Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Cadê as bonecas negras?

Mariana Cruz

Faz uns dias que ando à procura de uma boneca negra para dar à minha filha. Semana retrasada fui a uma famosa loja de brinquedos no Centro do Rio e perguntei se tinha alguma boneca dessas para vender. A vendedora me olhou como se eu estivesse querendo comprar um extraterrestre de três pernas. Ou como se eu fosse uma ativista remanescente do grupo Panteras Negras. Passado o espanto, veio a resposta esperada: não tinha. A loja era grande e repleta de bonecas, perguntei se realmente não havia pelo menos uma no meio daquelas centenas. Depois de muito procurar, mostrou-me uma imitação de Barbie, só que morena de olhos verdes e com cabelos negros e ondulados. Os cabelos eram, na verdade, uma peruca que poderia ser trocada por outra loira, ruiva, castanha. Não era bem isso. Queria uma boneca negra – e não uma morena de olhos verdes. Quando passei pela seção das bonecas princesas da Disney vi que estavam quase todas lá: Cinderela, Bela Adormecida, Ariel, Bela (da Bela e a Fera), Branca de Neve... Perguntei se tinha a Tiana, a protagonista negra do desenho A princesa e o sapo. Já a tinha visto na vitrine de uma loja em um shopping na Zona Sul: ela existia. Mas não naquela loja. Aliás, nem ela nem a Jasmine (a princesa do Aladdin, moradora de Agrabah, uma cidade fictícia localizada em algum país do Oriente Médio). A essa altura, senti um certo constrangimento por parte da vendedora, que se apressou em dizer que a Tiana já tinha estado por lá, mas assim que chegava se esgotava, daí a sua ausência nas prateleiras. Se a demanda era tão forte assim, por que não encomendavam em maior quantidade? Ela deu um risinho sem graça e não soube responder. Dirigi-me ao gerente para lhe dar essa ótima dica mercadológica: encomendar mais bonecas da Tiana ao fornecedor, já que ela “sai muito”. Ele, sem muita empolgação, disse que iria fazê-lo.

Dois dias se passaram, quando me encontrei naquele shopping em que, meses antes, tinha visto a tal princesa. Ela não estava mais na vitrine, nem dentro da loja. Nem ela, nem nenhuma outra boneca negra. A vendedora nem se deu ao trabalho de procurar. Então insisti, dizendo já ter visto a Tiana lá há um tempo. Ela dirigiu-se à vendedora do balcão para confirmar, esta disse que também estava querendo comprar uma para a filha dela, pois era a única que faltava “para completar a coleção das princesas dela”. Disse inclusive que perguntou ao fornecedor e ele lhe respondeu que essa boneca só vem duas vezes por ano: uma no começo no ano e outra perto do dia das crianças. Por que será que todas as princesas são fornecidas durante o ano inteiro e essa princesa negra só duas vezes por ano?

Alguns podem argumentar que a saída é pouca, não vende muito. Mas por que não vende muito? Como vender se elas não existem nas prateleiras das lojas? Como vender se só são fornecidas duas vezes por ano? As crianças estão acostumadas desde cedo a ganhar bonecas brancas loiras de olhos azuis. Esse, então, passa a ser não só o ideal de beleza como também de tudo aquilo que é bom, puro, positivo, afinal, até os anjos são sempre representados por criancinhas de bochechas rosadas , cabelos loiros e olhos azuis. Tal imagem é passada perversamente desde a infância: da primeira à última boneca (que geralmente é a Barbie). Como acostumar-se às bonecas de outras cores e raças se só são vendidas as arianas? Não é de surpreender que as próprias crianças, independente da cor de sua pele, vejam as bonecas brancas como sendo as bonitas, as boas, as certas, como bem mostra um filme que circula pela internet há algum tempo e que, pela própria reação das crianças, já diz mais do que todo este texto.

Por isso mesmo, insisto na pergunta: cadê as bonecas negras? Qual o motivo disso? Cotas para as bonecas negras?

Publicado em 31 de julho de 2012.

Publicado em 31 de julho de 2012

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.