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Educação e (des)motivação

Lúcio Alves de Barros

Professor da Faculdade de Educação da UEMG

Um comportamento que venho percebendo entre meus amigos professores parece-me ostensivo, repetitivo e complexo. Por onde ando observo professores e professoras bastante desanimados, desmotivados, cansados, atarefados e melancólicos. A percepção não é nova, tampouco é privilégio de alguns. Às vezes uma pequena e simples conversa é o bastante para perceber os motivos da não ação dos docentes. Por aqui vou arriscar algumas, mas sei que meus colegas encontrarão muitas outras.

Em primeiro lugar, grande parte da desmotivação dos docentes está na desvalorização que a profissão vem sofrendo historicamente. Há séculos a educação massificada, proletarizada e deteriorada vem sendo questionada como possibilidade de trabalho e realização profissional. A ideia do professor ou da professora como uma entidade, um símbolo, uma estrutura de caráter ou mesmo força moral é coisa do passado. E coloque passado nisso. Nestes dias, professores somente “dão aulas”, não são dignos de bons salários, e é difícil encontrar uma função para eles neste mundo da velocidade, da prontidão e da informação enlatada. Em geral, esse é o pensamento oficial que anda nas cabeças dos alunos, principalmente daqueles que não gostam de estudar, ler, escrever, observar e frequentar a escola. Esperar motivação em uma conjuntura como esta é o mesmo que nadar e não chegar à praia. Não sei se dias melhores virão.

Um segundo ponto que claramente revela a desmotivação do professor é a falta de respeito, de responsabilidades e de trabalho dos estudantes. Alunas e alunos, nos dias atuais, verdade seja dita, não têm paciência para a leitura. E, se estão lendo, como querem os linguistas, estão lendo precariamente e “aos poucos”, “pulando”, como disse um dos meus alunos. E, como quer a maioria, “por que não ler e estudar pelo Facebook, pelo Orkut, pela internet ou mesmo pelo Twitter?” “Qual é o problema de copiar as coisas da internet?”.

Convenhamos, perdemos o rumo do certo e do errado; é impossível se animar com a leitura de plágios e trabalhos que não foram resultado de trabalho. Está difícil a leitura com enfoque. Arrisco dizer que, em sua grande maioria, os estudantes sequer têm ideia do que é ler um conteúdo com organização, disciplina, tempo, funcionalidade e crítica. Eles estão lendo em pipocas: come-se aos poucos e até empanturrar. Sem leitura eficiente e com tempo – coisa difícil para um estudante da era do eduentretenimento – dificilmente se ensina. As atividades são copiadas da internet; um jogo tácito de aceite de plágios já é norma em escolas, faculdades e universidades; não é por acaso que as bibliotecas são entendidas como locais de doidos e alergias diversas. É um caos. Trabalhar falando para pombos que voam em meio aos milhos é o mesmo que sentar em frente à TV dominical. A desmotivação me parece total.

Um terceiro ponto – que não está dissociado do segundo – é a empáfia dos pais e das autoridades. A dos responsáveis chega a ser cruel. Normalmente eles tentam seguir o filho que não é um estudante, mas que diz participar e frequentar as aulas. O atraso do "anjo" que ele colocou no mundo torna-se culpa do docente que ele nem conhece.

A tolice das autoridades reside na constante culpabilização dos professores pelo caos em que a educação se encontra. O fato é que o discente que não estuda, os pais que não conhecem o trabalho da escola e as autoridades que culpabilizam os docentes pela crise na educação forjam o perigoso e vicioso ciclo da crise na educação. Um ciclo que se repete ao sabor da escassa autoridade do professor e do descrédito que vêm tendo suas instituições. Se ela for pública, a questão tende a se agravar; se for privada, toma tons de fascismo e barganha em torno do mérito em frente aos índices esdrúxulos dos órgãos governamentais. Fato é que a motivação docente já foi, a essas alturas, para o espaço.

É impossível trabalhar em campo minado, onde os professores reclamam ter medo de alunos, pavor das redes sociais, terror das autoridades e angústia em relação ao futuro que não parece nada estabilizador.

Destaquei três possibilidades do desânimo que podem explicar um pouco a conjuntura na qual os docentes estão inseridos. Costumo brincar com os meus colegas cansados (e muitos já doentes) dizendo que a coisa não está feia, mas “ela é feia”. Na verdade somente brinco, porque não sei como lidar com uma situação que também vivo. Chego a falar de uma espécie de “pedagogia do espermatozoide”. Ela é muito simples: é bom para o docente pensar que se o aluno chegar tal como chega um espermatozoide é possível que tenhamos grandes mudanças e revoluções. Aquele que chegou, em geral, “é a nossa alegria”, o orgulho, a sensação do dever cumprido e sempre fonte de inspiração e motivação. O problema é que esse espermatozoide tem ficado entre os que não conseguem chegar e, quando chega, não sabe ler, não consegue entender as letras, é incapaz de resolver qualquer problema e de responder a uma questão. Ele é quase um analfabeto funcional.

Infelizmente, é o momento em que sabemos que o espermatozoide não vingou. Perdemos tudo: a força, a vontade, a vitalidade e um novo estímulo ao corpo social. É o momento em que se matam aos poucos os docentes, pois se espera outro futuro para o aluno que nasceu errado. Ele foi resultado de “elucubrações” acadêmicas, políticas e sociais. O desânimo docente aumenta diante da falha de sua escola e de outros mecanismos de socialização. A conjuntura fica mais complexa quando o discente é esperado em outro lugar, como na rua, no campo das drogas ou do crime. É um mundo sem educação e gozo. É um mundo sem sonhos, sem salvação e possibilidades de levar o outro a um outro lugar. É um mundo de ninguém, sem ação, sem motivos para a ação, para educar e ser educado.

Publicado em 11 de dezembro de 2012

Publicado em 11 de dezembro de 2012

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