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Raduan Nassar, ex-escritor (?)

Alexandre Amorim

Descendente de libaneses comerciantes de tecidos, Raduan Nassar nasceu em 1935 no interior do Estado de São Paulo, na cidade de Pindorama. Pois foi dessa cidade com nome de nação indígena que o escritor saiu para estudar na capital paulista, onde iniciou os cursos de Direito e de Letras na USP. Dois anos depois, ainda cursando Direito, ingressaria (também na USP) em Filosofia, único a ser concluído. No começo dos anos 1960, Nassar dividia seu tempo entre a criação de coelhos, a literatura e o jornalismo. A década foi produtiva para o escritor, que iniciou seus dois romances e ainda escreveu alguns contos.

Seu primeiro romance, Um copo de cólera, só viria a ser publicado em 1978, enquanto sua segunda obra, Lavoura arcaica, foi publicada em 1975. Sua coletânea de contos, Menina a caminho, saiu no final da década de 1990, com apenas um conto inédito, quase dez anos depois de o escritor ter declarado que não mais escreveria; passaria a apenas cuidar de sua fazenda.

Aos interessados em literatura, os dois romances e os contos de Nassar são obrigatórios. Embora escritos em um espaço pequeno de tempo, apresentam histórias bastante diferentes entre si em relação ao conteúdo e à forma narrativa, mas ao mesmo tempo carregadas do estilo marcante do autor: diálogos carregados de visceralidade e reflexão filosófica, além de uma espécie de “eterno retorno” de situações, imposto pelas relações. A discussão da submissão e do desejo como movimentos determinantes é colocada tanto na conversa carregada de paixão do casal de Um copo de cólera quanto nos desafios de André em relação a seu pai em Lavoura arcaica. Seja envolto em uma luta por autoridade, seja embalado por uma paixão neurótica, o conflito entre desejos é o ponto de partida mais comum em Raduan Nassar, que traz a desconstrução dos discursos de seus personagens para serem observados de maneira crua pelo leitor.

São livros e contos que prendem da primeira à última página, geralmente em narrativa em um ritmo apressado. Mas, mesmo quando essa narrativa se torna reflexiva e lenta, como o discurso do pai sobre o tempo, ainda assim o fluxo literário dificilmente vai poder ser interrompido pelo leitor. Nassar impõe um lirismo poético à sua prosa, e a poesia requer ritmo de leitura.

O autoexílio da vida literária foi uma triste surpresa para aqueles que já conheciam sua obra e uma perda para todos que gostam de ler. A despeito disso, o autor dizia à Folha de S. Paulo, em 1984, que sua cabeça fervilhava “com outras coisas, ando às voltas com agricultura e pecuária, procurando me enfronhar sobre tratores, implementos, formação de pastos, tipos de capim, braquiária, pangola, setária, humidícola”.

No ano passado, o fazendeiro Nassar brindou o mundo com nova surpresa: doou sua fazenda à Universidade Federal de São Carlos, desde que fosse usada para construção de novo campus. Outras terras suas já haviam sido loteadas e doadas a trabalhadores da região. Hoje, vive entre uma fazenda bem menor do que aquela que doou e um apartamento na cidade de São Paulo.

Aos fãs do escritor, restam duas perguntas. A primeira é quase um consolo: um escritor deixará de ser, um dia, um escritor? A maioria dos seus leitores muito provavelmente vai preferir responder que não. A segunda pergunta continua sendo repetida por jornais, acadêmicos e fãs: por que Raduan não escreve mais, ou, pelo menos, não publica mais o que escreve? Por que ele começou e parou de escrever?

O próprio Raduan respondeu, um dia: “foi a paixão pela literatura. Como começa essa paixão e por que acaba, não sei”.

Publicado em 23 de outubro de 2012

Publicado em 23 de outubro de 2012

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