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A tia da biblioteca

Priscila Maria Romero Barbosa

Biblioteca escolar costuma ter fama de local chato. Lugar onde se paga pela indisciplina cometida em sala de aula, revertendo em obrigação de fazer um dever ou ler algo e, em seguida, escrever um resumo ou uma crítica. Além de ter como responsável pelo espaço a figura central e curiosa de uma senhora de idade avançada, com cabelos brancos, corpo franzino, levemente surda. Viajando um pouco pela dramaturgia, posso citar como exemplo da “boa velhinha” uma série americana exibida em TV por assinatura que se passa em uma escola pública, cujos alunos “excluídos” se unem para cantar em um coral e dão um verdadeiro show – sou fã!

Mas, na minha escola, uma tia de aproximadamente 34 anos de idade mudou essa concepção. De beleza comum, mas um sorriso cativante, transparecia alegria em seu olhar; por isso a denominei com um nome singelo.

Flor – como vou chamá-la – começou a estudar Pedagogia com essa idade e logo foi aproveitada pela diretora-pedagógica da escola para estagiar. Assim, Flor cuidava da biblioteca e incentivava a leitura, seguindo seus instintos e pedindo orientação às coordenadoras responsáveis. Ficava com as turmas do Ensino Fundamental I durante quarenta minutos, uma vez por semana.

Como toda pedagoga, Flor preparou a biblioteca para receber seus pupilos. Na porta da entrada, colou um cartaz com uma mensagem de boas-vindas. Dentro da sala, outras mensagens tais como: Na biblioteca faz-se silêncio! e O livro é nosso grande amigo!

No início, as crianças estranharam. Algumas perguntavam sobre o que teriam aula, qual seria a matéria. Outras perguntavam se a aula seria ali dentro – com uma conotação triste. Mas a professorinha tinha sempre um sorriso nos lábios e um abraço para acalmar o coração de todos.

Flor demonstrou às crianças como folhear um jornal, explicando que ele traz várias notícias, com diversos assuntos – alguns interessantes e outros chatos. Ele costuma ter uma sequência definida para expor os temas, como: política – o que eles ainda não entendem, mas devem começar a ter uma noção; futebol – o que os meninos adoram; e até mesmo novela e seus galãs – que costuma chamar a atenção das meninas.

Também falou da finalidade do dicionário e como utilizá-lo. E ouviu uma frase famosa de um de seus alunos:

– Dicionário é o pai dos burros!

Imediatamente ela respondeu:

– Xiiii! Todo mundo diz isso, mas, na verdade, o dicionário é o pai dos inteligentes, pois o inteligente, quando não conhece a palavra, procura o seu significado e aprende. E o burro? O burro não procura e continua sem saber. Vocês concordam?

E todos responderam bem alto:

– Sim!

Dias depois, Flor distribuiu gibis e a criançada foi ao delírio.

Ela costumava emprestar livros para levarem para casa e quem quisesse poderia emprestar algum exemplar seu.

Foi a época mais fascinante da biblioteca. Faziam até teatro do que liam. Algumas vezes, encenavam no pátio. Todos os alunos, sem exceção, adoravam as aulinhas.

Mas, “como alegria de pobre dura pouco”, a escola teve que encerrar o Ensino Fundamental I e Flor perdeu seus pupilos.

Na formatura da antiga 4ª série, agora 5º ano, Flor foi homenageada pelas crianças. E seu discurso previamente preparado teve de ser abandonado, pois a madrinha da turma estava tão emocionada que não conseguia enxergar o que havia escrito. Com muitas lágrimas, agradeceu o carinho de todos aqueles anjos e a oportunidade que teve de aprender com eles lições de inestimável valor.

– Com vocês, eu aprendi a ser uma pessoa melhor! Obrigada!

Publicado em 21/08/2012

Publicado em 21 de agosto de 2012

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