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Palavras sinistras

Mariana Cruz

Quando o assunto é sobre a importância da pontuação em uma frase, pode-se lançar mão do clássico exemplo: “se o homem soubesse o valor que tem a mulher andaria de quatro à sua procura”. Dizem as más línguas que as mulheres tendem a colocar a vírgula depois de “mulher”, enquanto os homens colocam-na, invariavelmente, depois de “tem”. Essa simples alteração praticamente inverte o sentido da frase: se no primeiro caso a mulher está com tudo, no segundo, o homem seria o objeto de desejo.

Foi pensando na importância da pontuação que me chamou a atenção a frase em uma placa fincada num canteirinho perto de casa: “cuidado crianças”. Assim do jeito que está: sem pontuação alguma. Trata-se de um aviso um tanto confuso. É provável que a razão dele seja evitar que as crianças pisem ali, pois deve ter veneno de rato ou algo parecido. Mas, se pensarmos bem, tal frase, escrita dessa forma dá margem a, pelo menos, duas interpretações além dessa: “cuidado: crianças”, em que os infantes são vistos como verdadeiras pestinhas, com os quais devemos ter cuidado ao nos aproximarmos (em alguns casos isso até procede!); mas também poderíamos interpretar como “cuidado, crianças!”, como se a mensagem estivesse diretamente dirigida a elas, como um alerta. Esta opção nem é tão absurda assim, mas esbarra no fato de que grande parte das crianças que correm o risco de pisar naquele canteiro ainda não sabem ler.

Tal alteração de significado não ocorre somente devido à mudança de pontuação, existem palavras que, dependendo do contexto tomam sentido bem diferente do original. Algum tempo atrás, por conta de uns problemas de saúde, percebi que, nos relatórios médicos, o adjetivo “importante” é praticamente um eufemismo para ”grave”. Ou seja, se em um laudo está escrito que há uma lesão, inflamação ou qualquer coisa importante, vá já procurar tratamento.

Algumas palavras, principalmente as utilizadas na linguagem coloquial pelos jovens, podem, ora significar uma coisa, ora outra (às vezes até o oposto do sentido original). Nesses casos o que vai mostrar qual o sentido pretendido pelo falante é a entoação ou o contexto em que é dita: se, em uma reunião de políticos conservadores, um membro é chamado de radical, periga de ele ser expulso do partido; mas, em um campeonato de surfe, dizer que um dos concorrentes tem um surfe radical é um tremendo elogio. Caso parecido ocorre com o termo “sinistro”, bastante utilizado pelos adolescentes. Não bastassem os múltiplos significados dicionarizados: “canhoto”, “agourento”, “funesto”, “pernicioso”, “mau”, “assustador” (e também o termo jurídico, que é substantivo e representa um dano colocado no seguro), o sentido adotado pela garotada é, por vezes, bem distinto de todos esses. Pode ser sinônimo de algo muito bom: “aquela banda de rock é sinistra”, ou seja, eles tocam muito bem; mas também é usado próximo ao seu sentido de origem: “a Lady Gaga estava sinistra quando colocou aquela roupa feita de carne”, isto é, estava medonha quando usou tal traje. A palavra “fera” também tem diferentes usos, podendo ser elogioso e não: “a diretora de escola é uma fera”, isto é, é muito rígida, severa, brava. Mas também pode significar que alguém é muito bom naquilo que faz: “Ana Botafogo é fera no balé”, “Saramago é fera na escrita”.

Com determinada palavra de baixo calão, essa forma dúbia também acontece, como ouvi meus alunos falando sobre um colega: “o Diego é f...! Gabaritou a prova de Matemática” e, minutos depois, escuto na mesma turma alguém reclamando: "meu irmão é f... deixa um monte de prato sujo na pia”.

E o que dizer da expressão “literalmente”, que ultimamente tem sido usada de modo nem um pouco literal? Li, não lembro onde, alguém que criticava justamente o uso indevido que ela vem ganhando ultimamente; e o autor dava o exemplo: “literalmente, cai de paraquedas na reunião”. Se realmente for literal isso, as pessoas da reunião devem ter ficado um tanto assustadas, além disso, torçamos para que fosse uma reunião em campo aberto, pois o susto seria ainda maior ao ver o paraquedista quebrando o teto e caindo na sala de reunião. E quando alguém diz que está “literalmente morto de fome”? Das duas uma: ou não precisamos mais nos preocupar, pois o cidadão já passou desta para melhor, ou saímos correndo com medo do fantasma faminto.

Realmente é muito sinistro o significado que certas palavras adquirem com o uso. Literalmente.

Publicado em 16 de outubro de 2012

Publicado em 16 de outubro de 2012

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