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A internet como meio de democratização artística
Juliana Carvalho
Desde os tempos antigos, o homem tem necessidade de representar, de uma ou outra forma, seus desejos e inquietudes e comunicar mensagens às pessoas com quem convivia. Exemplos disso são as pinturas rupestres, que datam de mais de 40.000 anos, e que mostram as necessidades e as qualidades artísticas de pessoas que, mesmo separadas por tanto tempo, permanecem unidas por esses vestígios que herdamos.
Mais tarde, muito mais tarde, chegaram as universidades, que estruturaram, categorizaram e distribuíram essas necessidades em diferentes áreas do conhecimento. Primeiro como disciplinas e depois em movimentos estéticos, deram uma lista sem-fim de “receitas sintetizadas” do que, em cada época, era ou não era digno de ser considerado artístico e, em consequência, legitimado. Nasceram os “ismos”, os museus e os responsáveis por decidir que obras eram dignas de pertencer ao “paraíso artístico”.
A sociedade se acostumou a receber e gerar essas manifestações e necessidades de comunicação de forma sistemática, diferenciando o que era e o que não era arte por sua possível localização nos recintos mais ou menos fechados que chamamos de museus. Durante séculos, certas pessoas, consideradas por si mesmas como as que tinham conhecimento e juízo suficientes, sempre dentro de um círculo teórico-acadêmico, foram nos cortando a decisão de “eleição” e nos puseram segundo seus “juízos especializados” diante das escolhas artísticas que elas consideravam adequadas. Isso possibilitou tratos de favor, injustiças e gente constantemente lutando contra esse sistema de “juízo crítico” de uns poucos para o grande resto.
Temos muitos exemplos para ilustrar como esse sistema foi ineficiente. Um deles está em Paris, em 15 de abril de 1881, no Boulevard des Capuccines. Na margem direita do Sena, um fotógrafo de nome Nadar, que gozava de certa reputação na alta sociedade, abriu um estúdio para que certos pintores, rejeitados pelo cânone tradicional, tivessem a possibilidade de, por 50 centavos a entrada e um franco o catálogo, apresentar pela primeira vez sua obra repudiada pela Academia. Entre esses pintores destacavam-se nomes como Renoir, Manet, Monet... Autores que hoje em dia são a inveja de qualquer sala ou museu de renome e aos quais aqueles que anteriormente os repudiaram logo lhes deram o nome de “impressionistas”. Hoje se pode ler, com irônica incredulidade, como esse movimento antes rejeitado se converteu em uma das manifestações artísticas mais importantes e influentes, não só do seu século XIX, mas da História da Arte. As pinturas impressionistas ainda hoje despertam paixão e curiosidade do público no mundo inteiro. Aqui no Brasil, uma exposição recente em São Paulo e atualmente no Rio tem atraído multidões às salas dos Centros Culturais Banco do Brasil. O interesse pelas obras de Cézanne, Monet, Renoir, Van Gogh e outros têm sido tão intenso que a instituição está oferecendo horários alternativos para visitação, até mesmo pela madrugada adentro.
Não muito tempo depois, graças aos paradoxos do ser humano, um invento criado por necessidades militares (destrutivas) totalmente opostas à cultura e à arte (como criação) nos presenteou com uma ferramenta inacreditável para possibilitar, comunicar e difundir uma mensagem não só às pessoas que fisicamente estão próximas, mas agora também é possível lançar uma garrafa no mar de zeros e uns com a oportunidade de que qualquer pessoa “daqui até a eternidade” possa desfrutar e ser “capturada” por essa mensagem.
Voltando ao exemplo anterior, a internet é como uma “infinita sala de navegar” na qual nós somos os protagonistas, os verdadeiros responsáveis por nossos atos e nossas obras, em que qualquer um pode observar qualquer um. A internet deu o suporte, e sua evolução (que só acaba de começar), nos faz intuir um futuro muito promissor para que os novos artistas de qualquer manifestação artística encontrem nele um caminho que dê luz a suas ideias.
O medo de escolher
Tendo em vista a constante necessidade de devolver a arte à sociedade, o que está sendo possível graças à democratização da internet, é esperado agora que nós, cidadãos fruidores e, muitas vezes, produtores de arte e conteúdo, possamos ainda acumular mais uma função: a de ser a verdadeira “crítica especializada” e que possamos decidir, tanto em conjunto como individualmente, nossas prioridades e o que queremos ver artisticamente na rede.
A internet se apresenta como uma possível resposta, porém não creio que seja a solução em si mesma, pois novas respostas fomentam sempre novas perguntas. Quando a tarefa, delegada durante séculos aos especialistas, de escolher o que é válido e o que não é, agora decai em nós mesmos, surge o problema de assumir a responsabilidade de separar o banal, o superficial e o efêmero do que verdadeiramente possa parecer interessante ou digno de experimentar. Esse exercício é difícil, árduo e requer um treinamento e dedicação especial. Primeiro devemos saber o que buscamos, e o que queremos encontrar; depois é necessário refletir sobre o que verdadeiramente pode nos interessar em definitivo, submeter às toneladas e toneladas de informação ao nosso crivo, à nossa consciência.
A liberdade não é gratuita, e é possível que, por comodidade, desconhecimento ou ambas, deixemos esse trabalho para outros (Google, Wikipédia...) que viram empresarialmente um buraco, um nicho de mercado de pessoas acanhadas perante esta responsabilidade. Se somarmos a isso, o pouco tempo que têm as sociedades industrializadas para assumir essa mudança, encontraremos apenas um sistema: o Google direciona 98% das escolhas de informação na internet. Isso nos faz pensar: será que não estamos de algum modo voltando a nos deixar levar nas mãos de novos especialistas (hoje em dia mal designados como “robôs”)? Não estamos deixando nas mãos deles a decisão do que é válido ou não?
Casos parecidos têm a Wikipédia como protagonista. Transformada na enciclopédia da moda, frequentemente a acusamos de falta de critério e confiança e de múltiplas vozes, já que é elaborada por nós mesmos, usuários comuns da internet. Como diria Stephen R. Covey em seu livro Os Sete hábitos das pessoas altamente eficazes (Best-seller, 1998): “1) O problema é como enfrentamos o problema; 2) é preciso avaliar as premissas de dentro para fora e não de fora para dentro. Portanto, devemos fazer um exercício de autocrítica e pôr em dúvida os novos paradigmas que tentam nos resgatar da responsabilidade de ter que escolher e tentam nos fazem assumir como universais, conteúdos que ainda são, ao menos, imprecisos e insuficientes.
Não é o nosso uso, ou melhor dizendo, o mau uso desses novos formatos o verdadeiro culpado? A culpa não é nossa, ao deixarmos a responsabilidade de escolher a outros, inclusive sabendo que as fontes de informação pode ser de procedência duvidosa?
Utilizar a ferramenta internet com fins “de busca artística” é necessário, e, se você me permite, imprescindível, já que possibilita a liberdade de sermos nós a julgar o que é ou o que não é válido para nós mesmos; porém essa liberdade leva a sociedade a uma responsabilidade e uma aprendizagem que devemos assumir se queremos que a internet seja essa ferramenta democratizadora para a arte.
A Internet é o meio, nunca o fim
A arte e a necessidade de criação são algo humano, intrínseco e delimitado no espaço que rodeia uma ideia. A internet (também uma criação) é simplesmente o suporte (a sala) onde vamos poder deixar nossa marca. Porém jamais deve ser considerada o fim em si mesmo das coisas, conceito em que também nos acostumamos a cair na sociedade do século XXI, em que o novo é a única coisa válida, a novidade em si mesma é a consequência, motivo e fim.
Devemos meditar saindo da perspectiva que vê a internet como uma implosão que engole todas as ideias e formas de atuar e tentar tomar a medida das coisas. Muitas empresas e muitos negócios no princípio deste século não souberam assumir (ou não quiseram ver) que a internet é justamente isso, uma ideia, um suporte, uma nova forma de conseguir os mesmos objetivos. Evangelizar rejeitando todas as outras ideias brilhantes que a historia da humanidade nos mostrou é um erro que pode nos custar muito caro. Por isso, é necessário encontrar- se com a arte em livros, museus, teatros, salas ou demais suportes que existiram (e espero que sempre existam); um início ou uma continuação da experiência de desfrutar e crescer com a arte, à qual agora se somam (e nunca substituam) os novos meios como a internet.
O importante, em definitivo, sempre serão as criações, as ideias, as pessoas que estão por trás delas, nunca o suporte ou o modus operandi, que, mesmo sendo importante, não deve nos cegar como única essência ou existência, porque as coisas não contêm as pessoas, e sim o contrário.
Publicado em 11 de dezembro de 2012
Publicado em 11 de dezembro de 2012
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