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A importância do "saber ser": juízos formativos e a ética social

Karina Arroyo C. G. Pereira

Cientista Social (UCAM) e pós-graduada em Sociologia (FIJ)

Embora haja supremacia irrestrita dos meios técnico-científicos no ambiente pedagógico, ressalto e relevo como ponto determinante para o desenvolvimento completo do indivíduo, e, por conseguinte, de todo o processo educativo os valores morais coletivos, que norteiam a vida social e marcam notadamente as relações interpessoais e as questões de autonomia crítica do aprendente, tendo em vista que englobam questões subjetivas nas quais o docente deverá ter o domínio adequado e eficaz para intervir produtivamente no processo de apreensão dos conteúdos.

Sabe-se há muito da importância da autonomia reflexiva do discente, principalmente no ensino superior, que visa, em última medida, à formação de pesquisadores capazes de empreender com êxito conclusões empíricas no campo das ciências humanas, nas artes e nas ciências exatas. Todavia, essa autonomia crítica, imprescindível mesmo no ensino técnico, não surge por um ímpeto individual, sem estímulo ou principalmente sem embasamento psicossocial; por isso, é nesse ponto que ratifico a importância do “saber ser”, acima de qualquer outro pilar didático.

Principia-se por lograr êxito na vida acadêmica, a partir do momento que a capacidade de individualidade afetiva, intelectual e social encontra-se plena e perfeita, capaz, sobretudo, de ser exercida em sala de aula, que é, em menor escala, o ambiente social que cerca o aluno. Pode-se citar, com este último exemplo, a Escola Ativa, pragmática, que busca recriar o ambiente social no diminuto campo da sala de aula, produzida para que o aluno se defronte com as dificuldades cotidianas e com exercícios que aprimorem a busca de soluções individuais e originais que tragam boas soluções para todos.

Apesar de ser um ensino personalizado e atualmente difícil de ser implementado em escolas e universidades públicas no mundo moderno, poderia ser uma excelente alternativa à enxurrada tecnológica que exige atitudes, decisões e uma sólida independência reflexiva e afetiva do indivíduo imerso na exigente agilidade contemporânea. Tal exemplo mostra o quanto é importante uma sólida porém flexível ou adaptável formação moral, em que juízos de valor não são simplesmente reproduzidos na dicotomia Bem/Mal atrelada a recompensa ou castigo, mas no exercício da liberdade psíquica, em que os corolários negativos levam o aluno a perceber o quão de demérito alguns valores morais podem trazer à vida social; portanto, os juízos morais são exercitados conscientemente, como um imperativo categórico, ou seja, agir de tal forma que todos possam repetir esse gesto, de tal forma que se torne uma norma universal; logo, os juízos de valor são socialmente construídos por meio da reflexão e da conclusão que o respeito à coletividade e às instituições são de fato, importantes e bem-vindas no meio social. Estou me referindo aqui ao imperativo categórico, de acordo com o conceito kantiano, que afirma: “Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal”.

O que nada se assemelha ao ensino bancário, reprodutivo e passivo. É no pensamento de Herbart, sem dúvida o autor mais influente na teoria educativa do século XIX, que constatamos melhor a influência da Psicologia moral. Como outros pensadores da sua época, Herbart (1776-1841) é, sobretudo, um filósofo que concebe a educação como uma aplicação prática da Filosofia. A ele devemos a ideia – que permanece atual – de que a Filosofia moral tem a responsabilidade de estabelecer os fins da educação e do ensino, cabendo à Psicologia proporcionar os meios necessários para alcançar esses fins.

Local com seu modo de vida típico, com particularidades e cultura.

As normas morais pressupõem um livre-arbítrio condicionado somente à vontade do indivíduo, mesmo que embasado no ethos em que vive, ou seja, convicto de que suas escolhas morais estejam inclinadas para o Bem, tendo como substrato a sociedade ao redor, com seus hábitos sociais, sua histórica evolução de costumes e sua cultura de modo geral. O campo de ação individual é onde o aprendente exerce suas vontades, sua liberdade, sempre condicionada ao direito do semelhante, respeitando-o e sendo solidário, a partir do exercício consciente das virtudes individuais.

Tais normas universalmente válidas devem estar inseridas no cotidiano social, de forma que ele sempre as siga, por uma convicção historicamente construída de que os juízos de valor devem ter uma práxis social válida universalmente, daí, como já foi comprovado por estudos no campo da liderança e da Psicologia Social, o indivíduo respeita a afetividade alheia, os limites da liberdade que lhe cabem, tem segurança no campo da afetividade e menos problemas interpessoais, pois a autoconfiança cresce proporcionalmente à responsabilidade, o que aumenta o rendimento escolar ou amplia as possibilidades de ascensão na carreira.

Trata-se da questão da liberdade, tema tão debatido no círculo acadêmico e que determina questões como as de cunho jurídico, de Direito Civil, de coesão social e de autorregulação, como Aristóteles afirma: a liberdade é “o poder total e incondicionado da vontade para determinar a si mesma”. Nesse sentido, adentramos novamente o âmbito da individualidade e da responsabilidade social. Como se pode ver, a autoconsciência da liberdade ética é imprescindível, e é função pedagógica a transmissão desses conceitos de forma que o indivíduo assimile voluntariamente. Essa instrução educativa, que forma a vontade ou o querer e modela o caráter, é a verdadeira tarefa da escola. O meio de conseguir esta instrução educativa é produzir, no espírito da criança, um interesse multíplice.

Como expoente máximo dessa concepção tem-se Paulo Freire, que enfatiza a necessidade de uma reflexão critica sobre a prática educativa, sem a qual a teoria pode se tornar apenas discurso e a prática, uma reprodução alienada sem questionamentos. Defende ainda que a teoria deve ser adequada à prática cotidiana do professor, que passa a ser um modelo influenciador de seus educandos, ressaltando que , na verdadeira formação docente, devem estar presentes a prática da criticidade e a valorização das emoções.

Conclui-se que, a partir do campo da liberdade consciente, encontramos subsídio para o êxito intelectual, haja vista que qualquer projeto político-pedagógico tem a intenção não apenas da formação de teóricos, arcabouço de conteúdos, mas de cidadãos conscientes dos limites individuais, confiantes de seus papéis na sociedade que os recebe e, principalmente, um pesquisador e cientista em potencial, devido à autonomia reflexiva e intelectual, capaz de suscitar, como em Platão e sua maiêutica, a curiosidade hipotética, as soluções e os imperativos científicos necessários ao progresso da humanidade.

Referências bibliográficas

BORIS, Cyrulnik, MORIN, E. Diálogo sobre a natureza humana. São Paulo: Instituto Piaget, 2004.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 37ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2012.

MORIN, E. A cabeça bem-feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

Publicado em 27/11/2012

Publicado em 27 de novembro de 2012

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