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Material Escolar
Alexandre Amorim
João Francisco nasceu com três quilos e meio, 47 centímetros, chorou forte e mamou a noite toda. Mamãe e papai orgulhosos da cria, todos os vovós tentando ver com quem ele se parecia. Na terceira noite, papai sonhou que seu filho ia seguir seus passos e se tornar jornalista. Sonho estranho, em que toda a vida escolar do pimpolho passava rapidamente e cada ano só durava dois dias: o primeiro e o último dias de aula.
Começou pelo maternal.
Primeiro dia de aula:
Papai levando João Francisco para a salinha com as tias. “Tá aqui o material. Giz de cera, massinha, estojo, tinta guache, tinta de pintura a dedo, cola, uma resma de papel sulfite, quinze cartolinas coloridas. Qual a diferença de guache e pintura a dedo?”
“Ah, você é papai de primeira viagem, né? Você vai ver a diferença no presente dos dias dos pais! Você vai adorar!”
Último dia de aula:
“Oi, tia. Quanto sobrou daquelas folhas de papel branco?”
“Nada, papai.”
“Ele usou 500 folhas de papel?”
“Usou. Fez colagem, pintou e bordou!”
“Bordar não é com linha?”
“É força de expressão, papai”.
“Sei. Ah, sabe que eu ainda não entendi a diferença do guache para a tinta de pintura a dedo?”
“Com o guache, eles aprendem a usar o pincel. Com a tinta de dedo, aprendem a usar o dedo”.
O papai sabia que a tia estava sendo irônica, mas achou melhor ficar quieto.
O sonho passava rápido. A lista escolar ia crescendo a cada ano. Na quarta ou quinta série, João Francisco carregava a mochila como se fosse um burro de carga.
Quarta ou quinta série.
Primeiro dia de aula:
Papai vai até a escola pegar o pimpolho. Nota a mochila quase derrubando o coitadinho. Decide ir até a sala da coordenadora.
“Boa tarde. A senhora tem um minutinho?”
“Claro.”
“A senhora pode segurar a mochila do João Francisco durante um minutinho?”
“Como?”
“Ficar assim, com a mochila nas costas um minutinho só.”
“Claro que não!”
“Pois é, ele vai ter que ficar o ano inteiro com ela...”
No sonho, João Francisco fica dois dias sem falar com o pai, por vergonha, e acaba mudando de colégio. Mas o material continua um absurdo de pesado. E vai ser assim durante todo o Ensino Fundamental. O sonho fica meio turbulento, o pai se mexe bastante na cama. Chega o Ensino Médio. Esse período é bastante curto no sonho.
Resumindo:
Papai na secretaria da escola.
“Você quer dizer que meu filho vai ter que comprar as apostilas da escola e não pode aproveitar as mesmas apostilas do primo dele?”
“É a política da escola, senhor.”
“A política da escola é ganhar dinheiro a qualquer custo?”
“Senhor, não posso responder a isso. O senhor pode falar com a coordenadora.”
“Eu odeio coordenadora. Meu filho já ficou sem falar comigo por causa de uma.”
João Francisco mudou duas vezes de escola no Ensino Médio. E sempre teve que comprar as apostilas. Mas isso o prejudicou bastante. Ele tinha vergonha e medo do pai ir à escola e dar mais um ataque. O menino faltava bastante e acabou não passando no Enem.
Papai acordou suado, branco, olhos arregalados.
Pesadelo, meu amor? Perguntou a mamãe.
Você não tem ideia... Mas pode ter certeza de que João Francisco vai estudar em colégio interno.
Publicado em 18/12/2012
Publicado em 18 de dezembro de 2012
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