Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Universitária e favelada

Mariana Cruz

Vanessa Meneses Andrade é formada em Psicologia e moradora da Zona Sul do Rio de Janeiro. Até aí nada de excepcional. Mas quando começamos a nos aprofundar na história dessa jovem de 26 anos, vemos que não é tão simples como parece. Vanessa é moradora do Morro do Cantagalo, uma favela – como ela faz questão de falar – localizada em Ipanema, um dos bairros mais chiques do Rio de Janeiro. É também mestranda do curso de Psicologia de Subjetividades e Exclusão Social na UFF, umas das melhores universidades do estado. Para chegar aonde chegou, teve de lançar mão de atributos como persistência, coragem, conscientização, estudo, luta contra o preconceito, disciplina, além do incentivo de seus familiares e de pessoas que acreditaram nela. Mesmo sem querer, ela é uma das pessoas que ajudam a mudar a imagem de que só é possível mudar de vida na favela pela via do esporte ou da cultura. O estudo também é um caminho para essa mudança, seja para deixar para trás a vida da favela ou, como ela faz, usando seu conhecimento para modificar e melhorar aquele ambiente tão rico e, por vezes, tão mal aproveitado.

Educação Pública - Como você resolveu fazer Psicologia?

Na verdade a Psicologia foi uma acaso na minha vida; queria muito fazer Medicina, só que na primeira fase da UERJ já tinha ficado com conceito B. Com B não dava para tentar para Medicina, aí eu coloquei como segunda opção Psicologia. Aí eu passei, comecei a cursar, gostei e continuei o curso.

Educação Pública - Você entrou pelo sistema de cotas?

Foi a segunda turma de cotas. Na minha época, eu coloquei cotas porque eu já tinha uma questão política referente à questão racial, mas a minha nota foi uma das maiores notas para passar no vestibular da UERJ em Psicologia. Mas diversas vezes na turma eu tive que reafirmar isso, não por motivo de ostentação, de orgulho, mas para diminuir o preconceito que havia com quem era cotista, porque havia a ideia hegemônica de que quem era cotista era menos capacitado e menos digno de estar ali. Inclusive por parte de alguns professores. Então eu sempre reafirmava a minha nota e a minha opção por cotas para demonstrar que o fato de ser cotista não necessariamente significava que eu tinha tirado uma nota inferior e que eu estava ali por algum outro motivo que não fosse o direito meu de estar ali.

Educação Pública - Por que você usa o termo favela em vez de falar comunidade, como a mídia tem difundido ultimamente?

Eu não gosto do termo “comunidade”. Acho que comunidade remete a uma vida em comum, e é uma romantização do que é viver em favela. É favela mesmo. É o que é. A história remete à favela. Eu não tenho nenhum pudor em falar “favela”, em falar que sou “favelada”. Só que eu não sou uma “favelada” no sentido ordinário, em que se usa tradicionalmente o termo. Porque eu consegui estar num espaço em que poucas pessoas conseguem estar, porque a maioria não consegue. Favela é um local com muitos talentos, onde muitas pessoas lutam porque acreditam nos seus sonhos, mas os sonhos estão geralmente muito distantes de uma universidade. Tem muita gente que pensa em ter uma condição econômica melhor, mas pensando na via da arte, do esporte, não pela via do conhecimento, que eu chamaria de conhecimento formal, acadêmico. Talvez agora tenha uma mudança mais significativa, por conta do ProUni. Nestes últimos três anos teve um incentivo para que a população mais carente – aliás, eu não gosto desse termo, mas acaba sendo esse o argumento usado – tivesse acesso à universidade. Só que lá em casa desde sempre houve um planejamento para que a gente, um dia, estivesse numa universidade. Nós três. Eu tenho duas irmãs. Meus pais sempre incentivaram e apoiaram isso de todas as formas. A gente até às vezes se sentia meio “peixe fora d’água na favela”, pois, pelo fato de a gente estudar em um colégio particular, as outras crianças viam a gente como “os riquinhos da favela”, e as crianças do colégio particular viam a gente como “os pobretões do colégio”. Era um lugar muito desconfortável, você está o tempo todo tendo que conquistar as pessoas e mostrar para elas o seu real valor, tanto para um lado quanto para o outro. A gente foi privada de muita coisa, porque na favela a gente não tinha tanto tempo para brincar, fazer atividade esportiva, participar de colônia de férias, fazer nada ligado à cultura, porque meus pais achavam perda de tempo. O tempo em que eu estava ali fazendo, sei lá, aula de capoeira, poderia estar estudando um livro para ser a melhor aluna da sala.

Educação Pública - Você acha que essa postura talvez não tenha sido um pouco radical por parte dos seus pais, ou você acha que foi necessária essa rigidez?

Há uma diferença entre mim e minha irmã mais velha. Minha irmã seguiu isso à risca. Ela tem um desenvolvimento financeiro melhor do que o meu. Em compensação, os laços afetivos acabam ficando muito fracos, porque você não tem muito tempo de investir nisso. Você abdica das suas amizades, das relações, do prazer que é viver em favela e passa a viver praticamente num laboratório: você está ali só para estudar. Sai dali, vai para a escola, sai da escola, volta para casa, estuda. É uma vida um pouco regrada demais. Hoje em dia eu entendo meus pais, pois era um risco para eles também. Era um outro momento. Não é que eu não brincasse, mas eu não tinha o mesmo tempo disponível e a tranquilidade para brincar que meus amigos tinham. Porque eu tinha um compromisso. Estudo para mim era uma obrigação. Meu pai pagava a escola com muito sacrifício, e o retorno que ele pedia era que nós fôssemos as melhores. E nos éramos. Era o mínimo que a gente achava que podia fazer. E o meu pai não parabenizava a gente, ele falava: “vocês não precisam me dar parabéns para pagar a mensalidade, também não preciso dar parabéns para vocês por tirarem nota alta”; então era uma relação bem direta. Era um investimento, um pacto do pai com o filho. Era uma relação de obrigação: ele se sentia na obrigação de oferecer para a gente uma oportunidade melhor pagando esse estudo, e a gente se sentia na obrigação de fazer valer essa oportunidade dando o melhor da gente. Mas, em compensação, na escola a gente não dispunha dos mesmos meios para ir a passeio, usar as mesmas roupas.

Educação Pública - Como vocês lidavam com essas diferenças?

No primeiro colégio em que eu estudei era mais tranquilo, pois, apesar de ser um colégio particular, era mais fraco. Era o colégio que os pais podiam pagar, era o máximo que eles podiam pagar; por outro lado, era um dos piores colégios particulares, e as diferenças não eram tão nítidas. Mas quando eu fui para um colégio maior, tradicional, de freiras, ficou muito fácil perceber a distinção entre ricos e pobres, brancos e pretos, favela e asfalto; eram impossibilidades reais. Ocupar o mesmo espaço gerava um incômodo muito grande de ambas as partes.

Educação Pública - Você sofreu algum preconceito de seus colegas?

Não exatamente. Eu só tive uma recomendação, que não foi bem um recomendação, foi um aviso por parte da diretoria, de que eu não poderia revelar onde eu morava porque, segundo elas, muitas mães iriam se incomodar se soubessem que tinha uma pessoa ali que morava na favela. Eu tinha bolsa nessa escola; não era uma bolsa integral, mas era um bolsa que permitia meus pais pagarem, era uma bolsa bem grande.

Educação Pública - E o que você fazia, dizia que morava onde?

Eu inventei, no primeiro dia falei que morava numa rua perto da escola, só que metade da turma morava nessa rua (risos). Aí não sabia o que dizer, fiquei muito constrangida, e falei que morava numa ladeira lá perto. Eu nunca tive que esconder isso, meus pais nunca colocaram para a gente o fato de morar na favela como um motivo de vergonha. Então na minha primeira escola todo mundo sabia que a gente morava na favela. Ninguém frequentava a nossa casa, porque havia muito medo, mas todo mundo sabia. Quando cheguei à outra escola com essa condição eu me vi diante do que era o preconceito. Eu entendo o fato de ela ter feito essa recomendação, eu consegui ir para essa escola por meio de uma freira. Ela me ajudou, mas tinha essa condição por causa dos pais dos alunos. Não é tão fácil quanto parece, não é tão romântico. Para a gente estar em alguns lugares, a gente teve que se sacrificar. Sacrificar é isso: você sabe que está sendo prejudicado, mas para você ter um benefício você tem que fazer vista grossa.

Educação Pública - E como fica essa questão da cor da pele, pois você não é exatamente negra...

Essa questão para mim é muito mais política do que de cor de pele: me considero uma mulher negra por todo o processo histórico, por minha condição familiar. A minha concepção do que é ser negro não está restrita à cor da pele, não é que uma pessoa de pele branca vá poder dizer que é negra. Mas o meu tom de pele me permite isso. Sou parda; portanto, preta; portanto, negra. Não me vejo como branca, não me vejo como “moreninha”, não me vejo como “mulatinha”; me vejo como parda e parda é negra. Tem uma entrevista do Mano Brown para a revista Rolling Stone muito interessante sobre a posição do que é ser pardo na sociedade, porque o “pardo” é aquele que fica ali, à deriva. Em alguns espaços ele é mais aceito, em outros ele é colocado na categoria de negro. Ser pardo eu considero um espaço de fronteira, eu sempre vivi na fronteira, com a possibilidade de transitar entre os dois mundos, mas sempre como um estrangeiro. Aquela que não pertencia completamente àquele mundo. Por muito tempo eu tive o desejo de pertencer completamente à favela, ou seja, me enquadrar naquele estereótipo do que é ser favelado, e por muito tempo eu quis me enquadrar no estereótipo do que é ser classe média. Hoje em dia eu sei reconhecer a riqueza de ser meio híbrida, de estar nesses dois lugares. Ter o privilégio de dar uma palestra na França e dar outra no Cantagalo, isso para mim é muito legal. É um espaço que foi conquistado, não é um espaço dado, porque o espaço que é dado é um espaço de rejeição nos dois lugares. Eu fui conquistando aos poucos a aceitação dos dois lugares.

Educação Pública - Pela sua formação diferenciada em relação ao lugar em que você vive, você acha que as coisas estão mudando, que os moradores estão valorizando mais o estudo?

Na favela tem de tudo. A favela é uma potencialidade. É difícil uma pessoa que não tenha uma base familiar como eu tive conseguir levar adiante os estudos. Base familiar que eu digo é um pai, uma mãe, um tio, alguém de referência que estimule aquela criança a investir no estudo, porque a educação passa por sérios problemas, inclusive de atratividade para as crianças, para os adolescentes. Perde-se o interesse pela escola muito cedo, então passa-se a investir cada vez mais em outras coisas. A escola lá no Cantagalo foi o maior CIEP da América Latina e foi eleita uma das piores do Rio de Janeiro, senão a pior; é muito complicado, isso. Eu moro numa favela cujo entorno é muito atrativo: é a praia, é o investimento de várias ONGs com projetos sociais, com projeto de esporte, lazer, cultura, mas você não tem um projeto intensivo de educação.

Educação Pública - Mas tem uma biblioteca lá, não tem?

Tem, mas o fato de ter livros não significa que as crianças usem aquilo com a mesma intensidade com que usam a quadra de futebol, entendeu? Atrativamente, é muito diferente o investimento que é dado à criança e o “chamado” em direção à criança para que ela vá para aquele espaço; isso tem que ser muito mais intensivo. Foi isso que eu tive, uma vida muito regrada. Não é que eu não brincasse, eu brincava, mas não brincava com a mesma tranquilidade que as outras crianças. Eu podia brincar, mas a tal hora tinha que ir para casa fazer o dever. Lá em casa a prioridade era a educação, sempre foi, e nem todas as famílias conseguem priorizar a educação por n motivos – não é só por falta de interesse dos pais, pois às vezes os pais mesmos não estudaram e não sabem o valor que a educação tem. O filho vai para a escolinha de futebol e é visto como um talento, pensam em investir no talento do filho no futebol; ao invés de ele ser mais um na sala de aula, investem no talento do futebol, na esperança de um dia ele vir a ser um Ronaldinho da vida.

Educação Pública - Você é um exemplo concreto de que o estudo pode dar certo, não como um talento descoberto, mas como alguém que estudou, se esforçou e conseguiu cursar uma boa universidade, fazer pós e agora mestrado.

Isso é uma cobrança que eu faço, pois eu tenho a impressão, às vezes, de que “dar certo” para a comunidade não está muito ligado aos títulos da academia, ter uma graduação, um mestrado, e algo além. Tá muito mais ligado a uma mudança de condição econômica, do tipo se eu continuo vivendo na favela é muito mais fácil algumas pessoas me verem com alguém que “estudou, estudou, estudou e continua lá, igual à minha filha, que não fez nada da vida”. Esse “sucesso” é muito relativo, embora esteja havendo uma mudança de mentalidade: tem mais pessoas na favela indo para a faculdade, tem mais pessoas querendo ir para esse lugar. Hoje mesmo eu estava numa reunião de um projeto chamado Unifavela, para articular os universitários da favela.

Mas é uma ideia muito frequente essa, de que, se você conseguir algo, seu primeiro objetivo é sair de lá, tirar sua família de lá – e não transformar o local. Quem fala isso muito bem é o MV Bill, porque ele não saiu da Cidade de Deus, por mais que ele viaje, por mais que ele tenha uma condição financeira que o permita sair, o fato de ele estar lá é político, o fato de você poder reverter essa situação.

Educação Pública - Você mora no Cantagalo, que fica em Ipanema, e trabalha como psicóloga em uma ONG que fica em Vigário Geral. Você observa diferenças entre essas duas favelas?

Cada favela é uma favela. A favela tem classe social, existe preconceito dentro da favela; a favela não é um local homogêneo, não é uma comunidade, não tem esse senso de vida comum. Isso é uma potência que a favela pode vir a ser, mas não é necessariamente algo dado. Podemos chamar de favela, morro, parque habitacional, mas “comunidade” eu acho que é um porvir. Eu pelo menos concebo comunidade dessa forma. E comparando o Cantagalo com Vigário, que é outra favela onde eu estou com frequência, pois trabalho em uma ONG de lá, vejo que Vigário Geral tem uma organização muito maior, inclusive geográfica; o Cantagalo foi crescendo em meio ao caos. E tem essa relação com o asfalto, com Ipanema, com o Leblon. É uma relação muito tensa: é você cotidianamente se deparando com a falta, com o carro que você não tem, com o apartamento que você não tem e, ao mesmo tempo, você tá podendo usufruir da praia que nem a pessoa mais rica de Ipanema. Tem espaços de encontro, mas nesses espaços você também se depara com a diferença que o capital impõe, eu estou do lado de “quem tem” e eu não tenho como estar nesse carro, eu não tenho como estar nesse mercado Zona Sul, porque Ipanema só tem Supermercado Zona Sul. Então você está cotidianamente se deparando com isso: espaços de encontro que viram até mesmo espaços de confronto. São espaços de convivência, mas que não são necessariamente espaços de aceitação. Acho muito difícil você ser um favelado em Ipanema, você ser um negro que tenha um cabelo black em Ipanema ou uma favelada que coloca roupa colorida, como eu vejo em Vigário, as mulheres com unha pintada de todas as cores. Em Ipanema tudo acaba ganhando uma proporção muito maior; na Baixada, na Zona Norte, você vê iguais, aqui você só vê diferença, e é uma diferença que acaba sendo tomada pelo sentido da falta e não da diversidade. Isso é muito ruim; se fosse tomado pelo sentido da diversidade, “olha como esse ambiente é diverso, é composto por pessoas de diferentes culturas, raças, credos”, mas não vejo dessa forma. É difícil para a pessoa da favela. Ela não está em Ipanema numa condição de igual, ela está ali geralmente como alguém que está buscando um emprego; se você parar para pensar, não tem muito negro porteiro em Ipanema, não tem muito negro garçom em Ipanema, e o Cantagalo é uma favela que tem uma das maiores populações negras em termos de favela/estado. Então a gente vê que a mão de obra dali não é aproveitada. 

Educação Pública - E onde a população do Cantagalo trabalha? 

A maioria trabalha informalmente, como, por exemplo, na praia. Tem trabalhos formais, lógico, mas essa mão de obra com menos qualificação em termos de educação não é encaixada. E tem um aspecto muito interessante: o Cantagalo é chamado de Complexo Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, e essa relação do Cantagalo com o Pavão-Pavãozinho é bem complexa mesmo, porque o Pavão-Pavãozinho é formado, em sua maioria, por imigrantes nordestinos, e a maioria desses imigrantes consegue um emprego formal; no Cantagalo, não. Você vê até que no Cantagalo a galera tem uma autoestima um pouquinho mais baixa, sabe? Eu acredito que isso esteja atrelado à questão racial também, porque a condição socioeconômica desses dois morros é muito parecida. Isso é até difícil argumentar, porque são apenas observações.

Por outro lado, vejo que tem projetos muito bacanas sendo formados por pessoas que vivem lá e que tentam trabalhar essa questão da autoestima, do pertencimento à favela, do que eu posso fazer para melhorar minha vida, mas também melhorar a vida do entorno. Tem um projeto de que eu gosto muito, que é o MuF, o Museu da Favela, que é um museu de território, o primeiro museu de território. O MuF é formado por pessoas da favela, eu participei da formação. Ele está investindo muito para que as pessoa daqui do entorno conheçam o Cantagalo, visitem o Cantagalo, sintam integração do território mesmo, que o Cantagalo não seja algo excluído de Ipanema, Copacabana, como se fosse a parte podre, mas que se veja aquela relação de contato, como uma membrana porosa, de se fazer circular. Se você observar, a favela desce todo dia pro asfalto, a favela está ali, na praia, na feira, na casa da madame; agora, o asfalto não sobre pra favela, conhece pela televisão, e aí você acaba dificultando muito certas mudanças, inclusive de mentalidade, porque pode haver um preconceito também de quem mora na favela, de achar que no asfalto só tem “filhinho de mamãe”, que todo mundo é rico. Por eu ter vivido nessa fronteira, eu sei que nem todo mundo que mora no asfalto tem tantas facilidades assim na vida, tem gente que passa por problemas e situações muito parecidas com as de quem vive na favela. Então eu acho que tem muita coisa para trocar, e é isso que alguns projetos têm começado a incentivar.

Educação Pública - O elevador panorâmico e o metrô facilitaram essa integração? Ou são utilizados como meros meios de transporte para os moradores?

Sendo meio de transporte ou não, aquilo acaba facilitando um contato que até então não havia, porque, por mais que as pessoas ainda fiquem muito temerosas de entrar mesmo na favela, chegam na janelinha do metrô, aquela ali do elevador, pelo menos já é um contato inicial com as crianças, com os moradores. A minha preocupação é disso não virar uma coisa meio zoológico; é ter um contato real, é as pessoas estarem abertas para trocar, para interagir. Tem projetos que estão nascendo que já se contrapõem a essa visão de zoológico, por exemplo: samba na favela, cinema na laje. É a valorização da cultura local. São projetos que procuram fazer essa articulação e são feitos por pessoas – não só as que foram para a universidade, como também aquelas que se afetam com a vida na favela.

Você pode viver na favela ou você pode viver num apartamento e não saber quem é seu vizinho. Essa coisa romântica de que o vizinho vai na sua casa não é bem assim. Você vive muitas vezes em células, e aí, para você ter uma relação mais molecular, para você conseguir fazer a coisa girar de outra forma, é necessário um empurrão, é necessário um movimento, e é isso que está começando a nascer pela vontade das pessoas que já tinham um incômodo com certas coisas que estão acontecendo lá, que não são ligadas ao tráfico. Também não é isso de “ah, agora tem UPP, então podemos fazer as coisas”, não é isso.

Educação Pública - Por falar em UPP, o que mudou com a pacificação?

O que eu estou investigando no mestrado é a resistência da favela à pacificação. Eu não sou a favor: eu sou a favor de que haja uma construção coletiva de empoderamento daqueles moradores para que a pacificação seja uma conquista, e não uma conquista de território, porque parece uma coisa meio guerrilha, tanto é que a primeira ação da ocupação é você hastear uma bandeira. Benefícios da pacificação têm, muito mais pela produção de tranquilidade, da mesma forma que a mídia passa a ideia de que “agora estamos muito mais tranquilos, o morro não tem mais droga, está pacificado”, isso tranquiliza as pessoas, e você quando tá tranquilo se permite reagir de outras formas. Quando havia aquela produção do medo, as pessoas ficavam o tempo todo se sentindo ameaçadas: “nem pensar em subir numa favela”. Eu vejo por Vigário Geral; lá não é pacificado, mas é uma favela onde as pessoas circulam, visitam, têm uma relação tranquila com a favela; lógico que têm suas precauções, você não pode chegar numa favela, como em qualquer outro lugar, tirando foto das pessoas, independente de estar pacificada ou não; são pessoas que estão ali, você não está autorizado a fazer isso. Não é que não possa tirar foto, mas é uma questão de bom senso, porque a vida na favela é uma vida muito livre, criança brinca na rua pelada, aí você chega lá e diz “ai, que lindo, é exótico” e tira uma foto? Nem tudo é público. Não é porque está na favela, fora de casa, que é público. Imagina se você está ali na varanda do seu prédio, de biquíni, eu vou lá e tiro uma foto de você e da sua filhinha? Agora tudo pode porque está pacificado? Antes havia a lei do tráfico, e não podia fazer isso porque o traficante podia ser identificado numa foto. Mas antes, por não poder, havia até uma proteção maior da intimidade da favela; agora não, são câmeras com lentes de aumento telescópicas dentro da favela para ficar tirando fotos.

Educação Pública - Como se fossem uns paparazzi...

É, porque desperta a curiosidade de saber o que se passa lá, como essas pessoas sobrevivem às condições mais difíceis, à violência mais pesada, à convivência com a sujeira, mau tempo, enfim, que vidas são essas que sobrevivem? É uma curiosidade que a sociedade tem.

Educação Pública - E como você vê esses filmes que retratam a vida nas favelas, como Cidade de Deus, Cidade dos homens, Tropa de elite etc.?

Houve um interesse maior em saber o que se passa para além do muro (porque no Cantagalo tem um muro que separa, pois antes era uma área militar). Houve um interesse maior sobre a violência que acontece na favela, como é que é queimar alguém num barril?, como aparece em Tropa de elite, como é a ocupação da polícia na favela? Há um interesse que é diverso. Há pessoas que se interessam e a partir dali lutam para mudar e tornar aquela realidade um pouco mais suportável, pessoas que enxergam a riqueza naquela realidade e querem compartilhar aquilo, como tem outras pessoas que vão chegar ali e vão explorando, explorando. Acho que não dá para reduzir a questão à dicotomia “mocinhos e bandidos”, você está a favor de quem? Polícia, tráfico e milícia, você está a favor de quem? Você é do bem ou você é do mal? Porque é um ambiente muito heterogêneo, na favela convive-se diariamente com as pessoas das mais diferentes personalidades, histórias, ideias, além de bichos, que é uma coisa que na Zona Sul você não vê; na favela tem bicho para tudo quanto é lado: galo, periquito, cabra, porco, ratos dos maiores tamanhos possíveis. Você tem isso em Ipanema, como é que é isso? Isso também está mudando, Agora, alguns acabam sumindo; quando eu era menor tinha muito cabrito no morro, agora já não tem.

Educação Pública - Voltando um pouco para sua vida acadêmica, você é fluente em francês e voltou há pouco da França, onde fez uma palestra; como foi isso?

Bom, o convite surgiu por conta da ONG em que eu trabalho. Eu conheci a representante do Departamento de Ciências Sociais da Unesco, a Marlova Noleto, e ela me convidou, por conta da minha história, pelo fato de ela acreditar que eu era uma exceção à regra de que toda favelada negra ou é passista ou é mulher de bandido ou é uma que trabalha na farmácia ou é doméstica, enfim, ela viu em mim algo diferente. Então eu fui a Paris para falar um pouco do trabalho que eu faço na ONG como psicóloga e um pouco da minha história de vida. Foi uma experiência muito rica, porque foi uma conferência da juventude, então eu conheci jovens do mundo todo, pude trocar muito e vi que as realidades, apesar de terem as suas peculiaridades, têm esse ponto em comum, e isso me alertou para o potencial de transformação que há dentro da própria favela. A gente não tem que ficar aguardando mudança do prefeito, mudança de vereador, mudança da sociedade. A gente mesmo que tem que promover nossa revolução. E lá na favela tem muita gente que, por conta da arte ou porque trabalhou com futebol, com cultura, fala inglês, francês, alemão, russo...

Educação Pública - O que te levou a aprender francês?

Eu comecei a aprender por conta da Psicologia. O inglês foi porque meu pai obrigava a gente – como falei, a educação lá em casa era bem rígida. Meu pai valoriza muito a educação, ele diz que a única herança que ele poderia deixar para gente era essa. Ele falou: ‘eu não vou deixar nada para vocês pronto, eu vou construir com vocês durante o tempo que eu tiver vivo’, aí ele colocou a gente no inglês, fiz o curso. Depois entrei no francês por conta da Psicologia, por causa da linha que eu gostava, Lacan, Foucault, Deleuze, Sartre, aí eu falei, ‘quero ler’. Aí fui e pedi bolsa. Sempre tive coragem de solicitar as coisas. Eu não cheguei aonde eu cheguei sem a ajuda de muitas pessoas, não só do meu pai. As freiras da escola onde eu estudei, mesmo com aquele discurso de eu omitir onde eu morava, se não fossem elas, talvez hoje em dia eu não tivesse a mesma formação, o mesmo discurso. Não é um mar de rosas, ninguém vai te oferecer o lado bom, você tem que passar por muitas privações. Sempre foi assim, eu pedi bolsa na escola particular para a minha irmã também. Na mesma época, eu tinha passado pro Pedro II quando eu ganhei bolsa para a escola particular, e aí teve uma reunião na minha casa e meu pai falou ‘você vai para escola particular porque se for a melhor aluna de lá ou uma das melhores tem como você pedir bolsa para sua irmã’. Foi assim, eu já fui com uma missão para cumprir e cumpri. 

Educação Pública - E ela cumpriu?

Ela também foi boa aluna, se formou numa das melhores faculdades, terminou Economia no Ibmec e se formou com uma bolsa de 100%, como uma das melhores alunas. Ela também “cumpriu a tarefa”. E tem minha irmã mais nova, que está com 16 anos agora. Ela pediu pro meu pai para entrar no pré-vestibular, porque ela diz que tem que passar numa boa faculdade, e o meu pai também se coloca nessa. Ele é carteiro e disse: ‘eu conheço alguns jovens onde eu entrego carta que estudam no PH, porque eu vejo eles com a bolsa de lá, e eu vou pedir para eles alguns livros’. E ele pede mesmo. A minha irmã estudou no Colégio São Paulo com uma bolsa que meu pai pediu. Na nossa família, a gente sabe que para gente estar nesse lugar não basta querer. É muito caro. Há um corte, uma divisão que não é só do preconceito, é a divisão econômica mesmo. Não tem com você pagar uma escola dessas integralmente, então para você poder estar nesse lugar você tem que pedir, você tem ter bolsa.

Educação Pública - E as suas irmãs, elas já relataram algum episódio de preconceito por terem estudado também em escola particular?

Ah, minha irmã perdeu o i-touch dela no colégio e estranharam o fato de ela ter um i-touch. Ela tinha pedido de 15 anos, deram a entender para ela que não era muito comum uma pessoa da favela ter um i-touch. Mas lá no Colégio São Paulo ela nunca teve de esconder onde morava, também era um outro momento. É engraçado, porque essa minha irmã é dez anos mais nova que eu, e os amigos dela frequentam lá em casa, mesmo quando havia tráfico, não é porque tem UPP, sempre frequentaram. Os amigos classe média, ricos, curtem, vão para o baile lá no morro. Eu acho que a questão do funk ajudou muito. Aliás, quem tem medo dessa relação da minha irmã com os amigos dela é o meu pai, porque muitas vezes esses jovens de classe alta consomem álcool e outras drogas mais pesadas, o que não acontece com os jovens da favela; lá não tem muito essa coisa do consumo de droga, maconha. O uso de maconha é muito mal visto na favela para quem não é do tráfico, dificilmente você vai ver um jovem assumir que é maconheiro não sendo traficante.

Educação Pública - Você disse no começo da entrevista que entrou na UERJ pelo sistema de cotas, deu a sua visão pessoal; teoricamente, como você vê as cotas?

Eu acho que as políticas de cotas são apenas umas das políticas afirmativas, políticas de reparação, porque há uma defasagem, uma dívida histórica em relação à população negra e pobre deste país, e se você não faz nada e, se o governo não intervém e não tenta de alguma forma diminuir essa lacuna, você vai continuar com duas paralelas que crescem. A população negra, pobre, não está parada com as mãos pro alto esperando o governo dar alguma coisa; a galera tá indo em busca. Parece que são duas paralelas que nunca irão se tocar, e, para que haja um cruzamento, a gente espera que o governo invista nisso. Eu fui de uma turma da UERJ que tinha negros; eu ia a outras universidades, só via brancos. O importante não é só a galera entrar na universidade, é a galera entrar e começar a falar da realidade que vive para que isso vire pauta, para que os professores comecem a querer investigar mais sobre isso, mas com outro olhar, não esse olhar antropológico. Ou seja, como a história daquela pessoa interfere no fato de ela ter escolhido aquele curso? Como isso interfere na construção de uma nova história? Minha irmã estudou Economia e hoje em dia ela entende muito melhor o que é exclusão social do que antes. Ela estudou numa universidade voltada pro neoliberalismo. Ela trabalha num banco, passou num concurso. No primeiro dia de trabalho, ela falou para mim: “Vanessa, não tem negro”. É um estranhamento.

Educação Pública - O que você considera ser negro no Brasil?

As minhas irmãs são mais claras do que eu, mas elas se veem como negras, porque esta é a questão, é todo um esforço para a pessoa entender o seu pertencimento, não é só a condição da cor da pele, porque houve uma produção do que é ser negro. Negro no Brasil está ligado à cor da pele, e aí quando você entende que é muito mais um pertencimento sócio-histórico-político você começa a entender que ser negro é muito mais uma afirmação de uma condição do que uma imposição pela cor da pele, pelo fenótipo. “Eu sou negro porque eu sou visto como negro” ou “eu não sou negro porque eu não sou visto como negro”; não é assim. Eu acho que também deveriam existir cotas para mestrado e doutorado, senão nesses espaços as questões dos negros também não entram; eu sinto isso muito na parte de Humanas, pois as questões que estão sendo levantadas por uma galera negra, pobre, não necessariamente são as mesmas questões que os doutores e os professores estão querendo investigar, e aí não tem espaço. Na graduação na UERJ havia pesquisas que mostraram que os alunos cotistas tiveram aproveitamento muito maior do que os não cotistas. Enquanto esses espaços forem espaços de escolha, haverá sempre margem para o preconceito e haverá sempre margem para você dizer quem pode e quem não pode. Eu lembro que quando eu estava na pós-graduação eu falei para uma professora que gostaria de fazer mestrado com ela; ela virou par mim e disse: ‘olha, termina primeiro a sua pós, porque para fazer mestrado comigo tem que estudar muito; além disso, tem que fazer prova de idioma, inglês ou francês, tá? Au revoir’. Ainda me deu ‘au revoir’. Aí eu fui falando com ela em francês até o elevador, porque eu tomei aquilo como uma atitude de alguém que fala ‘ponha-se no seu lugar’.  A questão não é muito o que acontece, é como você toma aquilo.

Educação Pública - Tem alguma coisa que você queria falar sobre a vida na favela?

O que eu acho legal falar é essa questão da positividade da favela. Eu não me vejo como exemplo, porque eu acho que tem muitas pessoas lá bacanas que não trilharam o mesmo caminho que eu, mas que estão ali fazendo diferente. Porque senão a gente acaba colocando a cultura da favela numa posição inferior, ou seja, para você conseguir mudar de posição você tem que ascender à academia, que é caminho da classe média. Não é por aí, é entender que educação é importante, mas, independente de você se tornar bem-sucedido ou não, independente de ser para você sair da favela ou não, não é para ser exemplo, é para, de alguma forma, tentar ampliar o campo de possibilidade, não restringir, não achar que pra ascender tem que ser jogador, passista, artista, pagodeiro; por que não posso ser também um engenheiro, uma psicóloga, um advogado, uma médica?

É interessante, porque as crianças na favela perguntam: ‘tia, o que é psicóloga?’. Porque não é uma coisa comum, e enquanto a favela não tiver contato com essas outras profissões não há produção de desejo de vir a ser aquilo. Eu queria ser médica porque era uma questão que estava diretamente ligada à questão da saúde do meu avô. Enquanto o outro quer ser policial, jogador de futebol, porque é o ídolo da favela que consegue dar casa para a mãe, melhorar a casa dos pais. E a questão é atrelar a educação ao esporte e à cultura, porque é o campo de desejo que predomina na favela. Eu entendo meus pais, porque naquele tempo eles não tinham muitos mecanismos para conciliar as duas coisas. Mas é você tentar conciliar de alguma forma o prazer, é você começar a construir um novo desejo de ter uma educação formal pela leitura, pelo gosto de ir ao cinema, ir aos museus. Uma coisa que me chocou em Paris foi ver as crianças dentro dos museus felizes e contentes, pois qualquer passeio a museus eles dizem: ‘ai, não acredito que a gente vai ver gente morta, tia!’ É mudar um pouco essa mentalidade, ampliar, torná-la mais diversa, e aí acho que o contato com o asfalto é importantíssimo, pois elas já convivem com essa cultura, ninguém nasce no asfalto pensando que com dez anos nunca terá ido ao cinema, nem nunca terá ido ao teatro, em questões como: o que eu vou fazer da minha vida aos vinte anos? na favela você muitas vezes pensa: ‘o que eu vou fazer com meus filhos, já que meu marido não está mais aqui?’ Você acaba tendo uma limitação.

Educação Pública - Por falar nisso, como é a questão da maternidade na favela? As meninas continuam tendo filho novas ou isso está mudando?

Eu percebo que já um grupo que está começando a pensar diferente; sempre teve gente que produziu a diferença lá, mas acho que está havendo uma intensificação desse pensamento. Tornar mais frequente a ideia de que você pode ir para uma universidade, de que você pode estudar inglês. Além disso, essa coisa de ter filho nova, como muitas meninas lá no morro, é também pensar que, apesar de ter um filho, a vida não acabou, não é por aí. Eu sou uma exceção: com 26 ainda não ter tido filho. As crianças lá, às vezes, me perguntam se eu não posso ter filho. Não é fácil para mim, porque todas as minhas amigas estão tendo filhos lá. Não é que o estudo tenha me salvado disso, mas, como eu falei, é um lugar de fronteira.

Educação Pública - Você pode falar um pouco sobre o que é ser uma universitária na favela?

Eu estou cotidianamente lidando com esses esquemas, e das coisas que eu mais que questiono é: o que é ser uma favelada comum? O que é ser uma universitária na favela? Porque eu não acho que esses espaços se tocam e se afastam; eu acho que eles se cruzam. Meu desejo é fazer com que eles se entrelacem, é usar o que eu aprendi para de alguma forma poder, junto com as outras pessoas, transformar. Não me vejo saindo da favela e deixando isso para trás, como um passado que eu não quero ver nunca mais. Acho que há um desejo meu de estar ali, pois tem uma riqueza lá muitas vezes mal aproveitada. Eu acho que, pelo fato de eu estar ali e conviver com isso diretamente, eu consigo visualizar as potencialidades, inclusive as minhas, e aprender muito. Eu aprendo muito com aquela menina de 12, 13 anos que está grávida e que fez não sei quantos abortos e que está ali dançando. Eu aprendo porque a vida dela tem dilemas que a minha não tem, e aí, como psicóloga, como moradora e como favelada, eu vejo que são questões que, com 12 ou 13 anos, eu não teria a menor estrutura de lidar com aquilo, e ela já está vivendo com a obrigação de lidar com aquilo, então ela não é uma fraca. Não é uma pessoa “mente fraca”, é uma pessoa que tem de passar por situações muito difíceis sem um suporte adequado; então eu aprendo, ‘poxa, como ela faz isso, do jeito dela?’ O filho dela fica encatarrado, ele está vivo e ela também! Tem uma relação ali que é uma relação de grande aprendizado, como a criança que anda descalça correndo na favela, e eu falo: ‘menino, o chão ta quente’, ele responde: ‘tá não, tia’. Como assim? Como pode? É o aprendizado do corpo. É isso que eu acho o mais bacana, e eu acho que, como psicóloga, é isso que eu aprendo diariamente no Cantagalo, como as pessoas conseguem fazer de uma sobrevida uma vida feliz.

14/07/2012

Publicado em 14 de fevereiro de 2012

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.