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Cala a boca, Calabar

Alexandre Amorim

Domingos Fernandes Calabar foi um comerciante mulato (ou mameluco) nascido na Capitania de Pernambuco no início do século XVII – época em que a Espanha dominava Portugal. Época também de ataques holandeses ao Nordeste brasileiro. Calabar começou a guerrear ao lado dos espanhóis contra os holandeses – e ajudou a expulsá-los de Olinda. Mas tornou-se aliado dos invasores, sem que se saiba até hoje a razão. No livro História do Brasil, Robert Southey apresenta algumas possibilidades: “Se, cometido algum crime, fugiu para escapar ao castigo; se o tratamento recebido dos comandantes o desgostou; ou se, o que é mais provável, com a traição, esperou melhorar de fortuna, é o que se não sabe”.

Fato é que Calabar teve atuação fundamental nas conquistas holandesas pelo seu conhecimento geográfico da região, além de angariar apoio popular. Após sua prisão, os espanhóis e portugueses avançaram. Calabar foi morto por garrote e, depois de morto, foi esquartejado, com suas partes postas em exposição em praça pública, como exemplo contra a traição.

O Brasil como nação ainda não existia; portanto, não existia o que podemos chamar de povo brasileiro. Apesar de nascido em solo brasileiro, Calabar era súdito do império português (ou ibérico), educado por jesuítas. A traição imputada a ele está ligada aos colonizadores portugueses e a seu exército.

Levando em consideração que Calabar traíra aquele que reprimia a colônia em que ele vivia, Chico Buarque e Ruy Guerra decidem relativizar esse ato do comerciante pernambucano, tornando-o uma conduta heroica por defender os anseios do que seria o povo da colônia (ou o povo brasileiro). Dentro do contexto histórico em que foi escrita a peça Calabar – o elogio da traição, a intenção primeira dos autores deve ser compreendida como um elogio àqueles que lutavam contra a opressão militar do governo brasileiro de então.

Considerados traidores da nação, os chamados “terroristas” ou simplesmente “subversivos” que lutavam de várias formas para derrubar a ditadura militar no Brasil foram homenageados na obra de Chico e Guerra. Além disso, tal como a história de Calabar e o então governo ibérico no Brasil, era necessário rever e questionar as intenções do poder militar então estabelecido no Brasil. O livro é de 1973, fase em que o governo de exceção já agia de maneira abertamente ditatorial.

O texto se utiliza da metáfora de Calabar para escapar da censura, mas seu tom provocativo e muitas vezes debochado (vide as canções Fado Tropical ou Não existe pecado ao sul do Equador, por exemplo) não passou despercebido do sistema repressor. Após uma comissão da censura assistir ao ensaio, o texto foi liberado. Três meses depois, porém, antes mesmo da estreia, os militares a proibiram, também proibindo o uso do nome Calabar e a divulgação daquela censura pela mídia. A peça só seria montada em 1980, seis anos depois.

Sendo ou não traidor, a figura de Calabar serviu ao Brasil como exemplo de subversão que se tenta reprimir. Tenta-se calar a boca daquele que vai contra a corrente ou que experimenta rever o que é considerado correto. Ainda bem que sempre vamos ter Calabares, Ruys, Chicos e tantos outros que não sabem se calar.

Fontes:

BUARQUE, Chico; GUERRA, RUY. Calabar – o elogio da traição.

Wikipédia. http://pt.wikipedia.org/wiki/Domingos_Fernandes_Calabar.

Publicado em 04/09/2012

Publicado em 04 de setembro de 2012

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