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E viva a diferença!

Alexandre Amorim

O amor pela literatura é declarado em cada página do livro de Luzia de Maria. Desde as citações dos livros até o modo de encarar a leitura na formação escolar, a autora não deixa de demonstrar seu carinho pela obra literária. Luzia foi vencedora, em 2011, do Prêmio Literário Nacional do Pen Clube do Brasil, na categoria ensaio, com o livro O Clube do Livro - Ser leitor, que diferença faz?. Como ela mesma diz, a obra “é uma reverência à leitura”, esse “incalculável legado”. Um legado que, muitas vezes, não sabemos ou não somos instruídos a aproveitar.

Consciente de que uma obra literária não é completa sem seu receptor (o leitor), Luzia nos faz pensar sobre essa relação, principalmente quando na relação autor-leitor é inserido um novo agente: o professor. A relação triangular entre livro, professor e leitor/aluno é tratada de modo a criar novos caminhos para a literatura em sala de aula. “É urgente que nos preocupemos em formar leitores”, ela diz, e é justamente sobre essa questão urgente que o livro de Luzia se debruça. A formação de leitores não pode mais repetir receitas antigas e imposições de leitura que não respeitem o leitor. Ler é um ato a ser aprendido com afeto, não com imposição.

E o amor pela literatura não passa apenas pelo conhecimento literário em si, mas pela realização pessoal através da leitura. Para a autora, o ensino de literatura deve levar essa realização pessoal em consideração, sob pena do desinteresse geral dos alunos caso essa questão não seja observada.

Luzia sugere, inclusive, uma subversão na escolha de livros para as turmas de séries iniciais:

Não estou pensando naquelas indicações de um livro por bimestre, ou por mês, que seja. Minha proposta é não indicar determinado livro para nenhum aluno. Muito menos para toda a turma. (...) Os livros devem ser apresentados aos estudantes, de preferência por um professor que os aprecie, e a escolha é livre.

Pode parecer, para os mais ortodoxos, uma sugestão de anarquia em sala de aula – mas é só aparência. A escolha de vários livros dentro de uma mesma turma pode ser direcionada para um mesmo tema, sem que isso prejudique as intenções pedagógicas ou didáticas do professor.

Apesar de Luzia de Maria ser acadêmica, doutora em letras pela USP e professora na UFF, seu livro consegue fugir da linguagem fechada da academia. Ao contrário: o coloquialismo e os exemplos de experiências do dia a dia convivem muito bem com sua proposta de renovação do ensino de literatura e com as passagens extraídas de romances ou de outros livros teóricos. Mais importante do que um vocabulário rebuscado é sua preocupação com a formação de leitores, a formação daqueles que terão amor ao que Luzia também ama: o ato da leitura.

Para isso, porém, é necessário competência. O ato de ler pressupõe compreensão, e esta é “relativa e depende da maturidade de leitor” que uma pessoa possa ter, “depende da sua maior ou menor prática leitora”. Autonomia de leitura é fundamental para criar “competência leitora”, como afirma Luzia. Essa competência seria o “nível de compreensão de um leitor comum, e não o de um professor ou especialista em literatura”. E, para que essa competência cresça, é necessário fazer com que esse leitor comum leia mais – e variados – livros.

A convivência com obras literárias é a chave para a competência leitora. É necessário se tornar íntimo da literatura, dos livros; é necessário que o afeto se torne cotidiano entre leitor e obra – e essa relação deve ser construída com a ajuda do professor.

Como contraexemplo dessa relação afetiva, cito a canção Bom senso, de Tim Maia. Na música, autobiográfica, Tim conta como já “dormiu na rua” e já fez “muita coisa errada”. Mas também afirma que, após ler certo livro, “atingiu o bom senso”. Seria um ótimo exemplo de como a literatura pode nos ajudar e nos formar. Acontece que o livro a que ele se refere é o conhecido Universo em desencanto, que trata de uma seita fundada, dizem seus seguidores, por um extraterrestre. Seguir os preceitos de tão esdrúxula obra não é exatamente o que chamaríamos de “bom senso”, como o próprio Tim Maia descobriu mais tarde. Daí a importância da formação do leitor: ele não deve ser formado para ser guiado por uma determinada ideologia ou seita, mas deve ter uma formação que mostre a importância de saber ler, de desenvolver seu senso crítico através da leitura.

A pergunta no subtítulo do livro de Luzia de Maria (“ser leitor – que diferença faz?”) parece ser retórica, mas é respondida pela autora sempre de maneira assertiva e explicando ao leitor por que uma boa formação literária faz, sim, diferença. Em resumo, a diferença é que um bom leitor é dotado de uma bagagem pessoal mais rica, além de desenvolver ferramentas mais poderosas para se tornar um cidadão mais consciente de seus direitos e deveres como tal. Por isso, ler faz diferença. E viva a diferença.

Ficha técnica do livro:

  • Título: O Clube do Livro – Ser leitor, que diferença faz?
  • Autor: Luzia de Maria
  • Gênero: Ensaio
  • Produção: Editora Globo

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Publicado em 06 de março de 2012

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