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Leitura e construção de sentido: um olhar sobre a prática pedagógica
Silvio Profirio da Silva
Graduando em Letras (UFRPE)
Nos últimos anos, os debates acerca do ensino da leitura ampliaram-se de maneira considerável. De acordo com Pietri (2007, p. 264), “no Brasil, principalmente a partir da década de 1980, instâncias oficiais de diversos níveis governamentais têm fomentado a produção e publicado documentos com o objetivo de promover mudanças no ensino”. Dentro dessa perspectiva, essas discussões têm início nos 1980, em face da proliferação dos estudos de diversos campos de investigação. Albuquerque (2006) e Albuquerque et al (2008) ressaltam o fato de uma gama de campos do saber ter produzido vasta quantidade de fundamentos teóricos que respaldam uma nova prática pedagógica. São exemplos dessas áreas de investigação: as Ciências da Educação [Pedagogia], as Ciências da Linguagem [Linguística], Ciências Psicológicas [Psicologia, Psicologia Cognitiva, Psicologia da Aprendizagem, Psicologia do Desenvolvimento, Psicolinguística etc.] (ALBUQUERQUE, 2006; ALBUQUERQUE et al, 2008). Todos esses postulados trazem à tona novos fundamentos que levam para o âmbito educacional uma nova didática da escolarização do leitor.
Inúmeras são as teorias que, de formas variadas e em níveis diversificados, influenciam a metodologia de ensino de Língua Portuguesa. No entanto, nas duas últimas décadas do século XX e primeiros anos de século XXI, algumas têm-se destacado: a teoria sociointeracionista vygotskyana de aprendizagem, as de letramento e as de texto/discurso, que possibilitam considerar aspectos cognitivos, sociopolíticos, enunciativos e linguísticos envolvidos no processo de ensino/aprendizagem de uma língua (BEZERRA, 2010, p. 40).
Koch (2002) e Koch & Elias (2006) sinalizam a eclosão de uma nova concepção de leitura como construção/atribuição de sentido, resultante da articulação entre autor-texto-leitor e da junção de aspectos cognitivos, linguísticos, discursivos e sociais (BENTES, 2004; KOCH, 2002; KOCH & ELIAS, 2006). Destaca-se, ainda, a proliferação das discussões concernentes aos gêneros textuais, à diversidade textual, às estratégias de leitura etc. Rompe-se, assim, com tendências mecanicistas e tecnicistas.
São difundidas, no Brasil, teorias construtivistas e sociointeracionistas de ensino/aprendizagem e, em relação ao ensino da língua especificamente, novas teorias desenvolvidas em diferentes campos – Linguística, Sociolinguística, Psicolinguística, Pragmática, Análise do Discurso – levam a uma redefinição desse objeto. Sob influência desses estudos, a língua passa a ser vista como enunciação, discurso, não apenas como comunicação, incluindo as relações da língua com aqueles que a utilizam, com o contexto em que é utilizada, com as condições sociais e históricas de sua utilização. Essa concepção de língua altera, em sua essência, o ensino da leitura, agora vista como processo de interação autor/texto/leitor em determinadas circunstâncias de enunciação e no quadro das práticas socioculturais contemporâneas de uso da escrita. O ensino da leitura baseado em uma concepção interacionista de língua implica considerá-las prática social (ALBUQUERQUE, 2006, p. 21).
Nos últimos dez anos, muito se tem falado acerca da temática das estratégias e habilidades de leitura. Vasta quantidade de autores tem voltado seu olhar para esse tema, ocasionando assim uma ampla discussão. A Matriz de competências do SAEB traz algumas dessas habilidades de leitura: A) Identificar a ideia central de um texto; B) Diferenciar as partes principais das secundárias em um texto; C) Estabelecer relação causa-consequência entre partes e elementos do texto; D) Inferir o sentido de uma palavra ou expressão; E) Estabelecer relação entre textos; F) Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que eles foram produzidos e daquelas em que serão recebidos; G) Reconhecer posições distintas entre duas ou mais opiniões relativas ao mesmo fato ou ao mesmo tema; H) Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros; I) Interpretar textos com o auxílio de material gráfico diverso (propagandas, quadrinhos, fotos, etc.); J) Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para a continuidade de um texto; K) Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no texto, marcadas por conjunções, advérbios etc. Todas essas habilidades de leitura têm se refletido nos livros didáticos de Língua Portuguesa [LDLP] e nas avaliações, que aferem a proficiência em leitura dos discentes brasileiros, tais como: Enade, Enem, Prova Brasil, Provinha Brasil, Saeb etc. Destaca-se, sobretudo, o fato de essas habilidades de leitura evidenciarem uma concepção de leitura de cunho sociointeracionista.
Percebe-se, desse modo, que a prática pedagógica do ensino da leitura caminhou de uma postura de identificação/extração de mensagens – leitura como decodificação – para uma perspectiva de produção/elaboração de sentido, marcada pela presença de uma gama de tipos de leitura, de atividades, de habilidades/estratégias de leitura, da diversidade textual etc. Essa nova perspectiva evidencia uma postura pragmático-enunciativa da leitura, através da qual se focalizam os inúmeros movimentos linguístico-discursivos presentes no texto (KOCH, 1999).
Referências
ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de. Mudanças didáticas e pedagógicas no ensino da língua portuguesa: apropriações de professores. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de; MORAIS, Artur Gomes de; FERREIRA, Andreia Tereza Brito. As práticas cotidianas de alfabetização: o que fazem as professoras? Revista Brasileira de Educação, v. 13, p. 252-264, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v13n38/05.pdf. Acesso em: 21 out. 2011.
BENTES, Anna Christina. Linguagem: práticas de leitura e escrita. São Paulo: Global - Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação, 2004.
BEZERRA, Maria Auxiliadora. Ensino de língua portuguesa e contextos teórico-metodológicos. In: DIONÍSIO, Angela Paiva; MACHADO, Ana Raquel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Org.). Gêneros textuais & ensino. São Paulo: Parábola, 2010, p. 39-49.
BRASIL. Matriz de competências do SAEB/ Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/prova-brasil-e-saeb/exemplos-de-questoes2. Acesso em: 15 out. 2011.
KLEIMAN, Ângela. Oficina de Leitura: teoria & prática. Campinas: Pontes, 2008.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. O desenvolvimento da linguística textual no Brasil. DELTA. Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, São Paulo, v. 15, n. Especial, p. 167-182, 1999. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-44501999000300007&script=sci_arttext. Acesso em: 14 mar. 2012.
SANTOS, Carmi Ferraz. O ensino da leitura e a formação em serviço do professor. Revista Teias, Rio de Janeiro, ano 3, v. 5, n. jan/jun, p. 29-34, 2002. Disponível em: http://www.periodicos.proped.pro.br/index.php?journal=revistateias&page=article&op=view&path%5B%5D=95&path%5B%5D=96. Acesso em: 25 mar. 2012.
_____. A formação em serviço do professor e as mudanças no ensino de Língua Portuguesa. Revista Educação Temática Digital - ETD, Campinas, vol. 3, nº 2, p. 27-37, jun. 2002. Disponível em: http://www.fe.unicamp.br/revista/index.php/etd/index. Acesso em: 25 mar. 2012.
PIETRI, E. Circulação de saberes e mediação institucional em documentos oficiais: análise de uma proposta curricular para o ensino de Língua Portuguesa. Currículo sem Fronteiras, v. 7, p. 263-283, 2007. Disponível em: http://www.curriculosemfronteiras.org/vol7iss1articles/pietri.pdf. Acesso em: 15 jul. 2012.
Publicado em 28 de agosto de 2012
Publicado em 28 de agosto de 2012
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