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Neurociência: rota alternativa
Claudia Nunes
Professora
Hoje vi uma reportagem sobre uma mulher que passara 36 anos num hospital por causa de uma paralisia infantil e, ainda assim, escrevera um livro. Ela escrevera com a boca! Naquela cama desde bebê, ela aprendera a ler e a escrever, fizera cursos de História da Arte e, agora, realizara seu maior sonho: escrevera e publicara um livro, seu livro! Eu fiquei comovida com tudo isso e pensei: isso é aprendizagem!
Em algum momento, ela se conformou com sua condição e resolveu superar suas emoções mais negativas, acontecendo em outros setores e dando sentido à vida. Lógico que percebi que havia pessoas ao redor; ninguém se mantém equilibrado, numa situação dessas, sem suportes, ajuda, paciência e colaboradores. É um cérebro especial!
O processo de aprendizagem requer multitarefas, multidisciplinas, multiatenções, muita gente (profissionais também) por perto, oferecendo ferramentas de equilíbrio, autoestima e uma crença forte em processos autônomos neurais e químicos, senão serão estímulos sem significados reais. É possível integrar (colocar no grupo) e incluir (dar atividade e criar autonomia) com respeito e cautela.
Mesmo em cérebros requisitados pelas intempéries da vida, o potencial de ação neural voltado para aprendizagem, memória e atenção é inigualável e emocionante. Olhando aquela mulher pensei muito em ensinagens; pensei muito em atividades e projetos didáticos; e pensei em aprendentes com cérebros altamente capazes de captar e armazenar uma quantidade infinita de informação nos dias de hoje.
Mais do que nunca as escolas precisam estar atentas às descobertas da neurociência, de acordo com o que Lent (2001, prefácio) sugere: as escolas precisam estar atentas à “necessidade de integrar as contribuições das diversas áreas da pesquisa científica e das ciências clínicas para a compreensão do funcionamento do sistema nervoso”, de forma a entender, valorizar e respeitar às diferentes maneiras de aprender. Afinal, “aprende-se com o cérebro” (RELVAS, 2012, p. 16).
Hoje famílias e escolas estão muito aflitas com a crescente percepção de que as dificuldades de aprendizagem estão prejudicando a inserção dos aprendentes no próprio cotidiano escolar, além do cotidiano social e profissional. Ainda que não haja receita para minimizar estas dificuldades, segundo Relvas (2012, p. 16), “a neurociência, quando dialoga com a educação, promove caminhos para o educador tornar-se um mediador do como ensinar com qualidade por meio de recursos pedagógicos que estimulem o estudante a pensar sobre o pensar”. E o conhecimento do funcionamento do cérebro tornou-se muito importante para as práticas docentes em geral e hoje em dia.
A escola precisa sair da forma de fôrma tradicional e saber como os aprendentes aprendem. É a possibilidade da conquista da eficiência (qualidade?) pedagógica. Mas por onde começar? Eu penso na formação de professores e no oferecimento de mais formações continuadas. Ambas são necessidades previstas pela LDB de 1996 para os aprendentes com necessidades especiais. Mas será que só se pode pensar em entender o cérebro de aprendentes com necessidades especiais? E aqueles com necessidades especiais sociais, culturais, emocionais, profissionais, pessoais? E os chamados “normais”? Segundo Fonseca (2008, p. 7), todos precisam
aprender a refletir, a raciocinar, a utilizar estratégias de resolução de problemas (...) melhor e de forma diferente e flexível, [ou seja], todo estudante tem o direito de desenvolver ao máximo o seu potencial cognitivo.
Logo, “conhecer e entender o processo de aprendizagem e do comportamento tornou-se um grande desafio para os educadores” (RELVAS, 2012, p. 17). Aquela mulher deitada por anos, aprendendo, produzindo, vivendo, sorrindo me encheu de esperança e de questionamentos sobre o mundo dos “normais” aprendentes que não estão aprendendo e que parecem se esconder das aprendizagens por múltiplos motivos – conscientes ou não.
Os ditos “normais” têm perfis especiais e precisam ser respeitados. São cérebros com seus sistemas nervosos, límbicos (emocionais) e endócrinos em preparo, em potencia, porosos, esperando os estímulos que os façam trabalhar em ritmo constante até alcançar o conhecimento. Nesse sentido, as diferentes áreas do saber precisam envolver esses encéfalos com mais especializações e alcançar intensas transpirações cognitivas.
“É fundamental que os educadores conheçam as estruturas cerebrais como interfaces da aprendizagem e do comportamento para a ininterrupção do desenvolvimento e que seja sempre um campo a ser explorado” (RELVAS, 2012, p. 20). Ou seja, todos são (somos) aprendentes com o cérebro e seus movimentos neuroplásticos e efervescentes.
Para além das novas tecnologias virtuais, a chamada Neuropedagogia é a nova onda do Imperador. Ela vem se integrando com mais facilidade aos recursos teóricos possíveis de fazer professores e escola (res)sentirem as aprendizagens de seus aprendentes com mais foco e proximidade. E é uma ciência democrática porque, segundo Lent (2001), há muitas maneiras de ver o cérebro, como há muitas maneiras de ver o mundo; tanto o sistema nervoso quanto o cérebro em particular “podem ser estudados de várias maneiras, todas verdadeiras e igualmente importantes” (p. 3). Logo, “se nós, humanos, temos um cérebro com estruturas cognitivas evoluídas em relação aos outros animais, um neocórtex que nos dá a propriedade de pensar, por que não utilizá-lo corretamente?” (RELVAS, 2012, p. 21); por que não redimensionar sua utilização com práticas inovadoras focadas na criação de conexões neurais mais criativas?
Para Maria Irene Maluf*, em entrevista ao site Direcional Educador,
a aprendizagem, ou seja, a aquisição de novos comportamentos, conhecimentos, competências, habilidades e atitudes está intimamente ligada ao desenvolvimento e funcionamento do cérebro, e por força das evidências irrefutáveis trazidas pelo resultado das mais atuais pesquisas científicas e pelo uso da neuroimagem funcional, essas duas áreas, a Educação e a Neurociência, acabaram se aproximando.
Entender a aprendizagem também dos chamados “normais”, também passa por entender toda a funcionalidade de um corpo que está íntegro em sala de aula, ainda que mantenha certas disfunções alheias às vontades dos corpos docentes.
Olhando aquela mulher em sua noite de autógrafos num hospital de São Paulo, acredito que a neurociência pode introduzir instrumentos e estratégias junto às equipes pedagógicas a fim de que haja um diálogo mais preciso ou mais esclarecedor; para que haja mais compreensão e incrementos frente aos conteúdos das diferentes áreas do saber. É estudar, observar e praticar.
Diante daquela mulher sorridente, numa cama durante 36 anos e se tornando escritora, aceito o que Maria Irene Maluf afirmou: com as neurociências na escola, nos planejamentos e nas relações de aprendizagem, se introduzem novas cores
às experiências vivenciadas [pelos aprendentes] com o meio ambiente, o que provoca a formação de intrincadas redes neuronais, camadas de sinapses e profusão de neurotransmissores que modificam as estruturas e o funcionamento cerebral, o comportamento [cognitivo e social] e futuras trocas com o meio.
É a aprendizagem alterando as taxas de conexões sinápticas, afetando as funções cerebrais em vários aspectos e revelando a importância do estímulo (e dos desafios) como disparador do processo. É dar significância às especificidades do funcionamento do cérebro bem antes de expô-los aos diferentes conteúdos.
Se Neuropedagogia ou Neuroaprendizagem ou ainda Neurociência Pedagógica não importa. O que importa é apreender esse novo aspecto do olhar educacional sobre o educando (aprendente) e assim possibilitar mais afetividade nas relações ou proximidades pedagógicas.
Aquela mulher chamou minha atenção, puxou por minha memória, afetou minha linguagem, criou uma emoção forte e fiquei pensando (cognição): quais seriam os métodos pedagógicos a se desenvolver para favorecer a aquisição de informações (aprendizagem)? Difícil! Todos têm estilos “de aprender” ou de “não aprender”. E de novo Maria Irene Maluf se apresenta: muitos educadores “frente às [diferentes dificuldades] já procuram criar dicas, links para vincularem fatos novos com os conhecimentos já solidificados [nos cérebros aprendentes]”. Tomara!
Eu gosto de acreditar que muitos educadores já estejam linkados com algumas das teorias neurocientíficas e estejam experimentando novas performances ou atividades com seus aprendentes. Eu gosto de acreditar que, em muitos casos, mesmo inconscientemente, muitos educadores já estejam optando por otimizar seus trabalhos embasados em pesquisas e sugestões vindas das neurociências, como criação de jogos de memória, introdução de palavras, dramatização com emoções fortes etc.
Mesmo na era da ansiedade, faz-se necessário “estabelecer rotas alternativas para aquisição da aprendizagem, utilizando-se [além de recursos tecnológicos] de recursos sensoriais como instrumentos do pensar e do fazer” (RELVAS, 2012, p. 19).
Tomara!
Referências:
FONSECA, Vitor da. Cognição, neuropsicologia e aprendizagem: abordagem neuropsicológica e psicopedagógica. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociências. São Paulo: Atheneu, 2001.
RELVAS, Marta Pires. Neurociência na prática pedagógica. Rio de Janeiro: Wak, 2012.
* Maria Irene Maluf é editora da revista Psicopedagogia, da ABPp (Associação Brasileira de Psicopedagogia) e coordena, em São Paulo, os cursos de especialização em Neuroaprendizagem (parceria do Núcleo de Aperfeiçoamento Profissional e Estudos Avançados em Dificuldades de Aprendizagem, Psicopedagogia e Neuroaprendizagem e o Instituto Saber Cultura).
Publicado em 11 de setembro de 2012
Publicado em 11 de setembro de 2012
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