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Grandes narrativas - por que sua morte não aconteceu

Alexandre Amorim

Em seu tratado sobre o sentimento do sublime, Longino, guiado pela questão do estilo, adverte: “todos que visam à grandeza, para fugir da fraqueza e da aridez, precipitam-se no vício do inchaço”. Esse conselho de quase dois mil anos encaixa-se perfeitamente nos preceitos da literatura dita pós-moderna, em que todo vício de enriquecer a narrativa é condenado. Ao contrário, a narrativa aparece quase sempre errante, árida, débil em relação a qualquer tentativa de definições. E, como seu professor de fé, o filósofo francês Jean-François Lyotard condena a narrativa que prega verdades. Para Lyotard, a realidade e a definição de uma identidade são inalcançáveis, e por isso o que ele chama de “grandes narrativas” ou “metanarrativas” estariam fadadas ao desaparecimento.

A experiência da perda de identidade e a escolha por não eleger uma única realidade são experiências incomensuráveis. Essas perdas equivalem a uma eterna investigação e as infinitas possibilidades de identificação, mesmo que esta seja momentânea. Se o Pós-Modernismo apresenta a fragmentação da verdade, o leitor contemporâneo já cumpriu seu papel estético de ter vivenciado essa fragmentação e de tê-la reconhecido em suas leituras. Como afirma Lyotard, os artistas que “aceitam pôr em dúvida artes plásticas e narrativas, eventualmente partilhar as suspeitas que têm, difundindo as suas obras, estão condenados a não ter credibilidade junto aos amadores preocupados com realidade e identidade”.

Para que não haja confusão conceitual, é necessário definir que o francês considera “grandes” ou “meta” narrativas aquelas que fundamentam verdades, tais como textos religiosos ou científicos em que uma realidade é dada como única. Estar atento à imensa variedade de aspirações, desejos e crenças do ser humano é uma obrigatoriedade contemporânea, e esse tipo de narrativa só contribui para um atraso no desenvolvimento do pensamento. Acreditar, por exemplo, que o átomo é indivisível pode ter atrasado em décadas a descoberta de novas partículas, assim como a fé cega em um deus pode provocar guerras seculares entre povos. Mais do que esses exemplos, é preciso desconfiar da História como processo de evolução ou da Ciência como protetora da verdade. Ao medo do “vício do inchaço” estilístico de Longino, corresponde o medo do vício da universalidade, em que a verdade de um texto deve se aplicar a tudo e a todos.

Lyotard lutou contra esse vício e a totalização da verdade, elegendo a linguagem como o campo por excelência para essa luta. A linguagem pode nos levar a uma dita verdade absoluta pelos caminhos da coerência lógica e da retórica; por isso deve ser interpretada sempre por meio de uma subjetividade crítica. Os jogos linguísticos devem passar pelo crivo pessoal.

Talvez justamente por essa razão as grandes narrativas permanecem. Senso crítico e consciência da subjetividade não são atividades fáceis, e a leitura de narrativas que trazem verdades absolutas acabam sendo confortáveis, no sentido de que acreditar é mais confortável do que debater.

Além disso, existe outro conforto, que é o de descobrir-se “identificado” com verdades amplamente aceitas. O conforto religioso ou a felicidade em crer que a ciência curou a ansiedade são boas razões para continuar acreditando em discursos totalizadores, ao invés de criticar dogmas ou verificar efeitos colaterais e danos psicológicos causados por remédios. O efeito do discurso das grandes narrativas pode ser devastador em massa, como os discursos de chefes de Estado, mas podem atingir também individualmente, como o cidadão que acredita piamente nas notícias de jornal e desenvolve um pânico patológico de sair de casa porque o jornal das oito faz uma propaganda constante do aumento da violência, baseado em números e estudos científicos.

O discurso totalizante não esmorece. É alimentado pelo interesse de manter certo status e, ao mesmo tempo, pela falta de crítica do leitor/intérprete desse discurso. Ao contrário do que deseja Lyotard, as grandes narrativas não morreram, mas se alimentam da covardia de quem não pensa ou deseja.

Bibliografia

LONGINO. Do Sublime. Trad. Filomena Hirata. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno explicado às crianças: correspondências 1982-1985. 2ª ed. Trad. Tereza Coelho. Lisboa: Dom Quixote, 1993.

Publicado em 17 de julho de 2012

Publicado em 17 de julho de 2012

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