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A redação de volta às aulas
Alexandre Amorim
É um clichê em toda escola: acabaram as férias – de verão ou do meio do ano – e os alunos são chamados a usar toda a sua veia literária para descrever o tempo em que não estiveram em sala de aula. O tempo em que puderam brincar, ler, ver TV, jogar, usar a internet ou o que lhes desse na cabeça, sem se preocupar com deveres de casa ou provas.
O problema é que suas atividades durante o tempo de lazer não parecem próprias para serem transformadas em relatório. São momentos totalmente deslocados do espaço em que se encontram quando eles estão de novo fechados na sala, com professores e colegas. Se, por um lado, trazer a experiência do aluno em seu hábitat natural para a escola é um modo de tentar quebrar as barreiras entre o doméstico e o escolar, por outro o exercício de formalizar em palavras sua vivência durante o lazer reforça justamente um problema recorrente na relação da criança com a escola: o aprendizado de uma relação formal (a relação aluno-escola) muitas vezes é feito de modo um tanto hipócrita, querendo esconder que existe uma grande diferença entre a criança na rua e o aluno na sala de aula.
Se essa diferença for trabalhada de forma a estreitar essa relação, muito bem. A lembrança das férias pode se transformar em uma narrativa que vai comunicar uma experiência exterior àquele ambiente; portanto, o texto deve trazer uma síntese do que o aluno viveu com a relação desse aluno no meio escolar. Ótimo exercício de convivência, colocando-se como um indivíduo com suas subjetividades (a experiência das férias) que enxerga a alteridade (o mundo escolar e suas relações com esse mundo), além da razão primeira, que é o exercício de se expressar via escrita.
Mas se o texto deve ser elaborado apenas como uma prova de expressão escrita em que não se leva em consideração a diferença de práticas na vida fora da escola, ou melhor, em que essa prática alternativa à escola é mero apoio para que se desenvolva um relatório, escrever sobre as férias é tão inócuo quanto o professor escrever sobre experiências pedagógicas para ler em voz alta num vagão do metrô. Público errado, local errado, motivo errado.
É claro que haverá sempre crianças que vão utilizar a redação para desenvolver seus dons artísticos. Um texto sobre as férias pode ser a oportunidade para criar histórias fantásticas e textos muito bem construídos. Quem sabe um desses alunos não começa a escrever um novo Sítio do Pica-pau Amarelo? Mas, neste caso, além de estarmos tratando de exceções, não se pode considerar a imaginação da criança como única representante de sua experiência extraclasse. Houve acontecimentos nas férias desse aluno que ele pode converter em fantasia. Sendo aceita essa premissa – e, portanto, pondo-se de lado o factual da vida desse aluno –, a fantasia é bem-vinda. Enfim, se a fantasia desse aluno é sua via de experiência com o mundo fora da sala de aula, cabe ao professor trazer também essa fantasia para uma comunhão com a experiência escolar.
O principal objetivo do professor, me parece, deve ser a aproximação entre a vivência do aluno livre de formalidades acadêmicas com o compromisso justamente formal de se expressar dentro de regras narrativas e gramaticais. Isto é, o aluno não deve ser conduzido a falar de suas férias apenas como exercício de língua portuguesa, mas como exercício de convivência por meio dessa ferramenta.
Afinal, voltar às aulas e ainda ser obrigado ainda a contar como era bom estar de férias com o mero objetivo de preencher horas didáticas me parece mais um castigo do que propriamente um aprendizado.
14/08/2012
Publicado em 14 de agosto de 2012
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