Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.
As surpresas de uma feira literária
Mariana Cruz
A feira literária do colégio onde leciono acontece uma vez por ano. Nesse período a comunidade escolar fica em polvorosa, muitos alunos empenhados em mostrar um bom trabalho, professores orientando as turmas sobre como apresentar os temas, cartazes e mais cartazes enfeitando as paredes internas do prédio. Cada turma fica responsável por apresentar um tema de sua preferência, não necessariamente ligado a literatura. Essa referência inserida no nome da feira explica-se pelo fato de que, para fazer o trabalho, pressupõe-se que a turma deverá fazer diversas leituras sobre o assunto. O evento, portanto, está mais para uma feira cultural. Depois de alguns dias de preparação, a escola fica uns dois ou três dias em função da feira. Cada turma utiliza a própria sala para apresentar a todos os professores de seu respectivo turno, aos orientadores e à direção. Todos nós ganhamos uma ficha de avaliação para ser preenchida ao término de cada apresentação.
Assim como nos anos anteriores, este ano os trabalhos foram variados: peças, seminários, projeção de vídeos, coral e o que mais a turma decidisse fazer. Assisti a doze apresentações. A maioria bem bolada – apesar de uma ou outra falha, não restava dúvida sobre o empenho das turmas em fazer um bom trabalho. Não havia regra que proibisse a repetição de temas, tanto assim que, das turmas que vi, três trataram de Luiz Gonzaga. Tal incidência deveu-se não só centenário do Rei do Baião como ao fato de algumas turmas terem ido ao cinema assistir ao filme. Os alunos ficaram extasiados com o longa. As fotos, os vídeos, os cartazes apresentados pelos meninos mostraram um personagem que vai muito além do grande artista. Pelas apresentações fiquei sabendo da sua conturbada relação familiar (tanto com o pai quanto com o filho, Gonzaguinha), detalhes sobre o começo de sua carreira, qual a razão de ele ter começado a vestir-se a caráter e tantas outras coisas sobre Gonzagão. E tudo isso com direito a uma prova de comidas típicas nordestinas ao final de cada apresentação; deliciei-me com paçocas, bolos de milho e até mesmo um autêntico baião de dois – com direito a queijo coalho, entre outras delícias.
Temas relacionados a música foram predominantes: rock, Cazuza, samba e até atrações internacionais como Whitney Houston. Sobre esta última, cabe um parêntese: devo confessar que de início achei a escolha desta última meio estranha. Para mim tratava-se apenas uma cantora norte-americana com um repertório romântico demais para o meu gosto e sobre quem eu relacionava duas coisas: aquele solfejo clássico que ela faz durante a música I will always love you e seu papel de protagonista no filme O guarda-costas. Mas, graças à ótima encenação feita pelos meninos sobre a biografia dela, engoli meu preconceito. Enquanto alunas narravam a trajetória da cantora, os episódios eram representados, e a cada mudança de fase de sua vida uma nova menina interpretava a diva. Em poucos minutos vimos a ascensão e a queda da estrela, encenada pela turma com boas doses de humor e drama. Para essa turma dei nota máxima em todos os quesitos.
Outra turma que também ganhou o total de pontos, apesar de eu não ser professora dela. Eu já conhecia os alunos pela (má) fama. Era uma turma considerada a mais indisciplinada no colégio, uma turma – dizem os seus professores – na qual os alunos só conversam, levantam o tempo todo, não obedecem. Entrei na sala deles já esperando por um trabalho sofrível. O tema que escolheram foi Cacique de Ramos, um dos blocos mais tradicionais do carnaval carioca (fundado em 1961), originário de Ramos, bairro da zona da Leopoldina, e que tem como padroeiro São Sebastião. Ao entrar na sala, tínhamos a impressão de estar na quadra da escola em miniatura. Os alunos dividiram-se entre as três mesas de alumínio colocadas na sala, outros sambavam, um grupo tocava e, no bar montado no canto, um aluno vestido de garçom servia salgadinhos à plateia (só faltou a cerveja, pena que é proibido). Enquanto isso, uma narradora contava toda a história do Cacique, desde a fundação. Os acontecimentos se desenrolavam à nossa frente, lá mesmo, naquela sala transformada em quadra. A apresentação foi tão boa, tão organizada, tão realista, que eu, que há muito tenho curiosidade de conhecer a quadra do Cacique de Ramos, me senti como se tivesse ido ao local. A atmosfera criada parecia estar tão próxima do Cacique “de verdade” que, ao final, até os professores caíram no samba.
Não só eu como todos os outros professores ali presentes consideramos o trabalho sobre o Cacique de Ramos um dos melhores apresentados. O que me chamou a atenção foi o fato de essa turma, considerada a mais desordeira, conseguir fazer um trabalho de alto nível como aquele. Talvez seja uma turma com grande potencial criativo, mas que precisa ser bem direcionada, como uma orquestra de músicos talentosos, mas que, sem um bom maestro, pode não funcionar.
Assim, posso dizer que, além de ter me aprofundado em diversos temas, na feira de literatura da minha escola aprendi que a pior turma em disciplina pode ser “dez, nota dez” em criatividade.
Publicado em 8 de janeiro de 2013
Publicado em 08 de janeiro de 2013
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.