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Mudando de casas
Alexandre Amorim
Antônio e Helena não cabiam mais na pequena casa em que moravam. Não estavam mais gordos nem mais compridos, mas Antônio pedira demissão para trabalhar apenas com tradução em seu computador doméstico e Helena não precisava mais passar o dia na universidade, já que estava na fase de escrever a tese de doutorado. Além, é claro, do fato de que Antônio e Helena não serem mais apenas os dois, mas ele, ela e o pequeno Frederico. A casa ficara pequena.
E o pequeno fato Frederico exigia que aquela casa de quarto e sala fosse deixada de lado. Pelo menos que houvesse um quarto a mais, para que o bebê saísse do quarto dos pais e aprendesse a chorar através da babá eletrônica. A mãe ficava com um aperto no coração, mas o pai lembrava que filho grudado é a pior coisa do mundo e mostrava um artigo numa seção de saúde e medicina do jornal local. Jornal, inclusive, que agora serve para embrulhar copos e taças para a mudança. As caixas de discos, livros e roupas haviam ido na caminhonete do cunhado, a pintura da casa nova foi feita pelo tio, a faxina feita pela família toda – aquela mudança era uma joint venture. Mas copos, taças, quadros e o computador iam no carro do casal. A avó materna mantinha Frederico quieto, no colo.
Foram três dias de mudança, incluindo os últimos apertos de parafusos e os últimos pregos nas paredes. Fogão ligado, geladeira funcionando, armários, prateleiras, cama, um berço (novo!), sofá, TV e DVD, tudo no lugar, tudo conforme o planejado. As cortinas não contam, porque só chegam na semana que vem.
Aí, sim. Antônio e Helena puderam colocar Frederico no cercadinho e se sentar para apreciar a nova arrumação, a nova arquitetura, o novo teto, o novo chão. E aí, sim, eles notaram como sentiam falta da casinha antiga.
Por que será, perguntava-se, em silêncio, Antônio.
As coisas aqui parece que não ficaram no lugar certo, comentou, de repente, Helena.
Antônio olhou para ela, mas não respondeu. Riu, só.
Quanto tempo a gente ficou na casa antiga, Antônio?
Oito anos.
Uma vida.
Uma vida de gato, né?
Gato tem sete vidas, Antônio.
Helena, você achou bom a gente se mudar?
Mudar é bom, né?
Não sei.
Dizem que sim. Que faz bem mudar. Eu tô achando ruim.
Antônio se calou. Será que eles tinham se esquecido de alguma coisa na casa antiga? Uma peça de enfeite que fazia falta, um retrato que eles costumavam olhar enquanto conversavam, uma xícara que ele gostava de usar pra tomar chá?
Você trouxe suas meias de dormir de estimação?
Tô com elas, Antônio.
Ah, é.
Não era isso. O aconchego das meias estava lá. O aconchego de Helena estava lá.
Aqui não é muito aconchegante, né?
Nada aconchegante.
Oito anos naquela casinha. Eu já estava muito acostumado. Aquele apertadinho, parecia um útero. Quentinho, quietinho. Aqui tem muito espaço, o vento toma conta, vem barulho da rua...
Nossa casa é de fundos. Mas eu te entendo.
E o bom de toda aquela mudança era isso: eles continuavam se entendendo. Sabiam que a casa antiga era quentinha, silenciosa, um abrigo de tudo. Mas sabiam que, se eles resolveram sair, era porque precisavam de mais espaço, mesmo que fosse um espaço diferente daquele com que já estavam acostumados.
Antônio, é questão de costume. A gente muda, mas quer mesmo é se acostumar.
Acho que sim. Mas continuo desconfortável aqui.
Calma, não é de uma hora pra outra. Parece que tudo é diferente e novo, leva tempo pra se acostumar. Vai ver como está o neném.
Antônio levantou, beijou Helena e foi até o quarto do filho.
Frederico, ainda tão pequeno, dormia, feliz da vida e aconchegado em seu bercinho novo.
Publicado em 13/11/2012
Publicado em 13 de novembro de 2012
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