Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Um panorama sobre a Escola de Atenas: pré-socráticos ou filósofos da natureza

Fábio Souza Lima

Qual é a causa última, o princípio supremo de todas as coisas?

Tales de Mileto, citado por Aristóteles

Numa busca por uma explicação lógica (cosmologia) dos fenômenos naturais, os primeiros filósofos logo se perguntaram quais seriam os seus princípios geradores. A colheita se dá porque a semente posta tempos atrás naquele mesmo lugar brotou. Mas ela brotou porque as condições básicas para isso se apresentaram, como a qualidade do solo ou a quantidade de água necessária. Houve água necessária porque o período é propício às chuvas... E o período de chuvas acontece por causa do posicionamento das massas de ar... Qual seria então a última instância de questionamento? A causa última ou o princípio de tudo? O que seria o princípio de todas as coisas?

Era importante tentar responder usando alguma lógica, algum raciocínio, deixando os mitos de lado. Foram variadas as proposições, mas todas concordavam que o princípio (arkhé) seria um elemento natural (physis), daí esses primeiros filósofos também serem chamados de físicos. Eles concordavam também que a arkhé seria imperecível, eterna, imortal. Esses são os pré-socráticos. E o homem que dá largada à tentativa de explicar tudo por um princípio criador, considerado o primeiro filósofo, foi Tales (640-545 a.C.), que viveu em Mileto, na Jônia (região da Ásia Menor). Seus seguidores formaram o primeiro grupo de pensamento, conhecido como a Escola Jônica.

A escola jônica

Tales de Mileto não fez só o questionamento, tratou de respondê-lo; afinal, era uma pergunta retórica. Sua resposta não é novidade para nós, mas podemos refletir sobre o quanto é genial dizer isso primeiro: “Tudo é água” ou, como em outras traduções, “Água é o princípio de todas as coisas”.

Você já deve ter ouvido essa frase como um axioma (uma máxima) da Biologia.

Tales teria escolhido esse elemento como arkhé depois de viajar ao Egito, quando presenciou a cheia das águas do Rio Nilo e a consequente fertilização do solo. Com efeito, o primeiro filósofo percebeu que a água é o princípio gerador da vida em todas as suas formas.

Anaximandro (610-547 a.C.), como bom aluno filósofo, discordou de seu professor, dizendo não ser possível explicar tudo a partir da água. Como explicar as rochas, o espaço sideral, o sol? Anaximandro apontou que o princípio do universo é Ápeiron, ou seja, indeterminado, em movimento perpétuo. Do ápeiron teriam surgido o quente e o frio, os primeiros elementos, e assim por diante.

Você também reparou que a teoria do Big-Bang parece se relacionar um pouco com isso?

Anaxímenes (585-525 a.C.), foi adiante, concordou com Anaximandro quanto a ápeiron, mas apontou que o ar condensado pode se transformar em água; se ainda mais condensado, pedras. Apontou também que o ar, quando rarefeito, propicia o fogo... Segundo Anaxímenes, portanto, o ar é a arkhé.

Existem mais elementos suspensos no ar à sua volta agora do que podemos contar. E, se condensados, não poderiam formar, por exemplo, um pedra sobre nossa cabeça?

Heráclito (540-480 a.C.), conhecido como “O obscuro”, por conta da sua forma enigmática de escrever, deu um salto no pensamento pré-socrático e propôs metaforicamente que o princípio criador é o fogo. Segundo ele, tudo se acende, queima e apaga em sua medida. Heráclito diz que o princípio de todas as coisas é um eterno De Vir, ou seja, tudo está sempre em movimento, “tudo passa o tempo todo no mundo” (Lulu Santos), tudo é “uma metamorfose ambulante” (Raul Seixas); o princípio de tudo está sempre por vir.

Os químicos atuais devem gostar mais dessa proposição, afinal dizem que “na natureza nada se cria, tudo se transforma” (Antonie Lavoisier).

A escola pitagórica

Graças à ditadura civil-militar que durou cerca de vinte anos no Brasil, período em que a Filosofia foi retirada do alcance dos jovens, pois era demasiadamente perigosa, Pitágoras tornou-se mais conhecido pelo seu teorema matemático: “a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa”, também ilustrado pelo famoso triângulo pitagórico de medidas 3, 4 e 5. Pois bem, o filósofo Pitágoras (580-497 a.C.), que viveu na ilha de Samos, propôs que nada existiria fora de sua devida proporção. Ele e seus alunos – que também acreditavam na imortalidade da alma e na reencarnação em outros corpos humanos e de animais (metempsicose) – apontavam que para entender o princípio de tudo era necessário estudar as relações matemáticas entre as coisas do universo. Ao criar um método de explicação do mundo baseado em números, chamando-o máthēma, ele afirma: “Tudo é número”.

Pronto, que coisa, hein?! Além de explicar tudo com uma frase, ele ainda criou aquilo que muitos alunos acreditam ser o terror: a Matemática.

Escola eleata

Parmênedes de Eleia (515-450 a.C.) escreveu um poema conhecido como Sobre a Natureza, em que aponta dois caminhos possíveis para o homem: o caminho da verdade (alétheia) e o caminho da opinião (doxa). Enquanto para os gregos a doxa designava um caminho contrário ao da verdade, pois mostrava pontos de vista individuais, sem valor universal, a alétheia seria o caminho pelo qual o homem chegaria à conclusão de que “tudo que é é e não pode deixar de ser”. Parmênedes quer dizer que tudo que existe em essência continuará existindo em essência, mesmo que mude em aparência. Dessa forma, a sua máxima, “o ser é e o não ser não é”, aponta que tudo que existe existe e continuará a existir: ser; essência. E tudo que não existe (não ser) não existirá jamais: não ser.

Zenão (334-226 a.C.), que também viveu na cidade de Eleia, dedicou-se a tentar refutar os pensadores que desacreditavam seu professor, Parmênedes. O conhecido “Paradoxo de Zenão”, que visa afirmar que o ser é e não pode deixar de ser, aponta que não existe movimento. É dele a famosa ilustração de que o herói grego Aquiles, conhecido como o dos pés ligeiros, mesmo saindo muito atrás em uma corrida, jamais alcançaria um oponente mais lento (como uma tartaruga), pois mesmo que esta se mova mais devagar a cada metro percorrido por Aquiles, terá como correspondência um proporcional espaço percorrido pela tartaruga.

O estudo do ser, dentro da Filosofia é chamado Ontologia ou Metafísica; desses estudos saiu, por exemplo, a Psicologia.

Escola pluralista

Os pensadores dessa escola acreditavam que o princípio de todas as coisas não é único, mas sim plural, variado. Demócrito de Abdera (460-370 a.C.) e Empédocles (490-430 a.C.) são os mais destacados exemplos dessa escola. Demócrito disse que tudo que existe no universo é formado por pequenas partículas indivisíveis, que chamou de átomos. A união deles, que se movimentam em velocidades diferentes, produziriam choques e uniões que criariam coisas diferentes.

Em tempos de energia nuclear, que tal esse pensador que presumiu a existência de algo tão pequeno que não poderia ser partido? Sabemos que hoje o que é conhecido como átomo já pode ser dividido, gerando uma energia tão poderosa que pode servir para o desenvolvimento de nossa sociedade ou para destruí-la por completo.

Empédocles de Agrigento (490-430 a.C), por sua vez, defendeu que tudo se origina da união (proporcional ou não) do que mais tarde ficou conhecido como os quatro elementos: terra, fogo, ar e água. Isso significa que tudo que existe tem em sua essência os quatro elementos, cada qual com a sua porção maior que o caracteriza.

O pensamento dos pré-socráticos perdurou durante longo período, até que as cidades gregas se desenvolveram ainda mais, dando espaço para o surgimento de pensadores que aprofundaram suas reflexões sobre o mundo. São intelectuais que deslocaram a natureza e colocaram o homem no centro das explicações sobre o mundo. Esses são os sofistas e, notadamente, Sócrates.

Seguindo os pensamentos – leitura

Como já apontamos, o termo Doxa está ligado a opinião; uma doxografia, portanto, trata do que outros falam de determinada pessoa, artífice, artista, autor etc. Restaram apenas fragmentos dos textos dos pré-socráticos. A beleza dos seus pensamentos baseia-se hoje sobre o que outros filósofos, como Aristóteles, escreviam desses homens.

Doxografia

A maioria dos primeiros filósofos considerava como os únicos princípios de todas as coisas os que são da natureza da matéria. Aquilo de que todos os seres são constituídos e de que primeiro são gerados e em que por fim se dissolvem, enquanto a substância subsiste mudando apenas as afecções; tal é para eles o elemento (stokheion), tal é o princípio dos seres; e por isso julgam que nada se gera nem se destrói, como se tal natureza subsistisse sempre... Pois deve haver uma natureza qualquer, ou mais do que uma, em que as outras coisas se engendram, mas continuando ela mesma. Quanto ao número e à natureza desses princípios, nem todos dizem o mesmo. Tales, o fundador de tal filosofia, diz ser a água [o princípio] (é por esse motivo também que ele declarou que a terra está sobre água). Foi levado a esta concepção, sem dúvida, por ver que o alimento de todas as coisas éúmido e que o próprio quente dele procede e dele vive (ora, aquilo de que as coisas vêm é, para todos, o seu princípio). Por esse observar, adotou essa concepção; e pelo fato de as sementes de todas as coisas terem a natureza úmida e a água ser o princípio da natureza para as coisas úmidas. Há alguns que pensam que também os mais antigos, bem anteriores à nossa geração, e os primeiros a tratar dos deuses, teriam a respeito da natureza formado a mesma concepção. Pois consideram Oceano e Tétis os pais da geração e o juramento dos deuses a água, chamada pelos poetas de Estige, pois o mais venerável é o mais antigo; ora, o juramento é o mais venerável.

ARISTÓTELES. Metafísica, I, 3. 983 b 6 (DK 11 a 12). Trad. de Wilson Regis.

Publicado em 14 de agosto de 2012

Publicado em 14 de agosto de 2012

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.