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Sentidos da leitura: encontrando pistas na série Harry Potter
Jacqueline de Fatima dos Santos Morais
Professora da UERJ (FFP e CAp), coordenadora do grupo de pesquisa Formação em Diálogo: narrativas de professores, currículos e culturas
Muitos jovens afirmam que não gostam de ler. Dizem que é chato, cansativo, que lhes dá sono ou dor de cabeça. Dizem ainda que nada do que leem lhes parece interessante. A linguagem dos livros, afirmam, é difícil e distante da forma como se expressam no cotidiano. A necessidade de recorrer a um dicionário para esclarecer termos poucos usuais, dizem certos jovens, torna o ato de ler ainda mais penoso. Muito mais interessante e divertido, afirmam alguns, é o uso da internet e o acesso aos jogos de computador – alguns deles verdadeiros campos de batalha.
A televisão também aparece como um importante divertimento, bem como a ida ao cinema. Ler livros? “Somente sendo obrigado pela escola, e mesmo assim eu dou o meu jeito de não precisar ler. Sabe como? Eu pergunto para um colega o que diz o livro e faço a prova ou o trabalho assim mesmo”, afirma sem constrangimento Alexandre, 13 anos, estudante da 7ª série em um colégio de São Gonçalo. Ivan, seu colega de turma, parece ser da mesma opinião de Alexandre: “Ler é muito chato. A gente perde um tempão para acabar”.
Ouvindo falas como essas, podemos cair na tentação de acreditar que o desinteresse pela leitura é próprio de uma geração acostumada às vantagens da modernidade, da rapidez das imagens visuais e do consumo rápido de produtos. Mas não é bem assim. Há muitos jovens que encontram na leitura uma experiência fundamental. É o caso de André, estudante do 3º ano do Ensino Médio, morador do Méier. “Leio tudo que vejo, de jornal a folheto de propaganda. Só não leio revista de fofoca porque não acrescenta nada”.
Em sua fala, André nos dá pistas sobre o que o move a ler: interesse, desejo, sentido. Mas... e os demais jovens? O que gostam de ler? Como leem? Onde? Por quais motivos rejeitam ou aprovam certas leituras? Responder a essas perguntas pode trazer importantes pistas para pais e educadores que desejam contribuir para que seus filhos e alunos encontrem na leitura algo mais que palavras chatas e cansativas.
Assim, a história de um dos recentes fenômenos de venda, a série de sete livros com as aventuras de Harry Potter, pode nos ajudar a compreender o que os jovens leem hoje e por que leem.
Transformados em oito filmes, com o último episódio da série Harry Potter e as Relíquias da Morte sendo dividido em duas partes, uma lançada em 19 de novembro de 2010 e a outra em 15 de julho de 2011, a coleção de livros escritos pela britânica J. K. Rowling tem ensinado a todos que lidam com a formação de leitores a ver que os jovens leem sim, mas quando encontram sentido na leitura. Essa obra, traduzida em mais de 67 países, invadiu as prateleiras das livrarias brasileiras, indo direto para as estantes de milhares de meninos e meninas por todo o país, que passaram a utilizar horas de seu dia para conhecer as aventuras de um garoto que, vivendo num armário da escada de seus tios, descobre, um dia, possuir um dom especial. Acompanhamos a vida do pequeno bruxo na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts e os conflitos entre Harry Potter e o bruxo Lord Voldemort.
As razões pelas quais essa publicação se tornou livro de cabeceira de grande parte dos adolescentes e jovens que conheço (sem contar os adultos que não perdiam o lançamento de um só dos volumes publicados no Brasil) são muitas e necessitam maior discussão e pesquisa. De que maneira o fenômeno Harry Potter pode ajudar educadores e pais a criar ações que levem os jovens a ler mais e a ler com prazer e interesse? Afinal, foram mais de 450 milhões de livros vendidos em todo o mundo. Outra pergunta: de que forma os livros de J. K. Rowling podem ser a porta de entrada para outros autores e estilos literários, como Clarice Lispector, Érico Veríssimo, Jorge Amado, José de Alencar, João Cabral de Melo Neto e Machado de Assis, dentre tantos outros?
Em 2006, uma pesquisa do Kids and Family Reading Report (Relatório de Leitura Infantil e Familiar) e da editora Scholastic revelou que 51% dos leitores de Harry Potter afirmaram que não liam livros por diversão antes de começarem a ler Harry Potter. O estudo relatou ainda que, de acordo com 65% dos filhos e 76% dos pais, o desempenho escolar das crianças melhorou desde que começaram a ler a série.
No final de 2011, uma notícia vinda de Mato Grosso trouxe certo alento a quem se dedica a estimular a leitura. Waldir Chagas Sidnei de Souza, de 11 anos, foi eleito o campeão do projeto Leituras e Resumos, desenvolvido na Escola Municipal Rural de São Félix do Araguaia, localizada a 1.159 quilômetros de Cuiabá. O projeto foi desenvolvido com os coordenadores da escola juntamente com os pais dos alunos. Waldir conseguiu ler, em sete meses, 224 livros. “Foi fácil ler todos estes livros porque eu gosto de ler", disse o menino em entrevista a um jornal.
Das 274 obras que leu, 224 eram livros e 50 eram gibis. Não houve preconceito quanto a este último tipo de texto. Os gibis valeram tanto quanto os livros. A escola aqui nos dá um exemplo: é preciso compreender e valorizar aquilo que cada leitor aprecia ler.
Para terminar, gostaria de dizer que realizei um teste com Alexandre, aquele estudante que engana a escola fingindo que lê. Entreguei-lhe nas mãos, há algumas semanas, Harry Potter e a pedra filosofal. Esse primeiro volume da série de J. K. Rowling possui 263 páginas. Alexandre já passou da metade do livro.
Publicado em 17/01/2012
Publicado em 17 de janeiro de 2012
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