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O papel da escola na neogênese da afetividade humana
Eduardo Beltrão de Lucena Córdula
Especialista em Educação, Licenciado em Biologia, pesquisador da UFPB/CE-CNPq; professor da Prefeitura Municipal de Cabedelo-PB
A educação, materializada na escola, é um dos direitos humanos fundamentais para a realização de uma série de outros direitos humanos. Quem, senão a prática educativa nas escolas, pode realizar de maneira intensa o direito humano que nos diz respeito que toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de fazer parte do progresso científico e de seus benefícios? Este é o objetivo central da escola: possibilitar o acesso aos bens científicos e culturais produzidos pela humanidade. Igualmente, é nessas práticas que conquistamos o exercício da liberdade de expressão, do acesso à informação que possibilite o usufruto dos direitos civis e políticos, dos direitos sociais e econômicos. Lembrando, sempre, que cada um desses direitos implica seu dever correlato, posto que o direito è necessariamente universal (Schilling, 2004, p. 69).
A violência da sociedade está sendo visualizada pelo comportamento do alunado na escola, que externaliza o que vem absorvendo diária e provavelmente na família, na comunidade e alimentada pela mídia, à qual o mesmo tem acesso abertamente (internet, televisiva, impressa etc.), e tais transformações internas se transmutam no bullying; na violência verbal e física; na busca pelas drogas; nos preconceitos (racial, de gênero, religioso, homofóbico, xenofóbico etc.); na falta das educações sexual, ética e ambiental; na falta de espiritualidade e afetividade (Córdula, 2011a; 2011c).
Além da vitimização direta, há um tipo de vitimização difusa ou coletiva que nos afeta a todos. Não somos mais os mesmos após os relatos da mídia, que cotidianamente nos apresenta o horror dos crimes urbanos, das imagens das guerras internacionais. Vamos sendo construídos como subjetividades atemorizadas (Schilling, 2004, p. 36).
É, portanto, de extrema necessidade fazer uma avaliação diagnóstica desses acontecimentos na escola (Córdula, 2011a; Silva, 2010), mesmo que ocorram caos esporádicos, para, como entidade preparadora do aluno, intervir internamente e, junto com as famílias, conseguir realizar as mudanças dos paradigmas atuais e, consequentemente, os alunos tornarem-se cidadãos plenos, conscientes e atuantes em sociedade. Caso contrário, teremos apenas uma educação “bancária”, depositando conhecimentos da matriz curricular nos alunos e formando um ser humano incompleto (Freire, 1997; Córdula, 2010b). Negar esse papel educativo é negar a si mesmo como educador(a), professor(a) e pesquisador(a).
Chega de amostras quantitativas, de preocupações superficiais. Devemos expandir qualitativamente o ensino, ascendendo a nossa forma de atuar e se relacionar com o nosso alunado, que, pelo exemplo, demonstração, vivência e práticas cotidianas, tenderão a mudar sua posição perante todos com os quais se relacionam (Nolte; Harris, 2009; Córdula, 2010c). A educação conteudista, que prioriza apenas isso, não produz seres humanos conscientes, mas uma educação contextualizada; esta, sim, traz à luz o debate necessário para que mudanças ocorram e sejam incorporadas ao paradigma social contemporâneo, para voltarmos a ter afetividade real, que desperte a sociedade dessa inércia perante o caos que está implantado (Córdula, 2010c).
Nesse sentido, não podemos apenas esperar por políticas públicas que verdadeiramente tragam resultados a curto prazo, pois estas estão distantes da realidade na qual a escola vive, e a chave de todo o processo está em descobrir o mundo vivenciado pela ótica do alunado, para, através de sua leitura (Freire, 1989), estimulá-lo a uma re-leitura e colocá-lo sobre uma autoavaliação crítico-social e problematizadora contextualizada (Pozo, 1998), que o sensibilize e, através de atividades socializadoras, consigamos resgatar sua humanescência muito fragmentada (Cavalcanti, 2010).
A concepção holostêmica
Córdula (2011b) propõe, na concepção holostêmica, a totalidade do ser humano a partir de sua essência vital (biológica), histórica, espiritual, afetiva, cultural, social, ambiental, enfim, todos e quaisquer aspectos que determinam e conduzem o ser humano no universo exterior e interior; suas influências, bem como é influenciado e influencia tudo à sua volta, todo o tempo e o tempo todo, numa busca frenética de autoconhecimento e sustentação perante o sistema existência da vida.
A holostemia visa reintegrar o ser humano à sua essência completa, como entidade biológica, evolutiva, espiritual, natural, cultural, social, política, histórica e antropológica. A sua proposta pedagógica é exatamente resgatar em todas as disciplinas e em todos os níveis de ensino a essência humana há muito perdida, desmaterializando a necessidade do ter, para sermos numa sociedade humana igualitária e visualizada de uma ótica de entidade única que pertence ao sistema vivo chamado Terra (Córdula, 2011b, p. 3).
Compreender sua importância é iniciar uma mudança individual de filosofia de vida para interagir de forma harmoniosa com as pessoas à nossa volta, de forma pelo fluxo homeostático, influenciar indiretamente uma mudança de vida e diretamente agir de forma a propor novas concepções dialéticas entre as partes ainda não despertas e desconectas da essência humana para, com o passar do tempo, termos seres humanos holostêmicos ativos na sociedade e multiplicadores dessa concepção de vida e de prospecção de futuro para a humanidade e este planeta que habitamos e chamamos de lar, mas que, ao mesmo tempo, agredimos pela inconsciência da holostemia (Córdula, 2011b).
A sensibilização
Sensibilizar é o primeiro passo na direção da tomada de consciência de que cada indivíduo irá caminhar sobre como é afetado pela problemática coletiva da falta de afetividade, e tal processo é atingido por meio de atividades prazerosas e estimulantes, com utilização de técnicas e procedimentos diversificados, que vão além do simples conhecimento didático do domínio educacional, no qual podemos incluir as dinâmicas de grupo e a as atividades lúdicas (oficinas) (Córdula, 2011d), que, combinadas, passam a ser um repertório de extrema importância no seio escolar, além de ampliar a capacidade dos alunos de abstrair sua realidade, de somar esforços com um único objetivo, trabalhando em equipe, e quebrar o paradigma da individualidade tão presente hoje, por inúmeros fatores que entranharam em nossa sociedade e influenciam negativamente a condição humanista do ser humano (Córdula, 2011a).
A afetividade ressurgirá como um catalisado do processo de entendimento, pois retira toda a roupagem individualista e materialista imposta a nós mesmos por esse modo de vida insustentável para trazermos uma sustentabilidade real e harmônica com o universo interior e exterior, para garantirmos, assim, um futuro para este planeta e para nós mesmos (Capra, 2002; 2006; Córdula, 2010a; 2011b).
Conclusão
Interromper o atual paradigma de inversão de valores que se infiltrou na essência da sociedade contemporânea é uma tarefa vital a ser desenvolvida junto com a família, a comunidade e a escola, para, unindo esforços e atuando em uma ampla formação de todos os seres humanos envolvidos, conseguir a curto, médio e longo prazo, construir verdadeiramente um novo paradigma social (Caetano, 2011).
Adotando pedagogias afetivas e incorporando-as ao dia a dia, como preconizava Freire (1997), que amava e transmitia esse sentimento diretamente no ato de educar, para, finalmente, permanecermos em um estado individual de homeostase holostêmica (Córdula, 2011b), disseminando e expandindo positivamente a todos à nossa volta e transformarmos o meio para estas e as futuras gerações.
Referências
CAETANO, L. M. Relação Escola Família: uma proposta de parceria. Disponível em: http://www.seufuturonapratica.com.br/intellectus/_Arquivos/Jul_Dez_03/PDF/Luciana.pdf. Acesso em: 26 mai. 2011.
CAPRA, F. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Cultrix, 2002.
______. O Ponto de Mutação. 26ª reimpressão. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 2006.
CAVALCANTI, K. B. (Org.). Pedagogia vivencial humanescente: para sentirpensar os sete saberes na educação. Curitiba: CRV, 2010.
CÓRDULA, E. B. L. Mudanças de paradigmas na metodologia do ensino de Ciências em turmas do Ensino Fundamental de uma escola pública, Cabedelo-PB. In: ALBUQUERQUE, H. N. et al. Anais do Congresso Nordestino de Biólogos – Congrebio 2010. Campina Grande-PB: Rebibio, [CD-ROM] 2010a.
______. Educador e educando. Jornal da Paraíba, João Pessoa, Cidades, p. 05, 28 set. 2010b.
______. Educação e sociedade. O Norte, João Pessoa, Cidades, p. 05, 17 nov. 2010c.
Publicado em 24/01/2012
Publicado em 24 de janeiro de 2012
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