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Cidade surda

Alexandre Amorim

Como se fosse um Godzilla, o Rio de Janeiro cresceu mais do que devia. É uma metrópole metida em um corpinho de província, e isso causa certo desconforto. Aliás, vários desconfortos. Para mim, um dos maiores incômodos de viver no Rio são os barulhos que a cidade gera. São milhões de pessoas querendo ouvir música, querendo se comunicar, propagandear alguma ideia ou algum produto, vender o seu peixe. Quem já foi à feira sabe como um vendedor de peixe faz barulho, e é justamente por isso que eu me incomodo: os decibéis da cidade são inversamente proporcionais ao nosso direito de tranquilidade.

Essa vontade de se comunicar, numa cidade grande como o Rio, acaba se desvirtuando em exageros: desde o carro com equipamento de som para propaganda até as festas em condomínios, passando pelos celulares com tocadores de mp3, ensaios de escola de samba que vão até de manhã ou festas em praças públicas, todos exacerbam a vontade de se comunicar e invadem a tranquilidade do outro. O som é constantemente mais alto do que deveria e invade a casa alheia sem pedir licença. No caso dos celulares e tocadores de mp3, invade os ouvidos alheios em ônibus, trens e metrôs.

O que me faz perguntar: custa comprar um headphone de R$ 5,00 em qualquer camelô? Por que o fã de Michel Teló acha que eu também devo ser fã? E se todos os fãs do Sepultura resolverem andar de metrô sem headphone? E se eu quiser ligar meu cavaquinho em um amplificador dentro do ônibus Rodoviária-Leblon e tocar uma versão de Pedacinhos do Céu que dure a viagem inteira? Talvez não agrade, considerando que só tive três aulas de cavaquinho, até agora.

Aliás, uma nova pergunta me vem à cabeça: por que toda roda de música, agora, precisa ser amplificada? Se eu saio de casa para tomar um chope e comer uma linguicinha acebolada e ouvir um samba no Centro do Rio, eu não preciso que as letras de Cartola ou Martinho sejam berradas no meu ouvido. Está de bom tamanho ouvir e cantar junto, mas também poder conversar com seus convivas e comensais. Entendo que o músico pode se sentir frustrado de tocar enquanto outros conversam de boca cheia ou se incomodar com o constante barulho de talheres e copos, mas, afinal de contas, se o lugar é um bar ou restaurante, a música não é o prato principal.

O carioca se acostumou aos poucos à amplificação do som. Mesmo em pequenos bares com um banquinho e um violão, a música é microfonada. O microfone é como o avião: foram inventados por pessoas de boa vontade, mas caíram em mãos erradas.

A Resolução Municipal nº 198, de 2002, prevê policiamento e ações contra o abuso sonoro, mas algumas inovações poderiam ajudar. Proponho que a prefeitura fomente um prêmio para quem inventar um aparelho que corte a parte elétrica/eletrônica de onde o barulho exceder os decibéis permitidos. Se o celular tocar música alta, a bateria queima. O carro com som desliga a cada vez que se liga o microfone. Nos bares, desligam-se o som, a luz e a geladeira. E – é claro – nos prédios, acaba a luz do prédio todo, menos a dos elevadores, para as pessoas da festa poderem ir para suas casas e deixar a vizinhança dormir em paz.

Publicado em 31 de julho de 2012

Publicado em 31 de julho de 2012

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