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Cosme, Damião e Aparecida
Alexandre Amorim
– Mas que coincidência encontrar vocês por aqui!
– Coincidência por quê? Não estamos no fim de setembro?
– Estamos, sim, é verdade.
– Nós é que achamos estranho a senhora já estar vindo para cá, também.
– Ah, eu vou devagar. Muitos afilhados, muita gente para falar. Paro muito no caminho.
– É, aquela basílica fica apinhada de gente, a cidade fica que é um inferno!
– Que é isso, menino? É coisa que se diga?
– Perdão, mãezinha. A senhora entendeu.
– Entendo, mas não esperava que vocês estranhassem confusão de gente. E a molecada que corre pela rua para pegar seus doces?
– A senhora, mais uma vez, nos desculpe. A molecada vai numa alegria danada, vai suando, perde chinelo, fica sem almoçar, mas fica todo mundo feliz, de barriga cheia de açúcar, de Maria-mole, doce de abóbora, bananada...
– E o povo da minha procissão vai triste?
– Olha, não é que vá triste, mas tem uma agonia naquela gente que nós não entendemos.
– Uai, é devoção, gente! Vocês não são santos? Deviam entender!
– A senhora sabe que nossa santidade é misturada, que nós viemos de tantas figuras, de ibeji, dos gregos, de tanto lugar... Somos mais amálgama do que santos.
– Essa indefinição é muito moderna para o meu gosto. Sou santa e, para mim, vocês também são.
– Nós ficamos lisonjeados, mas tem um lado bom nessa nossa liberdade que deixa a gente mais próximo da molecada.
– Cada povo com seu santo, cada santo com seu povo.
– Sabedoria divina, Santa Aparecida.
– Eu sei.
Silêncio um tanto constrangedor. Mas os três seguem o mesmo caminho, vindo para festejar seus dias na longa caminhada entre a morada celestial e o Brasil. Eu disse três, mas a todo momento temos a impressão de que, entre os gêmeos Cosme e Damião, caminha um menino menor, vestido como eles, que aparece e desaparece como assombração, mas não quer meter medo em ninguém. É mais como brincadeira de criança, de esconde-esconde. De brincar de ser alguém que não se é. De existir e não existir.
Aparecida caminha risonha, olha o pequeno que some e aparece, brinca com ele só com o olhar. Cosme e Damião admiram a santa, que anda com seu manto azul e dourado, anda com sua elegância e sua nobreza, mas não se esquece de andar com seus pés descalços. Os três (ou quatro) caminham juntos, comungando santidade e humanidade. Ave e salve!
Publicado em 09/10/2012
Publicado em 09 de outubro de 2012
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