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A cartografia de Woody Allen
Alexandre Amorim
O alter ego criado por Woody Allen levou bastante tempo para viajar de Manhattan a Roma. Trinta e três anos, para ser mais preciso. Aquele indivíduo neurótico (mas instigante e engraçado) que nos acostumamos a ver nos filmes do diretor nova-iorquino sempre teve pânico de sair de sua zona de conforto – ou seja, sua cidade natal. E sempre demonstrou desconforto enorme ao entrar em qualquer avião. O medo de voar é, obviamente, um significante de sua negação em deixar seu mundo, que é do tamanho de Manhattan: geograficamente pequeno, mas enorme em termos culturais e humanísticos.
A confusão entre Woody Allen, o homem, e sua persona retratada em seus filmes é uma questão sem solução. Como saber se seus medos, desejos e neuroses são mesmo autobiográficos? A resposta fácil é que toda obra artística tem um quê de autobiografia. A resposta definitiva é impossível de se obter. Talvez nem mesmo perguntando ao diretor. Ainda assim, podemos traçar uma cartografia artística de Woody Allen e de seu personagem mais comum, que parece ser um retrato dele mesmo.
Ainda que hoje o personagem de Allen consiga se deslocar, não permite que Nova York saia dele. Ser um estrangeiro, para ele, é ser estranho ao lugar que visita. Seu turismo não tem o objetivo de conhecer o lugar, mas reconhecer seu estranhamento. O passeio geográfico em Londres, Barcelona, Paris ou Roma nunca é uma vivência do lugar, mas uma observação de si mesmo em terras outras.
Pode-se observar que Allen se utiliza da fantasia para reforçar seu estranhamento e seu ponto de observação. Em Scoop, um fantasma passa um furo de reportagem à repórter americana que está em Londres; em Meia-noite em Paris, um carro do passado dá carona, toda noite, ao turista que vai conhecer personagens extemporâneos a ele; em Para Roma, com amor, além de um cantor de ópera que se apresenta no chuveiro, um personagem passa a ser invisível quando se torna mentor de um seu duplo, mais jovem. São situações fantásticas que levam o personagem de um lugar comum para seu lugar de desejo, como se aquele local estrangeiro ainda não fosse suficiente para sua experiência de estranhamento. Não basta estar numa cidade ou num país que não são o seu para que haja no personagem movimento de mudança: esse movimento deve vir dele próprio. É geralmente um ser preconceituoso e acostumado ao seu lugar comum que se deixa levar por suas próprias fantasias – seus próprios desejos – ainda não sabidas.
A fantasia não é recente nos filmes de Allen. Todos se lembram de Tom Baxter falando com a mocinha Cecilia de dentro do filme (e a convidando para entrar com ele), em A Rosa Púrpura do Cairo. Cecilia vivia no cinema fugindo de sua vida banal, e a fantasia a leva para um mundo que ela desejava ter. Em outros filmes, mágicos, hipnotizadores e diretores cegos dão o tom de irrealidade propício para que o personagem seja incomodado o suficiente para sair de seu lugar.
Em sua fase mais recente, Woody Allen descobriu que sair de seu território físico é uma boa maneira de obrigar seu alter ego a sofrer mudanças. O eterno neurótico encontrou uma forma de canalizar suas paranoias e desejos em terras de além-mar. Uma vantagem para seus fãs, que, além de termos histórias interessantes e conteúdo de qualidade no cinema, ainda temos um grande diretor nos mostrando cidades lindas e fantásticas.
Publicado em 07/08/2012
Publicado em 07 de agosto de 2012
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