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Literatura de cordel: gêneros textuais, leitura e ensino

Silvio Profirio da Silva

Graduando em Letras (UFRPE)

Durante décadas, a didática do ensino da leitura foi norteada por modelos teóricos tradicionais. Com isso, o ensino dessa competência linguística primava pela decodificação. Destacava-se, sobretudo, a ausência da diversidade textual. Essa situação ocorria não só nas práticas pedagógicas como também nos livros didáticos. Nos dias atuais, pode ser percebida uma nova posição em face da diversidade/seleção textual. Contudo, nem sempre essa postura esteve presente nos processos de escolarização brasileiros.

Nos anos 1980, ocorreram mudanças nos parâmetros norteadores do ensino, rompendo com tendências mecanicistas e tecnicistas. De acordo com Albuquerque (2006), as discussões atinentes ao ensino da leitura expandiram-se consideravelmente nessa década. Essas discussões e estudos são provenientes de diversos campos de investigação: Ciências da Educação (Pedagogia), Ciências da Linguagem (Linguística), Ciências Psicológicas (Psicologia, Psicologia Cognitiva etc.), Filosofia, Sociologia etc. (ALBUQUERQUE, 2006; ALBUQUERQUE et al, 2008). Tendo como pano de fundo esse contexto paradigmático, eclodem novos fundamentos teóricos que respaldam novas estratégias de ensino.

A busca de uma nova prática pedagógica, fundamentada numa visão sociointeracionista, iniciou-se já na década de 80, quando começaram a surgir no país, nas secretarias de Educação dos estados, propostas curriculares, planos ou programas bastante inovadores, de certa forma como uma resposta ao trabalho pioneiro de alguns pesquisadores e especialistas de algumas universidades do país. (...) Pretendia-se superar o impasse desencadeado pela prática educativa anterior, que vinha dominando nossas escolas desde o início dos anos 70. Um ensino de caráter essencialista, conteudista, tecnicista e limitado à descontinuidade e fragmentariedade dos livros didáticos (CARDOSO, 2003, p. 9-27).

Destaca-se, primeiro, a eclosão de uma nova concepção de leitura de cunho sociointeracionista e pragmático-enunciativa. Esta, consoante Koch & Elias (2006), assume a condição de atividade de construção/elaboração de sentido, acompanhada de novos enfoques e estratégias de ensino. Tudo isso pautando-se em posturas linguísticas, cognitivas, dialógicas, interativas e sociais. Destaca-se ainda a proliferação das discussões concernentes aos gêneros textuais e à diversidade textual. É nesse contexto que se fala na utilização dos gêneros textuais como suporte didático aos processos de ensino e de aprendizagem. Esses novos paradigmas têm sido adotados não só pelos mais recentes livros didáticos como pelas práticas de ensino.

São difundidas, no Brasil, teorias construtivistas e sociointeracionista de ensino/aprendizagem e, em relação ao ensino da língua especificamente, novas teorias desenvolvidas em diferentes campos – Linguística, Sociolinguística, Psicolinguística, Pragmática, Análise do Discurso – levam a uma redefinição desse objeto. Sob influência desses estudos, a língua passa a ser vista como enunciação, discurso, não apenas como comunicação, incluindo as relações da língua com aqueles que a utilizam, com o contexto em que é utilizada, com as condições sociais e históricas de sua utilização. Essa concepção de língua altera, em sua essência, o ensino da leitura, agora vista como processo de interação autor/texto/leitor, em determinadas circunstancias de enunciação e no quadro das práticas socioculturais contemporâneas de uso da escrita. O ensino da leitura baseado em uma concepção interacionista de língua implica considerá-las prática social (ALBUQUERQUE, 2006, p. 21).

Dentre os gêneros que têm ganhado amplo espaço nas pesquisas acadêmicas, destaca-se a literatura de cordel. Ela pode ser conceituada como poesia de cunho/teor popular, construída, linguisticamente, com base na cultura da raça humana (FONSÊCA; FONSÊCA, 2008). Isto é, esse tipo de literatura tem como fio condutor as produções materiais e imateriais da espécie humana, sendo marcada ideológica e socialmente. Ao fazer isso, o cordel desconsidera a classe social, englobando, assim, o fazer do ser humano, independentemente de suas origens. Ou seja, essa literatura aborda as construções/produções humanas, sejam elas provenientes das camadas menos favorecidas economicamente ou das camadas abastadas da sociedade.

As obras lançam mão de versos, métricas e rimas que abrangem diversos tipos de temáticas, como histórias fictícias, lendas, mitos etc. Algumas dessas histórias são provenientes de gerações anteriores, mas chegam aos dias atuais em função do povo e das suas memórias. No entanto, seus versos não se limitam a esse tipo de temática; também englobam temas de cunho social, levando para o âmbito educacional temáticas de suma importância para a formação dos discentes brasileiros (BENTES, 2004), temáticas essas que contribuem para a inserção desses sujeitos na prática de ações de transformação social. Partindo desse pressuposto, a partir das temáticas abordadas por ela, a literatura de cordel contribui para a inserção dos alunos no exercício pleno da cidadania.

É nesse sentido que a utilização da literatura de cordel como suporte didático nos processos de ensino e de aprendizagem, e mais especificamente na didática do ensino da leitura, é algo de fundamental importância, na medida em que esta transcende a perspectiva da decodificação e da reprodução de signos. A literatura de cordel traz à tona uma perspectiva de múltiplos olhares, que leva o aluno a atribuir sentido e construir significados em face do texto, atentando para as mais diversas problemáticas presentes na realidade circundante. Tudo isso contribui de forma significativa para que o discente assuma papel ativo na construção social do conhecimento.

Referências

ALBUQUERQUE, E. B. C. Mudanças didáticas e pedagógicas no ensino da Língua Portuguesa: apropriações de professores. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

ALBUQUERQUE, E. B. C.; MORAIS, A. G.; FERREIRA, A. T. B. As práticas cotidianas de alfabetização: o que fazem as professoras? Revista Brasileira de Educação, v. 13, p. 252-264, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v13n38/05.pdf. Acesso em: 22 jul. 2012.

BENTES, A. C. Linguagem: práticas de leitura e escrita. São Paulo: Global - Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação, 2004.

CARDOSO, S. H. B. Discurso e ensino. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

FONSÊCA, A. V. L.; FONSÊCA, K. S. B. Contribuições da literatura de cordel para o ensino da Cartografia. Revista Geografia, v. 17, nº 2, Londrina, 2008. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/geografia/article/view/2357. Acesso em: 25 jul. 2012.

KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002.

KOCH, I. G. V.; ELIAS, Vanda M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006.

Publicado em 7 de agosto de 2012

Publicado em 07 de agosto de 2012

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