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Sorria ou chore, mas acredite: você está sendo filmado! Vigiados ou protegidos, devemos rir ou lamentar diante das câmeras?

Tatiana Serra

Proteção para os alunos. O discurso é quase o mesmo para explicar por que instituições de ensino têm optado pelo monitoramento por meio de câmeras de vídeo instaladas nos corredores, nas salas de aula e até mesmo nos banheiros.

Elas alegam que essa atitude irá manter a ordem, coibindo as brigas, o vandalismo e até os furtos (mais frequentes do que se imagina nas escolas). E muitas ainda afirmam que o monitoramento é positivo mesmo para os professores, solucionando possíveis problemas entre eles e os alunos, como discriminações e maus-tratos, além de ser possível monitorar o desempenho dos docentes em sala de aula. Seria um reality show para teachers? Esse segmento talvez ainda não tenha sido explorado pela TV...

Entregando os pontos

Porém, ao optar pela utilização de câmeras como controladoras do ambiente escolar, não estariam as escolas sinalizando a falência da política educacional? Estariam professores, coordenadores e diretores decretando a falta de capacidade para cumprir suas devidas funções?

“A utilização de câmeras mostra apenas que o professor não tem condições de desempenhar o seu papel e que é preciso monitoramento para coibir o aluno de praticar qualquer ato considerado errado. Além disso, a escola parece partir do pressuposto de que todo aluno é um delinquente e que é necessário ‘adestrá-lo’ com o apoio das câmeras. Isso representa a implementação de uma espécie de ditadura em sala de aula... Mas não se pode usá-las de qualquer modo; deve haver uma indicação clara de uso. Definitivamente, monitorar em nada contribui na educação dos estudantes”, afirma o mestre em Educação e professor André Rosa, em entrevista à Gazeta do Povo.

Em vez de proteger, esse monitoramento pode causar o efeito contrário: o aumento do medo e da desconfiança, sem contar a retirada total da privacidade e da espontaneidade de todos. “O uso de câmeras nas escolas pode criar uma política do medo e da delação no sistema educacional. A sociedade parece se encaminhar para aquela condição que o filósofo francês Michel Foucault anunciava na década de 1970: um sistema de excessiva vigilância e de punição. É dessa forma que se está querendo educar os estudantes?”, questiona André Rosa.

Em setembro de 2012 foram instaladas câmeras de segurança no Colégio Rio Branco, um dos mais tradicionais de São Paulo, e isso causou o protesto imediato dos alunos. Eles alegaram que não teriam sido nem informados sobre a medida. Mesmo assim, 107 deles foram suspensos pela escola. De acordo com o representante da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da OAB, Ariel Castro Alves, o colégio teria infringido o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Pela metade: meio protegidos, meio vigiados

Motivado pela atitude do Colégio Rio Branco e pela reação dos alunos, o filósofo e escritor Hélio Schwartsman buscou em alguns filósofos a explicação para esse “modismo”. Para Emrys Westacott, o grande problema das câmeras é que elas funcionam. É como se, ao “acender os holofotes”, as pessoas começassem a se comportar melhor, unindo a obrigação coletiva (o cumprimento de regras) ao interesse próprio (não ser apanhado). “E como ser contrário a isso?”, pergunta Hélio, já respondendo pelo pensamento do prussiano Immanuel Kant:

um homem pode fazer a coisa certa por temer a sanção ou por reconhecer a racionalidade por trás da norma. Só na segunda hipótese ele age de forma moral e livre. É só aí que ele se constitui como sujeito autônomo.

Hélio destaca ainda que, ao jogar o interesse para o mesmo lado da obrigação, as câmeras nos privam da liberdade de fazer o que é certo, isto é, impedem nosso crescimento como agentes morais.

Talvez Hélio esteja mesmo certo; pelo menos suas palavras merecem nossa reflexão. Responder o que é certo ou errado, filmar ou não, vigiar ou proteger, tudo deve depender do contexto. A maioria de nós está acostumada e é favorável à colocação de câmeras em lugares públicos, como aeroportos, shoppings e condomínios, por passar a sensação de segurança. Mas não reagimos muito bem quando elas estão em ambientes mais privados, como em nossas casas, no local de trabalho ou nas escolas (apesar de muitos optarem por creches que ofereçam monitoramento online aos pais). E a razão de tudo isso, segundo Hélio, “é que prezamos a ideia de aprimoramento moral”.

Pode ser que algumas escolas já tenham chegado a um momento em que não haja como voltar atrás (não para esta geração), e que a solução momentânea seja vigiar, até que se encontre um caminho melhor, nem que seja apenas para a próxima geração de alunos. Em outros casos, essa não deve ser a próxima decisão a ser tomada, por haver ainda outras alternativas a serem experimentadas. Existem casos ainda em que há a possibilidade de haver câmeras apenas em ambientes comuns, como corredores e pátios de recreação, e que suas filmagens só precisem ser resgatadas diante de um problema apresentado.

Qualquer atitude será sentida por todos e terá consequências para esta e para as próximas gerações de alunos e professores. O que se passa no ambiente escolar é reflexo da vida privada e do que se passa na sociedade. E, afinal, já estamos vivendo em vigilância, sem que nos demos conta disso!

Link

Notícia sobre os alunos do Colégio Rio Branco na Folha de S. Paulo

Publicado em 9 de outubro de 2012.

Publicado em 09 de outubro de 2012

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