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Essa Nega Fulô: um olhar sobre a produção literária de Jorge de Lima

Silvio Profirio da Silva

Graduando em Letras (UFRPE)

Durante muito tempo, a construção do texto literário concedeu primazia a modelos fixos, que deveriam ser seguidos incondicionalmente. Com isso, o ato da construção literária devia seguir à risca padrões composicionais, estilísticos e, sobretudo, temáticos. Essa postura persistiu durante décadas no campo literário, alçando a produção literária a uma perspectiva de reprodução de modelos postos anteriormente.

Contudo, a contemporaneidade traz consigo radicais mudanças concernentes à construção e à composição do texto literário. Brotam, assim, novos modelos de escrita, ocasionando uma inovadora forma de produção literária. Destacamos, inicialmente, o fato de a composição do texto literário transcender a postura tradicional das formas fixas. Destacamos também a erradicação das barreiras e das fronteiras postas pelos estilos de época.

Esses estilos, durante longo tempo, impuseram limites ao ato da construção literária. Ora, o foco da produção literária era determinado por tais estilos, que preconizavam características estilísticas, organizacionais e, acima de tudo, temáticas. Entretanto, com a eclosão dos ideais trazidos pela literatura contemporânea, desponta o diálogo entre as tendências temáticas. O foco recai, agora, sobre as tendências temáticas (FARACO & MOURA, 1983). Rompe, dessa maneira, com os padrões a serem seguidos no ato composição do texto literário.

Tendo como pano de fundo esse contexto paradigmático, uma gama de autores passa a se dedicar a um grande contingente temático. Em outras palavras, alguns autores contemporâneos passam a primar por uma perspectiva de diversidade e multiplicidade temática. Algumas dessas temáticas, inclusive, faziam parte do leque temático de correntes literária anteriores e opostas àquelas em que estão inseridos tais autores. No entanto, o foco da criação literária não é mais os estilos de época, que se contrapunham a esse diálogo temático de escolas que até então eram concebidas como rivais, ou melhor, contrapostas. É nesse cenário que se insere a escrita de Jorge de Lima.

Consoante Andrade (1987), a produção literária de Jorge de Lima está intimamente ligada a três perspectivas. Na primeira delas, o autor segue os ideais parnasianos, que preconizavam formas a serem seguidas incondicionalmente. Na segunda, ele volta seu olhar para o Nordeste, em específico para os aspectos/fatores regionais. E, na terceira, ele toma como foco uma perspectiva de cunho religioso (ANDRADE, 1987).

No segundo prisma, objeto desta escrita, ele se debruça sobre as condições existenciais e sobre as práticas corriqueiras do dia a dia das camadas menos favorecidas da região nordestina. Ainda no que tange a essa fase, que tem o Nordeste como pano de fundo, emana uma subárea, por meio da qual Jorge de Lima se volta para as temáticas/problemáticas de cunho afro. É nesse contexto que se insere a obra Essa Nega Fulô.

Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no banguê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

No dizer de Andrade (1987), nesta subárea da perspectiva nordestina, o autor volta sua atenção para a memória dos engenhos, para as práticas escravocratas (violência, opressão, humilhações, castigos etc.). Contudo, ao realizar essa faceta, Jorge de Lima articula a dura vida e as duras condições existenciais a que eram submetidos os escravos aos aspectos sensuais e sedutores das escravas. Com isso, ele toma como foco a beleza física das escravas, valorizando assim os atributos físicos e as belezas da raça afro.

— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)

Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!
Essa negra Fulô!

Nesta obra, Jorge de Lima se debruça sobre as condições existenciais dos escravos, que eram concebidos como objetos. Para isso, ele fala do cotidiano da escrava Nega Fulô, retratando seus trabalhos domésticos, que eram solicitados por sua sinhá. São exemplos que podem ilustrar esses trabalhos domésticos: ajudar a tirar a roupa, forrar a cama, pentear cabelos, coçar as coceiras da sinhá, catar cafuné, balançar a rede, contar histórias etc.. Além disso, o autor retrata os castigos, ou melhor, as práticas punitivas a que era submetida a Nega Fulô.

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!

No entanto, ao ser castigada (açoitada), seu senhor se rende aos encantos da escrava e, por conseguinte, às belezas afro. Irrompe, dessa maneira, a perspectiva sensual e sexual a que Andrade (1987) faz alusão. É nesse sentido que Jorge de Lima, em sua escrita, articula a difícil vida dos escravos à beleza e à sedução das negras, estas representadas, nesta obra, pela Nega Fulô.

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa,
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô).

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!

O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dele pulou
nuinha a negra Fulô.

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra Fulô?

Destacamos, sobretudo, o fato de esse autor primar por uma perspectiva de versatilidade. Essa é palavra que melhor define a escrita de Jorge de Lima. Sua produção engloba uma gama de vertentes temáticas, que vão desde posturas tradicionais preconizadas pelas influências parnasianas até os aspectos regionais e existenciais da espécie humana, englobando também o cunho religioso/cristão.

Referências

ANDRADE, Fernando Teixeira de. Literatura III. São Paulo: Centro de Recursos Educacionais, 1987. Coleção Objetivo. Sistema de Métodos de Aprendizagem.

FARACO, Carlos.; MOURA, Francisco. Língua e literatura. Volume 3, São Paulo: Ática, 1983.

LIMA, Jorge de. Essa Nega Fulô.Jornal da Poesia. Disponível em: http://www.jornaldepoesia.jor.br/jorge.html. Acesso em: 05 nov. 2012.

Publicado em 4 de dezembro de 2012.

Publicado em 04 de dezembro de 2012

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