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Pequena história das festas juninas

Alexandre Amorim

A festa junina tradicional pode dar a entender que sua origem é brasileira: as quadrilhas francesas foram adaptadas às nossas músicas regionais, as roupas de caipira são típicas do nosso Jeca Tatu e as comidas (ah! as comidas...) têm como base o milho e o aipim, além da deliciosa mistura de rapadura com amendoim – nosso mui amado pé de moleque. Mas essa cultura rural retratada nas festas de junho acontece justamente porque muitos dos nossos primeiros imigrantes (italianos, portugueses, espanhóis) trabalhavam na lavoura, e foram eles que trouxeram a comemoração para o Brasil. Como nossos principais colonizadores, a maior influência vem dos portugueses, que chamavam a festa de “joanina”, em homenagem a São João.

Os portugueses também trouxeram o costume – tão combatido pelos bombeiros – de balões de papel, com seu conteúdo de ar quente alimentado por uma boquilha em chamas, que voam iluminando o céu de forma bonita e romântica, mas que não raro causam estragos imensos a matas ou mesmo a construções. Fogos de artifício, como bombinhas e cabeções de nego, também são moda portuguesa importada.

Outro exemplo da ascendência europeia é a fogueira, e sua história é controversa. Os avós cristãos costumam contar uma velha lenda católica, nascida na Idade Média, de que Maria (mãe de Jesus) e sua prima Isabel (mãe de São João Batista) moravam afastadas uma da outra na época em que Isabel estava grávida. Esta acenderia uma fogueira para que sua prima pudesse ajudá-la na hora do parto. Surgiu, então, a história da fogueira de São João Batista. A controvérsia se dá quando sabemos que as fogueiras já eram comuns em festas pagãs europeias para celebrar o solstício de verão europeu (que ocorre na mesma época das festas juninas).

Como aconteceu com parte dos rituais pagãos europeus, o catolicismo se apossou desses hábitos, e a festa junina acaba por ser uma mistura de celebrações. As quadrilhas trazem jogos de sedução e as promessas a Santo Antonio são, ao mesmo tempo, sinal de submissão e de subversão ao santo. Simultaneamente, o solteiro faz promessas ao santo casamenteiro e o deixa mergulhado em um copo com água até ser atendido. A festa junina é um dos melhores exemplos da mistura de culturas, uma vez que, além do cristianismo e do profano europeus, é formada também pelos costumes africanos e indígenas, principalmente em relação à comida.

Pé de moleque, bolo de fubá, canjica, milho verde, pamonha, batata doce assada na fogueira, paçoca, cuscuz, pinhão, curau, arroz doce, quentão, bom-bocado, cocada preta ou branca...

Ficou com água na boca? Pois é. A miscigenação cultural contida no parágrafo acima é de deixar Oswald de Andrade boquiaberto com tamanha antropofagia, no sentido figurado dos modernistas. Europa, África e América Latina, pelo menos, estão envolvidas na cozinha de uma festa junina – o que reforça a tese de que as culturas pagã e cristã europeias, além da ameríndia e da africana, estão entrelaçadas nessa comemoração. Assim como a música, feita com instrumentos de corda portugueses, acordeões que nasceram na Itália, percussões tanto africanas quanto dos moradores originais de nossa terra, os índios.

Mas, ainda hoje, a Igreja Católica aparece como guardiã dessa festividade, afinal, as festas juninas se tornaram comemorações dedicadas a santos daquela igreja. João, Paulo, Pedro e Antônio são ícones católicos e suas figuras acabaram por reprimir ou catalisar os anseios dos ritos que não cabiam à entidade religiosa, transformando-os conforme sua ideologia.

A antropóloga Rita Amaral resume bem: “a festa faz pontes entre diversos anseios e valores, reúne vários pares de oposição sem representar, de modo exclusivo, nenhum deles”. A festa “é religiosa e profana, crítica e debochada, conservadora e vanguardista, divertida e devocional. Ela é, ainda, um modo de reviver o passado e projetar utopias, afirmar identidades e de se inserir na sociedade global”, finaliza.

Fontes:

AMARAL, Rita de Cassia de Mello Peixoto. Festa à brasileira - significados do festejar no país que 'não é sério'. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8134/tde-21102004-134208.

FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Record, 2002.

Publicado em 3 de julho de 2012.

Publicado em 01 de fevereiro de 2012

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