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Impressões estrangeiras

Alexandre Amorim

É como se uma câmera de cinema fizesse um zoom, fechando o ângulo e se aproximando, vindo de cima, exibindo antes um vilarejo, focando em uma pequena praça onde três crianças jogam bola num campo gasto e um bar é frequentado por oito ou dez pessoas, espalhadas em três ou quatro mesas. Quando a câmera fecha no bar, o ângulo muda de cima para focar as pessoas e as mesas de frente, em um plano geral.

Era como se eu tivesse caído de paraquedas nesse bar. Em uma mesa, sozinho. Querendo escrever, mas distraído pelas vozes em volta de mim, uma sinfonia bastante desafinada de sotaques baianos, franceses, paulistas, ingleses e alemães. Eu, um carioca atípico, que estranha mas gosta de sotaques, tentava entender um pouco de cada um. Ali todos pareciam estrangeiros. Todos maravilhados com um lugar que nasceu para ser turístico – uma ilha da Bahia. E essa maravilha (junto com cervejas e caipirinhas) deixava todos mais à vontade para expressar impressões. Que seguem, soltas:

Um grupo francês experimenta pela primeira vez a caipirinha. Caretas, risos, alegria antecipada da pequena alteração que aquela mistura de limão, açúcar e cachaça dá. Quase se ouve um “uh-lá-lá!”, mas as tentativas de pronunciar “caipirinha” corretamente e a curiosidade de saber o que aquela palavra significa concorrem com as onomatopeias de prazer. O dono do bar explica, em português que nenhum deles vai entender, que caipirinha é uma moça do interior. Nem eu mesmo entendo o que a moça da roça tem a ver com a bebida. Eles se olham e riem, felizes de serem estrangeiros em um país de sabores tão bons.

Em outra mesa, um alemão também sofre com os problemas de tradução, enquanto um paulista tenta explicar o neoliberalismo de FHC e a fase negra da ditadura. “O Brasil já foi militarista”, ele afirma, e dá a impressão de que o país vivia em guerra. Nunca considerei meu país militarista, e sim um país que passou sob o jugo dos militares. Ele continua, agora com uma versão teórico-conspiratória de que o desastre automobilístico que matou Juscelino foi proposital. Quando olho para os dois, ele tenta minha cumplicidade. “Não foi?”. Eu rio, digo que não sei. Estou aqui como voyeur.

Não consigo identificar bem em que momento a conversa saiu da área política para versar sobre artes. O paulista começa a citar nossos compositores: Villa-Lobos, Chico, Caetano, Cartola. Quase deixo minha confortável posição para me tornar agente ativo daquela conversa quando Tom Jobim é dito “mais arranjador do que compositor”. Mas achei desnecessário desmentir a informação. O interlocutor alemão vai saber a verdade, mais dia, menos dia. Tom Jobim é universal.

Um ilhéu pergunta a duas francesas em uma terceira mesa se elas têm cigarro. Elas entendem a mímica, oferecem um Gauloise, que o baiano acha fraco e reclama. Aí elas já não conseguem compreender e me pedem ajuda. Eu desconheço o idioma de Rimbaud. Falo em inglês, que acaba sendo a língua comum daquela mini-ONU. Perguntam se estou de “vacaciones” e eu respondo que brasileiro odeia quando acham que a gente aqui fala castelhano. Elas se desculpam, o ilhéu aproveita para pedir mais um cigarro.

A tarde vai indo embora, a praça não tem iluminação elétrica. Lua crescente, luz fraca do bar. As conversas se estendem em uma babel precária e sem pretensões de chegar ao céu. Os estrangeiros, depois de passear pelas praias e beber caipirinhas, já se sentem no paraíso.

Publicado em 18/09/2012

Publicado em 18 de setembro de 2012

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