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Dom Quixote contra as novas tecnologias

David Rocha

A revolução das tecnologias digitais contemporâneas transformou os modos de interação com o espaço e com a sociedade, repercutindo, consequente e irrecorrivelmente, no contexto educacional. Diante do fato de que a cultura informática já se impõe sobre o ambiente escola através do cotidiano social, torna-se um desafio para o professor a utilização de computadores como ferramenta no processo educacional de forma diferente daquela com que muitas vezes se utilizou o livro-texto.

Letramento, princípios e processos, Luiz Antônio Gomes Senna

“Na província da Mancha, Espanha, vive um fidalgo que, de tanto ler histórias de cavaleiros medievais, confunde fantasia e realidade e sai pelo mundo acreditando ser um deles. Nos seus delírios, Dom Quixote luta contra moinhos achando que são gigantes cruéis...”
(fonte: internet)

Esse texto relata que Dom Quixote lutava contra moinhos, pois imaginava serem eles seus inimigos. Nós sabemos que moinhos são simplesmente moinhos e servem para auxiliar o homem na sua luta pela sobrevivência.

Segundo a Wikipédia, os moinhos de vento eram utilizados na moagem de cereais, na elevação ou bombeamento de água e também poderiam ser aplicados à geração ou produção de energia elétrica. Apesar de reconhecermos que a história de Dom Quixote não é verídica, afirmamos que não é muito inteligente lutarmos contra algo que facilita o trabalho do homem.

Em meados do século XVIII, começou na Inglaterra a Revolução Industrial; com ela surgiram outras formas de produção de energia, mais eficientes, e os moinhos caíram em desuso, tendo muitos deles sido demolidos ou transformados em residências, enquanto outros foram preservados para visitação turística.

E Dom Quixote? Deixou de existir juntamente com os moinhos? Infelizmente, a resposta é não, pois logo surgiram grupos lutando contra as novas máquinas que apareceram com a Revolução Industrial. Como podemos observar, essa resistência ao novo faz parte da história da humanidade, mas, para se opor à resistência, aparecem grupos que defendem a modernização das ferramentas.

Podemos tomar como exemplo os grandes navegadores portugueses e espanhóis que, mesmo com a Igreja se posicionando contra, enfrentaram o desconhecido e conquistaram outras terras. Naquela época imperava o teocentrismo, tudo tinha uma explicação divina e o que vinha de Deus não poderia, de forma alguma, ser questionado. Uma das afirmações era que a terra era plana, e isso inviabilizava as grandes navegações.

Hoje, em plena revolução das Tecnologias da Informação e da Comunicação (as TIC) ou 3ª Revolução Industrial, sabemos que a afirmação da Igreja em relação ao formato da Terra era um enorme equivoco. Agora nos resta saber: por que a Igreja fazia tal afirmação? Não é objetivo deste trabalho analisar os motivos da Igreja, mas podemos afirmar que, se ficasse provado que estava errada, ela perderia poder não somente poder econômico, mas também poder político, e por isso ela combatia todas as ideias contrárias.

Hoje vivemos uma revolução tecnológica, e com essa nova realidade surgem novos Dons Quixotes, com novos argumentos para se opor ao novo. Esses novos combatentes do novo não são iguais aos seus ancestrais, pois possuem certa bagagem intelectual e não se opõem às ideias e sim resistem ao uso das novas ferramentas para socializar o conhecimento.

Dias atrás tive o prazer de participar de uma reunião pedagógica em que o assunto estudado foi alfabetização e letramento. A palestrante afirmou que, segundo Vygotsky, o homem é um ser social, ou seja, o homem é um ser histórico-social, ou, mais abrangentemente, é um ser histórico-cultural; o homem é moldado pela cultura que ele próprio cria. Todos concordaram, portanto aceitaram a ideia de que, quando a criança chega à escola, traz consigo uma bagagem de conhecimento que não deve ser desprezado.

Outro esclarecimento interessante foi o do que é letramento. Agora foi dito que uma pessoa letrada é aquela que consegue aplicar na sua vida social aquilo que aprendeu na escola, ou seja, a alfabetização seria aquele conhecimento sistemático, e o letramento extrapola os muros da escola.

Até aqui tudo apresentado era consenso, até que chegou o assunto da letra de mão (letra cursiva). Uns afirmaram que as crianças e até mesmo adultos não sabiam escrever e que a letra era ilegível. Outros lembraram que o currículo recomenda preparar os alunos para escrever cartas e bilhetes.

Quando chegou à escolha da ferramenta usada para a comunicação não houve consenso, pois foi levantada a seguinte questão: quanto tempo faz que você não recebe uma carta escrita de próprio punho? É bom ressaltar que, no decorrer da reunião, alguns professores usavam o celular para mandar e receber torpedos. O silêncio foi total, e não me lembro de ter ouvido uma resposta.

Agora eu faço outra pergunta para você, leitor: quanto tempo faz que você não manda uma carta escrita de próprio punho? Ah, você usa o celular, você usa o MSN ou usa e-mail. Você consegue escrever de próprio punho no celular, você consegue usar uma caneta convencional no computador?

Com toda certeza a resposta é não; então eu posso afirmar que o ensino da letra cursiva não ajuda no letramento da criança, pois esse tipo de letra só é usado dentro da sala de aula. Observando certos comportamentos dentro da escola, encontramos algumas questões contraditórias: enquanto o professor aplica as atividades de fazer bilhetes, ele se comunica com o mundo pelo celular. Não estamos dizendo que o aluno não precisa saber ler e escrever, mas que devemos observar as mudanças ocorridas na sociedade. Queremos ainda ressaltar que, no Distrito Federal, o número de celulares é maior do que o número de habitantes; portanto, deveria, sim, ser considerado dentro da escola como uma nova ferramenta de comunicação.

Como podemos observar, todos querem fazer as grandes navegações, mas uns querem usar o barco movido a remo, outros a vela e outros querem os barcos modernos e luxuosos. E agora? O que devemos fazer? Respeitar a opinião do colega e deixar que ele leve milhares de alunos para uma viagem sem propósito?

Mais à frente alguém trouxe a seguinte questão: um aluno chegou à escola pela primeira vez e, entrando na sala, a professora lhe entregou um livro de papel. Logo o aluno começou a passar o dedo com se fosse uma tela touchscreen. Uns ficaram calados, outros deram gargalhadas e eu falei: “Que legal”. Fui repreendido, como se tivesse cometido um pecado mortal.

Como já falamos, Vygotsky afirma que o homem é um ser social, ou seja, aprende com seus pares, com seu grupo; portanto, assimila a cultura do seu meio social. Diante disso, podemos afirmar que o que ele fez foi utilizar a sua bagagem cultural. Aplicou, como fala o conceito de letramento, o que ele aprendeu socialmente.

Quem está errado, o aluno ou o professor? Com toda certeza não é o aluno, pois ele faz parte de uma geração que nasceu na era digital e, provavelmente, nunca viu o pai, a mãe ou outra pessoa utilizando um livro de papel. Isso não significa que os pais dessa criança não tenham o hábito de leitura, e sim que usam ferramentas diferentes para ler e se comunicar com o mundo.

Vamos imaginar como você se comportaria se um homo erectus, que viveu há cerca de 400 mil anos, tentasse lhe ensinar que friccionando dois pedaços de madeira ou batendo duas pedras você faria fogo. É lógico que você não aceitaria tal situação e lhe mostraria como funciona um isqueiro.

Outra questão interessante foi quando um professor, todo orgulhoso, falou que usava o datashow para projetar no quadro o texto que os alunos tinham que copiar. Nesse ponto, o professor usa a tecnologia, mas em benefício próprio, e segue a velha máxima “faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço”.

Quero ressaltar que nessa escola tem uma lousa digital que, por ironia, foi usada durante a palestra como uma simples tela de projeção, e que poucos professores se interessaram por ela e pelos computadores. Queremos ainda esclarecer que temos desenvolvido várias aulas para serem ministradas na lousa digital, mas o professor não se interessa por elas.

Professor é aquele que ensina,
Educador é aquele que está aberto ao novo.

Enfim, fica a pergunta: por que tanta resistência?

Bibliografia

CARVALHO, M. Alfabetizar e letrar: um diálogo entre teoria e prática. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

SOARES, M. Letramento e escolarização. São Paulo: Global, 2003.

GOMES, S. Letramento, princípios e processos. Curitiba: Ibpex, 2010.

Você pode conhecer melhor nosso trabalho nas páginas de matemática animada e alfabetização animada do blog www.aprodarmas.blogspot.com.

Publicado em 30 de março de 2012

Publicado em 01 de fevereiro de 2012

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