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Responsabilidade planetária do Homo sapiens sapiens

Eduardo Beltrão de Lucena Córdula

Pesquisador do GPEA (UFPB); biólogo e especialista em Educação

Nós, seres humanos, somos classificados como Homo sapiens sapiens, que, traduzindo do latim, seria o homem com sabedoria. Essa designação é merecida e, ao mesmo tempo, um carma que carregamos, já que os custos do nosso desenvolvimento intelectual são muito altos, pois, ao mesmo tempo que a psique evolui, ocorre o acúmulo de conhecimento, que se reverte nas ciências e nas tecnologias; como consequência, passamos a consumir mais os recursos naturais do planeta, para alimentar assim nosso modo de vida e tudo aquilo que utilizamos para manter a nossa “qualidade de vida”. Tais processos de exploração da natureza nos levaram ao ponto de comprometer a vida neste estimado planeta (CÓRDULA, 2012a).

Apesar de sermos seres altamente adaptáveis, pois criamos formas de propiciar nossa sobrevivência nos diferentes ambientes do planeta, mesmo em lugares inóspitos – coisa que outros seres vivos não conseguem –, já que transformamos o ambiente à nossa volta, construindo e reconstruindo ambientes artificiais a partir dos naturais. Porém, não conseguimos ainda projetar no agora as consequências desses nossos atos e os custos dessa adaptabilidade no futuro (CÓRDULA, 2010a). Pesquisas são realizadas por todo o planeta e o que se consegue projetar são apenas estimativas prováveis, pois o nosso comportamento consumista e egoísta está trazendo caos à sociedade que nós mesmos edificamos (COSTA, 2012). Mesmo tendo um telencéfalo altamente desenvolvido, o que nos permite sonhar, imaginar, inventar e construir com mãos habilidosas e polegares opositores, que nos permitem desde objetos rústicos, passando pelas obras artísticas de alta sensibilidade e chegando às microtecnologias que utilizamos em nossos aparelhos eletrônicos, ainda assim nos preocupamos apenas com o agora, com nossas necessidades imediatas, e deixamos de pensar na coletividade, no futuro e no planeta (CÓRDULA, 1999).

Temos potencialidades latentes e ainda inexploradas, algumas que nos impulsionam a identificar, classificar e nomear tudo à nossa volta, abstraindo os fenômenos e questionar de onde viemos, para onde vamos e o que queremos de nossa existência. Acreditamos no inacreditável, temos fé e esperança, dádivas do ser humano que nos impulsionam a tentar ser melhores e mais capazes (CÓRDULA, 2012b).

Evoluímos biologicamente e conseguimos psicologicamente desenvolver sentimentos como o amor, não só externalizando-o, mas inúmeros outros, o que é um dos fatores principais que nos distinguem dos demais seres vivos do planeta (CÓRDULA, 2012b).

Com a evolução e o desenvolvimento cognitivo de nossa espécie, a busca incessante pelo saber que levaram a dominação dos recursos naturais, das tecnologias de produção de bens, começaram também a insurgência de sentimentos inócuos e a gênese do egoísmo, que nossa história retrata como a ascensão e busca pelo poder e dominação. Quando estávamos começando a desenvolver e a evoluir nossos sentimentos altruístas, fomos interrompidos por séculos de opressão e injustiças sociais que disseminaram em nosso ser, nossa espiritualidade e na nossa essência a busca pelo despertar para o amor (OURIQUE, 2008; CÓRDULA, 2012b).

Esse é o nosso carma, citado no início deste diálogo e que persiste ao longo dos séculos, comprometendo nossa verdadeira qualidade de vida, nossa sobrevivência e a perpetuação das gerações no planeta.

Pena que, para muitos dos que estão opacizados pelo gene egoísta de sua biologia, que impede a gênese da humanidade em sua essência (DAWKINS, 2007), a vida não muda; é essa que está aí, exposta como uma vitrine frente aos nossos olhos e por que passamos todos os dias: apáticos, céticos, cegos e, ao mesmo tempo, despercebidos. Muitos preferem fechar os olhos e não ver o que está diante deles: a vida em todo seu esplendor e plenitude.

Para reverter nossa concepção de vida e ampliar nossa responsabilidade sobre a Terra, precisamos adotar uma visão holostêmica (CÓRDULA, 2011a), que enfatiza a essência vital de tudo no planeta, buscando a manutenção do estado de harmonia suprema entre todos os fenômenos naturais, espirituais e físicos que regem a Terra. Essa concepção da vida e do ser humano busca a condensação entre a concepção sistêmica, holística, espiritual e afetiva (razão + emoções). A essência afetiva e espiritual está sendo fragmentada da essência humana, que se tornou incompleta, razão pela qual entra em conflito consigo, com o próximo e com o ambiente natural (BOFF, 1999; CÓRDULA, 2010b), sendo esta a explicação inicial para uma crise global – tanto social como ambiental.

Criamos, recriamos, ditamos, modificamos e mesmo assim continuamos presos a questões primitivas que há milênios existiam em nossos ancestrais remotos mas que continuam a se manifestar: superioridade pela força bruta, desejos de conquista, de inveja, de posse e de cobiça. É vital que modifiquemos a forma como educamos nossos alunos e nossos filhos, pois, segundo Córdula (2011b), as crianças e adolescentes aprendem o que vivenciam diariamente, e nossos discursos e ações são apreendidos por eles na construção de sua identidade humana e, se tornamos uma mudança em nós mesmos, começaremos a ser exemplos positivos para que eles se tornem seres humanos planetários e voltados à preservação da vida na Terra. Precisamos, portanto, acordar e sair do estado de ter e despertar para o estado sublime de ser (CÓRDULA, 2012b).

REFERÊNCIAS

BOFF, L. Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela Terra. 16ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

CÓRDULA, E. B. L. Eu! In: GUERRA, R.A.T. (Org.). Educação ambiental: textos de apoio. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 1999, p. 48-49.

CÓRDULA, E. B. L. Ser humano, meio ambiente e aquecimento global. Revista Eletrônica Educação Ambiental em Ação, n° 34, ano IX, dez/2010-fev/2011. Disponível em: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=922&class=02. Acesso em: 10 dez. 2010a.

CÓRDULA, E. B. L. O ser humano: peça-chave de todo o processo. In: CÓRDULA, E. B. L. Educação ambiental integradora – EAI [CD-ROM]. Cabedelo: EBLC, 2010b.

CÓRDULA, E. B. L. Ser humano: da concepção criacionista à holostêmica. Educação Pública, n° 21, 31 mai., 2011a. Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/filosofia/0069.html. Acesso em: 01 jun. 2011.

CÓRDULA, E. B. L. Quando as Crianças Aprendem?! Educação Pública, n° 48, dez./2011b. Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/cultura/livros/0073.html. Acesso em: 17 dez. 2011.

CÓRDULA, E. B. L. Educação socioambiental na escola. Cabedelo: EBLC, 2012a.

CÓRDULA, E. B. L. Homo sapiens affectus: em busca do futuro da humanidade. Cabedelo: EBLC, 2012b.

DAWKINS, Richard. O gene egoísta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

OURIQUE, João Luis Pereira. O resgate do narrador. Revista Literatura e Autoritarismo, Santa Maria, n° 11, jan.-jun./2008. Disponível em: http://w3.ufsm.br/grpesqla/revista/num11/art_07.php. Acesso em: 19 jul. 2012.

Publicado em 7 de agosto de 2012

Publicado em 07 de agosto de 2012

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