico-metodológicas.

Considerações finais

Sinteticamente, é importante esclarecer que o desenvolvimento deste artigo se pautou na tentativa de recuperar historicamente o trajeto da pesquisa em Educação no país. De fato, as condições que condicionaram tal trajeto, em conjunturas econômicas, sociopolíticas e culturais foram particulares. Ao longo das décadas, novos desafios, perspectivas e conhecimentos configuraram e impulsionaram esse cenário. Concluo esta discussão me valendo da compreensão de que durante o processo investigativo da pesquisa em Educação não pode ser deixado de lado o entendimento que se tem de conhecimento, de educação e de realidade. Esse trinômio é carregado de significados, sentidos e intenções.

Referências bibliográficas

ANDRÉ, Marli. A jovem pesquisa em educação no Brasil. Diálogo Educ., Curitiba, v. 6, n. 19, p. 11-24, set./dez. 2006.

CURY, Carlos Roberto Jamil. Quadragésimo ano do parecer CFE nº 977/65. Revista Brasileira de Educação: sobre os 40 anos da Pós-Graduação em Educação, Rio de Janeiro, n. 30, p. 162-172, 2005.

GATTI, Angelina Bernadete. Implicações e perspectivas da pesquisa educacional no Brasil contemporâneo. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 113, p. 65-81, jul. 2001.

GATTI, Angelina Bernadete. Formação de pesquisadores, pesquisa e problemas metodológicos. Contrapontos, Itajaí, v. 3, n. 3, p. 381-392, set./dez. 2003.

GOUVEIA, A. A pesquisa educacional no Brasil. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 1, p. 1-20, 1971.

MELLO, Guiomar Namo de. Pesquisa educacional do Brasil. Caderno de Pesquisa, São Paulo, n. 46, p. 67-82, 1983.

MELLO, Guiomar Namo de. Pesquisa educacional, políticas governamentais e o ensino de 1º grau. Cadernos de Pesquisa, São Paulo (53), p. 25-31, maio 1985.

Publicado em 19 de junho de 2012

Publicado em 19 de junho de 2012

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