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Difícil escolha

Alexandre Amorim

Naquele dia de final de novembro, seu Roberto saiu cabisbaixo do consultório. Da última vez, o cardiologista já o havia recebido com um risonho “engordou, hein?”, o que não anima ninguém. Mas desta vez os exames mostraram umas taxas esquisitas, com baixo colesterol bom e alto colesterol ruim. Ele nem sabia que os colesteróis brincavam de bandido e mocinho dentro do corpo dele. Outro exame apresentava um quadro de hipertensão moderada, o que ele considerava contraditório – ou é hiper, ou é moderado. Depois de levar uma bronca do médico, decidiu largar o cigarro, o pão com linguiça da lanchonete perto do trabalho, o torresmo do bar do Antenor e resolveu que ia entrar numa academia de ginástica. Lamentava por ter que se separar de amigos tão queridos – o cigarrinho pós-almoço, o pão quentinho que abraçava as duas linguiças quase derretendo de tão passadas na frigideira, a cervejinha que ajudava o torresmo a desmanchar na boca. Mas pensava na ginástica que lhe faria bem, que ia deixar sua cabeça melhor, vivendo em um corpo são.

Mal sabia ele.

Para começar, o termo ginástica não se usava mais. Depois de apresentar à academia o atestado de que não morreria fulminado por um infarto, descobriu que, hoje em dia, existe musculação, aeróbica, pilates, body rock e até power yoga (que ele também achou um tanto paradoxal, mas deixou pra lá). Tudo, menos ginástica. Além disso, o professor dizia que seu velho tênis não era apropriado para exercícios físicos. Aliás, nem aquela bermuda. Não adiantou seu Roberto argumentar que sempre caminhou – e até deu suas corridinhas – com aquela vestimenta. O professor explicou que a tecnologia avançou muito nesse campo e que foram desenvolvidos tecidos e calçados especiais para fitness (ah, então ginástica agora é fitness!, pensou seu Roberto).

As turmas na academia estavam cheias. “Sabe como é, o verão tá chegando, todo mundo quer ficar sarado”, dizia o professor. Seu Roberto não sabia. Não sabia nem o que o professor queria dizer com “sarado”. Só queria emagrecer e baixar o tal colesterol, para poder voltar ao bar do Antenor sem culpa. Depois de comprar um tênis que custava umas cento e cinquenta latinhas de cerveja e umas roupas que coçavam feito a peste, resolveu subir na esteira. E desceu assim que aquilo começou a funcionar. Era um aparelho para simular caminhada, mas ninguém perde o equilíbrio numa caminhada. Ninguém caminha num chão que anda. O professor abaixou a cabeça, desanimado. Pediu para seu Roberto se alongar, o que ele fez com certa vergonha. Cada vez que os braços subiam, a barriga aparecia. E a barriga não era nem um pouco parecida com as barrigas dos seus colegas de aula. Aliás, para que aquele pessoal estava ali? Se ele tivesse um corpo como o deles, estaria em casa, vendo futebol.

Depois do alongamento, chegou a hora da sessão de tortura, que o professor chamava de musculação. Cadeiras medievais com mecanismos de alavancas, correntes e pesos de ferro fundido. Faltava o inquisidor com chicote e uma vara em brasa, mas seu Roberto desconfiou que essa figura fora substituída pela do professor. Mas persistiu, pensou no corpo são e na mente insana que havia inventado aqueles instrumentos e, após levantar alguns quilos de ferro e ter duas câimbras na panturrilha, ele se levantou e saiu para beber água. Voltou suando, pensando que aquele suor era bom sinal. Sinal de que estava perdendo peso, gastando gordurinhas. Voltou à sala de tortura (isto é, de ginástica – isto é, de fitness!) sorrindo, feliz pelo suor, e ouviu do professor: “bebe mais água, no começo você só perde água. Pra perder a barriguinha, vamos fazer uns abdominais”.

Seu Roberto bem que tentou. Deitou-se, levantou a cabeça até o joelho umas duas vezes. Levantou a cabeça até o peito mais duas vezes. Parou para descansar. Ficou olhando o resto do pessoal correndo, puxando peso, se dobrando nos abdominais em séries intermináveis. E pensou que aquilo devia mesmo fazer bem. E pensou de olhos fechados. E dormiu. O professor o acordou com um leve cutucão nos pés, achando que o pobre homem havia morrido. Seu Roberto se levantou e disse, entre o sério e o ameaçador: “hoje não dá mais”.

Saiu, foi tomar um banho. Vestiu sua roupa confortável, seu chinelo velho de guerra e foi andando. Pensava que aquilo ainda ia lhe fazer bem, que exercício era mesmo necessário, que o verão chegava e ia ser bom ele poder ir à praia sem vergonha de mostrar a pança. Foi dormir sonhando com uma cervejinha. No dia seguinte, acordou pensando em desistir. Sabia que malhar era bom para a saúde, que suas taxas estavam ruins. Sabia que não devia bobear, na sua idade. O que seu Roberto realmente não entendia é por que a linguiça, o cigarro e o torresmo não deixavam o corpo dele todo dolorido no dia seguinte.

Publicado em 08/01/2013

Publicado em 08 de janeiro de 2013

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