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Teatro infantil ou imbecil?

Alexandre Amorim

Há quem acredite que criança não pensa. Ou que tem um raciocínio tão raso que não vai se importar em ver qualquer coisa na TV ou brincar de colorir usando as cores “certas” no lugar “certo”. Há quem acredite que, se é para criança, pode fazer de qualquer jeito, que é só botar um personagem infantil famoso na embalagem que o produto vai vender, nem precisa se preocupar com a qualidade. Esse mesmo tipo de gente descobriu um ótimo filão para ganhar dinheiro – o teatro.

Partindo do princípio de que arte é um conceito muito subjetivo e que criança não precisa de incentivo à cultura e à inteligência, alguns produtores teatrais chegaram à conclusão de que, para agradar à criançada no teatro, não há necessidade de bons atores nem de boas histórias – basta uma produção razoavelmente caprichada, em que o figurino não assuste e o cenário não caia na cabeça de ninguém. Muitas vezes, esses produtores capricham tanto que o cenário até muda. Pode aparecer um navio de piratas, o trono de um rei e até uma floresta encantada. As princesas podem trazer um figurino idêntico aos desenhos da Disney e os animais falantes podem estar iguaizinhos aos filmes infantis.

Nada disso é sinônimo de qualidade, principalmente qualidade estética. É sinônimo de mera qualidade imitatória. E imitam bem apenas o figurino (e, por vezes, o cenário), porque a história é picotada de tal modo que muitas vezes perde-se o fio da meada. A peça é feita de modo que dure o menor tempo possível para que as crianças se divirtam vendo seus personagens prediletos, não importa a narrativa. Assim, muitas vezes a peça não tem pé nem cabeça, mas as crianças saem satisfeitas, por dois motivos: primeiro, porque já conhecem aquela história antes de ver a peça (essas peças ruins geralmente são baseadas em fábulas populares ou desenhos animados de muito sucesso no cinema); segundo, porque viram seus personagens prediletos, mesmo que não tenham entendido muito bem o que esses personagens estavam fazendo.

Muitas vezes a montagem é feita de modo tão precário que os atores se sentem desvalorizados, a ponto de inserir “cacos” com piadas direcionadas para os pais, já que as crianças estão zonzas com tamanha discrepância do que é narrado. Já vi atores especializados nisso. Fui ver três peças desse tipo (imitações picotadas de desenhos da Disney) de uma mesma produtora, em que uma atriz servia apenas para fazer os adultos rirem e suportarem aquele nonsense que não tinha sequer a graça e o interessante conteúdo filosófico do nonsense.

E não me venham dizer que a criança vai ao teatro para se divertir e, por isso, vale tudo. Entretenimento não é um termo independente, que se esvazia em si apenas pela diversão. Podemos nos divertir vendo Zorra Total ou vendo um filme cômico de Woody Allen, mas não da mesma maneira. Mesmo que não se queira criar um juízo de valor, é óbvia a existência de uma diferença entre essas diversões. E, agora citando o valor, penso que a diversão orientada ao público infantil deve conter uma preocupação de construir uma visão crítica, mesmo que através do humor. Que me abençoem Lobato, Twain, os músicos do Palavra Cantada e a turma do Rá-Tim-Bum.

Aliás, é bom lembrar que essas produções medíocres feitas para imbecilizar as crianças não são a única coisa feita no teatro para crianças, embora sejam maioria.

Talvez, para brigar contra essa invasão de mediocridade no teatro infantil, reste fazer o que ouvi de meu filho, dia desses: “papai, vamos montar uma peça?”. Talvez a resposta seja montarmos nós mesmos as nossas peças. Ele quer ser um personagem palhaço que tem uma lágrima pintada no rosto. Eu, pai coruja, acho que o menino tem futuro. Alguém se candidata a escrever a história?

Publicado em 14 de fevereiro de 2012

Publicado em 14 de fevereiro de 2012

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