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Como se lascar sozinho
Pablo Capistrano
Escritor, professor de filosofia do IFRN
Se eu fosse escrever um livro de autoajuda para estes tempos de individualismo tecnocapitalista, o título seria mesmo este: Como se lascar sozinho. Estar sozinho é diferente de estar isolado. Podemos estar cercados de pessoas, mas ainda sim estarmos completamente sozinhos.
O grande paradoxo destes tempos virtuais é que estamos todos conectados, linkados, ligados, virtualmente amarados uns aos outros; em listas de e-mails, redes sociais, tags do Twitter. Todos vinculados, indexados, anexados, vigiados, e ainda sim absolutamente sozinhos. Vivemos com a sensação de que o outro é uma ameaça. Alguém que vai roubar meu emprego, minha vaga no Enem, meu semestre letivo, minha colocação no concurso público, clonar meu cartão, desviar o dinheiro do meu imposto e, na pior das hipóteses, me apontar uma arma em algum semáforo da cidade ou me cutucar no Facebook.
Esse quadro desolador parece ter contaminado há algum tempo nossa seleção. Antes de o time de Mano Menezes embarcar para Londres, a revista Placar publicou um número onde se lia na capa (embaixo de uma foto de um menino brasileiro com uma bandagem no nariz): “Na pressão - a seleção de Neymar vai à Olimpíada pelo título que falta”.
Enquanto o planeta se encanta com o futebol da seleção espanhola, que recolocou a arte ao lado da competitividade no mundo da bola a partir da filosofia de jogo comunitária, quase socialista, do Barcelona, o Brasil insiste em resolver seu problema apelando para o mito do herói.
Se no Barcelona até os gênios (como Messi) atuam a serviço do coletivo e recebem do coletivo os prêmios de uma coesão de jogo que sufoca o adversário, domina o campo com o controle de bola e junta ataque e defesa em um neobarroco carrossel ibérico, na “Seleção de Neymar” o que temos é uma boa geração de jovens jogadores sem uma articulação coletiva que dê sustentação a seu talento individual.
Na Espanha (sem Messi), jogadores do Barcelona e do Real Madrid ultrapassaram as rivalidades atávicas de seu próprio país (marcas profundas de velhas inquisições, de confrontos religiosos, de uma Guerra Civil que ainda umedece a memória espanhola com o gosto do sangue fraticida) e construíram uma seleção histórica, que pauta o futebol mundial como um modelo a ser imitado.
Na seleção brasileira ainda nos fiamos na esperança anacrônica de que a genialidade e o heroísmo de alguém, em toda a radicalidade de sua própria solidão, possa resolver nossa vida e patrocinar uma medalha olímpica.
Em que nos espelhamos? Na Argentina de Maradona? No Brasil de Garrincha? Se a história só se repete como farsa, não podemos apostar em um modelo anacrônico, que se fia em heróis ou gênios solitários que, com sua irrupção anárquica, vencem copas do mundo como Aquiles ganhava batalhas no tempo de Homero.
Maradona frutificou em tempos de futebol retrancado e empobrecido, em momentos de entressafra de um estilo de jogar produzido pelo Brasil de Pelé e continuado pela seleção canarinho de 82. As condições históricas do futebol hoje são completamente diversas das de 86 e 90, quando Maradona colocou a copa do mundo nas costas e levou os hermanos às suas duas últimas finais.
Não há espaço hoje, em um mundo de coletividades geniais como a da Espanha ou da Alemanha, para se fiar nos heróis e na força dos gênios. Os argentinos sabem disso. Têm o melhor jogador dessa geração, mas já sentiram que não conseguirão repetir 86, porque quem desafia Messi hoje não é mais a Inglaterra de Gary Lineker ou a Alemanha de Lothar Matthäus.
Nossa seleção, como o Brasil em que vivemos hoje, precisa urgentemente de uma revolução, de uma reinvenção da comunidade, de uma reconstrução dos mecanismos que nos unem e que nos põem para trabalhar em grupo a partir de um horizonte partilhado. Se não reconstruirmos isso, no campo da bola ou no cotidiano das ruas, vamos conseguir o apenas o óbvio: nos lascar sozinhos.
Publicado em 11 de setembro de 2012
Publicado em 11 de setembro de 2012
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