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Trabalho docente como interação com o outro
Lúcio Alves de Barros
Doutor em Ciências Humanas (UFMG); professor da Faculdade de Educação da UEMG
Por vezes, as greves dos professores se arrastam por meses; isso não deixa de apontar algumas características próprias da profissão docente. Em tela destaco três questões que me parecem importantes, afinal estamos lidando com uma profissão de difícil manejo e conceituação. Em primeiro, destaco a questão da ação interativa do professor; em segundo, a relação com o outro; e, por último, as relações entre os próprios professores.
Poucas profissões são tão interativas quanto a dos professores. Por natureza, os docentes lidam com alunos, homens, mulheres, crianças, adolescentes, jovens ou adultos. A relação é dialética, pois a existência do estudante está condicionada à existência de quem ensina. Logo, temos uma relação interativa na qual o outro faz parte do enredo da relação social que se desenvolve geralmente numa complexa “célula”, a sala de aula. A interação é, por vezes, tranquila, cheia de graça; em outros momentos, sofrida e tomada por conflitos. De todo modo, ela é baseada na interação porque professores lidam com seres humanos, uma "matéria-prima" especial, repleta de idiossincrasias, afetos, emoções, um cosmos não passível de mensuração. Como se vê, o “objeto” de trabalho do professor está longe de qualquer objeto de trabalho oriundo do processo fabril. Não é por acaso que os docentes merecem e devem receber melhores salários.
O segundo ponto, associado ao primeiro, é a relação com o outro. Digo um outro que, na maioria das vezes, é estranho, complexo, diferente e condicionado por princípios morais e religiosos capazes de causar mal-estar em uma simples aula. Basta para isso que a aula seja um pouco mais arrojada, cheia de interrogações, provocações e sofrimentos que fazem girar a cabeça da gente.
De qualquer modo, esse outro, em sala de aula, toma diferentes perfis; por vezes é totalitário, arrogante e impetuoso; outras vezes é curioso, inquieto e sedento de saber. A questão do outro é um problema antropológico que, na “célula” na qual o docente não deve ter o seu poder discricionário retirado, pode parecer ainda modificado em número e conteúdo. Estou falando, por exemplo, do número de alunos em sala de aula. O docente pode se deparar com 20 alunos em sala, um número que considero ideal, mas a sensação de “quantidade/qualidade” desse outro pode ser de 80 ou mesmo 100. O contrário pode acontecer, mas é bem mais difícil. O fato é que esse outro, na presença de um igual, tende a potencializar forças que antes não sabia que existiam e, em meio a tempos difíceis, a lotação das aulas por pouco não termina em violência, indisciplina e desrespeito ao docente.
Por último, é forçoso pensar na categoria desses professores que hoje sofrem o fenômeno da proletarização e, por consequência, da marginalização, do desrespeito, dos baixos salários e das más condições de trabalho. O leitor pode argumentar que o debate é sempre o mesmo – e posso até concordar, até porque a educação jamais teve uma política séria e assertiva neste país. Contudo, o que cumpre frisar é a pouca ou nenhuma ação coletiva e solidariedade entre docentes. A profissão foi tomada, nos últimos anos, por uma espécie de “vale tudo”, a ponto de um docente regozijar com a desgraça alheia.
Se um professor anda recebendo ameaças, críticas ou mesmo está em conflito com alguns alunos, pode esperar que outro professor aproveite essa situação. Pode até ser inconsciente, mas o mundo tem mostrado professores doentes, cansados, amargurados, deprimidos e desistindo da profissão. E não creio que a traição e jogos de interesses nas instituições de ensino não têm contribuído para isso. É um desastre. É lamentável que homens e mulheres nas mesmas condições de trabalho caiam na “autofagia docente”, dando vida e alimentando o mal-estar, o caos e a crise que há tempos vem tomando proporções inaceitáveis neste país de miseráveis e carente de mais e mais educação.
Publicado em 7 de fevereiro de 2012
Publicado em 01 de fevereiro de 2012
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