Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Quando viajar sem sair do lugar é possível

Bruno Coriolano de Almeida Costa

Para ler esta crônica, peço que desligue sua mente e ouça as cores dos seus sonhos. Não é preciso estar consciente para desfrutar dos benefícios dessa aventura. Se você assim o fez, entre, aperte seus cintos e tenha uma boa viagem ao fantástico mundo onde viajar sem sair do lugar é possível e viver é mais fácil com os olhos fechados.

Lembro-me das minhas primeiras investidas para entender um mundo que, imaginava eu, existir naquelas páginas brancas e sem graça e que continham símbolos até então indecifráveis para mim. Curioso, eu passava horas tentando entender a razão de grudar os olhos naqueles livros, sem perceber que o tempo passava cruelmente e sem avisar que já haviam passado séculos.

Esse mundo de que falo é a leitura. Tão fascinante e curioso quanto o universo dos números, ler sempre me chamou a atenção pelo seu caráter sublime e (in)imaginável. Sempre tentei entender a lógica existente por trás de todas aquelas frases que via nos livros, jornais e revistas, assim como Alice (personagem de Lewis Carroll) me questionava em relação à falta de gravuras ou desenhos. Ora, como pode alguém fixar seus olhos em um livro sem gravuras? Que graça tem?

Muitos anos se passaram e, quando dei por mim, já era um leitor compulsivo. Não aconteceu da noite para o dia, mas nem percebi quanto tempo já havia passado. Antes era um curioso que queria saber do que se tratava aquele conjunto de símbolos, palavras e frases espalhadas nas páginas dos livros que via sobre as prateleiras das escolas e bibliotecas que sempre frequentei. Hoje sou um curioso que procura entender a mesma coisa. Puxa, será que nada mudou daquele mundo? Às vezes ainda me pergunto a mesma coisa.

Tudo tem começo na curiosidade. Todas as pessoas sentem necessidade de encontrar explicação para suas perguntas, e eu não sou diferente. Comecei querendo descobrir o sentido da leitura e acredito ter encontrado muito mais, muito mais mesmo, pois foi através dela que descobri outro mundo. Foi por meio dela que o real passou a fazer sentindo – paradoxalmente, a partir da ficção.

Foi por meio da leitura, por meio da literatura, que descobri que poderia viajar sem sair do lugar, conhecer pessoas de todas as épocas, idades, lugares, caracteres e lugares sem ser machucado ou precisar falar suas línguas; pude conhecer a história da humanidade mais profundamente. Também foi por meio dela que depurei minha sensibilidade para bem usufruir as boas coisas existentes no mundo exterior. Conheci os picos da Patagônia, os mares da Polinésia, os museus da Europa e dos Estados Unidos; amigos que nunca nem vi. Descobri, com a experiência dos antigos, como viver nos dias atuais.

Por meio das minhas viagens proporcionadas por essa fantástica ferramenta, fui até ao centro da Terra e mergulhei vinte mil léguas submarinas. Perdi-me em uma ilha onde conheci Robinson Crusoé e Sexta-feira. Cacei ferozmente uma baleia gingante chamada Moby Dick; depois de percorrer os sertões, subi o Morro dos Ventos Uivantes, conheci o Conde Drácula de perto, passei de forma rápida pelo céu, purgatório e inferno de Dante; dancei com a dama das camélias quando estive na França, mergulhei no Maëlstrom depois de escalar as montanhas escabrosas com Edgar Allan Poe e vi o gato preto que estava a brincar com o corvo. Enfrentei gigantes com Homero. Percorri mundos inimagináveis com Gulliver durante suas viagens; contemplei o retrato de Dorian Grey na presença de Oscar Wilde, enfrentei o cardeal Richelieu juntamente com os três mosqueteiros. Vivi inúmeras vidas que não só a minha e amadureci rapidamente sem nem ao menos um único fio de cabelo meu ficar branco.

Agrada-me o desafio intelectual, e esse é um dos mais ricos. Enquanto muitos tentam obter fama, poder e riqueza, prefiro me deleitar na imensa vastidão desse mundo fantástico. Impressiona-me a capacidade não verbal de expressão e o poder de persuasão de pessoas únicas. Fico admirado com os poetas, contistas, romancistas, ensaístas e agora cronistas que ousam mostrar aos deuses outras formas de criação. As grandes obras literárias serão sempre inesgotáveis fontes de conhecimento, de prazer e de vida. Trarão sempre mais sentido às coisas já existentes e continuarão a criar outras novas.

Publicado em 14 de fevereiro de 2012

Publicado em 14 de fevereiro de 2012

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.