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Educação e pedagogia: passos para a liberdade

Priscila Barbosa

Ao concluir o curso de Pedagogia, o licenciado torna-se habilitado a trabalhar em ambientes escolares e não escolares. Considerando ambiente escolar como todo local que tenha por fim organizar e produzir atividade pedagógica, concluímos que esse conceito abrange universidades, colégios, e creches.

E o ambiente não escolar?

O que logo nos vem à cabeça quanto a este último é a opção empresa, basicamente em desenvolvimento e aprimoramento de recursos humanos. É o pedagogo atuando juntamente com o setor de RH no que diz respeito a seleção, treinamento e capacitação de seus colaboradores.

Afinal, quem é o pedagogo? É o profissional competente para lidar especificamente com o ser humano, visto que o processo ensino-aprendizagem estabelece uma relação direta entre, no mínimo, duas pessoas: professor e aluno.

Mas não devemos nos esquecer da área hospitalar – também um ambiente não escolar! Crianças e adolescentes internados em setores de emergência ou ambulatoriais – à espera da realização de exames, tratamentos e intervenções cirúrgicas – que já sofrem com o afastamento de seus lares, com a ausência de seus parentes próximos e seus amigos e, com as intervenções clínicas que devem ser cumpridas para o bem de sua saúde, estão também afastadas de seus colégios e do processo educacional que lhes é peculiar e essencial. Assim, tornam-se altos os índices de atraso, repetência e até mesmo evasão escolar. O educador deve trazer para esse ambiente carente, além do afeto e da atenção, todas as ações possíveis referentes ao processo cognitivo.

No entanto, desprezamos um espaço não escolar que utiliza também a educação e a pedagogia, para o benefício de toda a sociedade: o ambiente prisional. Pouco falado e pouco conhecido – até mesmo para quem passa anos dentro de uma faculdade aprimorando seus conhecimentos técnicos.

Para sistematizar esta pesquisa, abordaremos as principais leis referentes à educação dentro de sistemas prisionais. São elas:

  1. Lei de Execução Penal;
  2. Resolução nº 3 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária;
  3. Resolução nº 2 do Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação Básica;
  4. Decreto nº 7.626.

Antes de iniciarmos uma análise de tais leis, devemos aqui mencionar a Constituição brasileira, homologada no ano de 1988; posteriormente à Carta Magna, temos no Plano Nacional de Educação e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional todos os preceitos que devem ser observados e cumpridos em relação à Educação.

No entanto, por essas três regulamentações não tratarem especificamente da educação em sistemas prisionais, abordamos apenas os art. 205 e 208 da Constituição, em que encontramos, respectivamente:

  1. Educação como direito de todos, dever do Estado e da família;
  2. Garantia, pelo Estado, de: ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive àqueles que não tiveram chance para tal, em idade própria; e ensino médio gratuito – como Educação de Jovens e Adultos (EJA), utilizada nos estabelecimentos prisionais.

1. Lei de Execução Penal

Pela Lei de Execução Penal, nº 7.210, de 11 de julho de 1984, art. 10, a assistência ao preso e ao internado – termo referente a adolescente privado de liberdade – seja homem ou mulher, é um dever do Estado que tem como objetivos a prevenção do crime e a ressocialização do condenado. Tal assistência (art. 11) será prestada de forma material, à saúde, jurídica, social, religiosa e educacional – assunto que compete a nós educadores.

A quinta seção desse Capítulo II, Da Assistência Educacional, estabelece as seguintes normas: o amparo ao preso abrange a instrução escolar e a formação profissional – esta em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico; o ensino de primeiro grau (ensino fundamental) será obrigatório, integrando-se ao sistema escolar da unidade federativa; convênios com instituições públicas ou particulares poderão ser firmados para que estes instalem escolas ou ofereçam cursos especializados; cada estabelecimento terá uma biblioteca provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.

O Capítulo IV, ainda do Título II, na Seção II, trata dos direitos do condenado. Dentre eles destacamos o inciso VI, que trata do cumprimento do exercício das atividades profissionais, desportivas, artísticas e intelectuais.

O Título V, mais especificamente o art. 126, aborda o direito à remição que o preso tem por trabalho ou por estudo. Para cada doze horas de frequência escolar, o recluso terá direito a um dia de liberdade. Entendem-se como frequência escolar as atividades educacionais de níveis fundamental, médio, superior, profissionalizante ou de requalificação profissional – forma presencial ou a distância. Mesmo aquele que esteja impedido de prosseguir os estudos por motivo de acidente terá direito ao benefício. E ao concluir os ensinos fundamental, médio ou superior, no cumprimento da pena, o tempo a remir será acrescido de 1/3, desde que a conclusão do estudo seja certificada por órgão competente do sistema educacional.

2. Resolução nº 3

Essa Resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, de 11 de março de 2009, dispõe sobre as diretrizes nacionais para a oferta de educação nos estabelecimentos penais. Destacaremos aqui aspectos de maior relevância.

Qualquer ação referente à educação em estabelecimentos penais deverá estar de acordo com a legislação educacional vigente no país e a Lei de Execução Penal (art. 2º).

A oferta de educação no sistema prisional deve sempre que possível promover o envolvimento tanto da comunidade quanto das famílias dos reclusos e deve tratar com atenção as questões de acessibilidade, inclusão, credo, etnia, entre outras (art. 3º).

O art. 4º fala da gestão dessa educação, incentivando parcerias com outras áreas do governo, universidades e organizações da sociedade civil para que formulem, executem, monitorem e avaliem políticas públicas estimulantes à educação nas prisões.

O art. 7º preocupa-se com a continuidade dos estudos daqueles que cumpriram sua pena e alcançaram a liberdade. Diz o texto: “devem ser elaboradas e priorizadas estratégias que possibilitem a continuidade de estudo para os egressos”. Nota-se a importância do processo educacional na vida do homem, principalmente, para aquele que deseja retomar sua cidadania.

O trabalho prisional, elemento de formação integrado à educação, deve ser ofertado em horário e condições compatíveis com as atividades educacionais (art. 8º).

A formação integrada e continuada dos profissionais envolvidos na educação prisional, como educadores, gestores e agentes penitenciários, é garantida pelo art. 9º. Para esta resolução, o educador deve pertencer preferencialmente ao quadro de profissionais da Secretaria de Educação, passar por concurso público e receber remuneração acrescida de vantagens pecuniárias condizentes com seu cargo.

O art. 10 considera propostas de educação formal e não formal, como formação profissional e educação a distância.

Anexo à resolução está o documento do Seminário Nacional pela Educação nas Prisões, realizado em Brasília em julho de 2006 pelos Ministérios da Educação e da Justiça, juntamente com a Unesco. Um ano antes ocorreu o projeto Educando Para a Liberdade – precursor ao seminário – também realizado por essas instituições e patrocinado pelo governo do Japão.

A “insistência” dessa modalidade educacional (prisional) se explica por duas razões:

  1. Educação é um direito de todos (art. 205 da CF/88);
  2. Estado e sociedade renovam um compromisso de democratização com toda sociedade.

Das propostas criadas em tal seminário, foram estipulados três importantes pilares:

  1. Gestão, mobilização e articulação;
  2. Formação e valorização dos profissionais envolvidos na oferta;
  3. Aspectos pedagógicos.

No item 1, Gestão, mobilização e articulação, a fim de garantir uma educação de qualidade, encontramos como responsável pelo estímulo e indução de políticas públicas o governo federal. A este também caberá a realização de parcerias junto aos estados e municípios, quando necessárias. Pela primeira vez, é citado o uso de material didático na modalidade de EJA.

No segundo item, torna-se evidente a preocupação com a formação continuada dos professores e com as boas condições de trabalho de todos os entes relacionados ao sistema educacional-prisional. Aqui, aponta-se como de extrema importância a obtenção de espaços para debate, formação, reflexão e discussão sobre tal educação. E determina-se que os cursos de licenciatura em Pedagogia tenham em seus currículos a formação para a EJA e, nela, a educação prisional – o que não vemos na faculdade, como dito no início do trabalho. Aos educandos e educadores é garantido o apoio de profissionais especializados, como psicólogos e fonoaudiólogos, para o aprimoramento da relação ensino-aprendizagem.

Ao terceiro item aplicam-se referências da EJA, traçando, como modelo a ser seguido, a educação popular – baseada nos princípios de autonomia e emancipação dos sujeitos que participam do processo educacional.

Faz-se necessária a criação de um regimento escolar próprio que preserve a unidade filosófica e político-pedagógica estrutural e funcional das práticas da educação prisional. E deve ser estimulada a produção de material didático específico para complementação do material destinado à EJA.

Um currículo próprio também deve ser instituído considerando os desafios enfrentados por alunos/presos quando se trata de reintegração social. Para sua criação, deverão ser ouvidos todos os envolvidos no processo educativo nas prisões: educadores, gestores do sistema prisional, agentes penitenciários, pesquisadores da EJA e do sistema prisional e principalmente educandos.

A utilização de recursos como educação a distância, em diferentes níveis, e tecnologia em sala de aula deve ser explorada, uma vez que eles tendem a enriquecer o processo ensino-aprendizagem.

Por último, estabelece-se a garantia ao professor de autonomia quanto à avaliação do seu aluno, no sistema prisional.

3. Resolução nº 2

As Diretrizes Nacionais para educação de jovens e adultos em estabelecimentos prisionais estão nesta resolução estabelecidas conforme artigo 1º da Resolução nº 2 do Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação Básica, de 19 de maio de 2010.

Além da legislação educacional vigente no país e da Lei de Execução Penal, os tratados internacionais relativos às políticas de direitos humanos e à privação de liberdade devem respaldar as ações educacionais prisionais. Essas aços se estendem a presos provisórios, egressos e àqueles que cumprem medidas de segurança (art. 2º).

A oferta de educação prisional nos estados e no Distrito Federal é de atribuição do órgão responsável pela educação básica – a Secretaria de Educação –, devendo ser corresponsáveis os órgãos da administração penitenciária. Isso não ocorre com os presídios de âmbito federal, que são administrados pelo Ministério da Educação e pelo Ministério da Justiça, que poderá estabelecer convênios com os outros entes da federação (art. 3º, inciso I).

Tal educação será financiada com recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), podendo haver financiamento de forma complementar com outras fontes estaduais e federais (inciso II).

As especificidades de cada medida e/ou regime prisional, como as necessidades de inclusão e acessibilidade, deverão ser atendidas (IV).

Pela primeira vez, dispõe da realização do ensino em todos os turnos (VII).

Os responsáveis pela educação nos estados e no Distrito Federal deverão, entre outras ações, promover chamadas públicas periódicas destinadas à matrícula (art. 4º, inciso III).

União, estados e Distrito Federal ficam responsáveis pela produção de novas estratégias pedagógicas, material didático, metodologias, tecnologias e programas na modalidade educação à distância (art. 5º).

A educação profissional oferecida em presídios deverá obedecer às Diretrizes Curriculares Nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, inclusive ao tratar de estágio supervisionado (art. 9º).

É interessante saber que o preso ou o internado poderá atuar junto ao profissional de educação dentro do estabelecimento prisional, auxiliando-o quando tiver perfil e preparação para tal função – o que podemos considerar mais um passo dado por ele no caminho do resgate de sua dignidade e, por que não dizer, a concretização da teoria à prática (art.11 § 2º).

O § 1º do art. 12 propõe a elaboração de um calendário unificado comum a todos os presídios. O § 2º do mesmo artigo determina garantias de acesso e permanência ao ensino superior, respeitadas as normas da Lei de Execução Penal.

O art. 13 assegura que todos os entes da federação devem criar planos de educação para espaços privativos de liberdade, atendendo às especificidades dos regimes penais previstos no Plano Nacional de Educação.

4. Decreto nº 7.626

Por esse decreto, de 24 de novembro de 2011, institui-se o Plano Estratégico de Educação no âmbito do sistema prisional, com objetivo de ampliar e qualificar o ensino dentro das instituições privativas de liberdade.

São orientações do plano (art. 3º): promoção da reintegração social; integração de órgãos responsáveis pelo ensino público com órgãos responsáveis pela execução penal; e estímulo à formulação de políticas educacionais às crianças que estejam em estabelecimentos penais em virtude de suas mães se encontrarem presas.

Dentre as metas estabelecidas no art. 4º destacamos o incentivo à universalização da alfabetização juntamente com a ampliação da oferta educacional no sistema prisional; e o fortalecimento da junção de educação profissional e tecnológica à EJA no mesmo sistema.

Ao Ministério da Educação competirá (art. 6º), dentre outras funções, a capacitação de professores e outros profissionais da educação que atuam em presídios.

Ao fim do trabalho, podemos afirmar que os preceitos aqui estudados foram criados com a finalidade de defender a Educação, em sua plenitude, estabelecendo o melhor do que se pode ter e fazer quanto à Pedagogia e quanto à relação homem-direitos humanos.

Prevenção ao crime, ressocialização, remição, acessibilidade, inclusão, tecnologia, participação da família, todas as formas possíveis de alcançar a meta desejada foram traçadas, cabendo a nós – educadores e cidadãos – acompanhá-las, cobrá-las e garanti-las.

Podemos, então, afirmar que Educação e Pedagogia são passos para a liberdade!

Referências

BRASIL. Lei de Execução Penal, nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm. Acesso em 04/07/2012.

BRASIL. Lei nº 12.433, de 29 de junho de 2011. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12433.htm , Acesso em 04/07/2012.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Educação em Prisões. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17460&Itemid=817. Acesso em 09/07/2012.

BRASIL. Resolução nº 3, de 11 de março de 2009, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17460&Itemid=817. Acesso em 09/07/2012.

BRASIL. Resolução nº 2, de 19 de maio de 2010, do Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação Básica. Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17460&Itemid=817. Acesso em 13/07/2012.

FONTES, Rejane de S. A escuta pedagógica à criança hospitalizada: discutindo o papel da educação no hospital. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n29/n29a10.pdf. Acesso em 09/07/2012.

Publicado em 24 de julho de 2012

Publicado em 01 de fevereiro de 2012

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