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Como os vampiros aparecem na literatura e nas artes

Thales de Oliveira

Segundo Charles Lalo, há nove categorias estéticas, baseadas em três estados de harmonia e três partes da mente humana. Os três estados são: a posse, a procura e a perda. As três partes são a inteligência, a vontade e a sensibilidade.

As três categorias de posse da harmonia são: o belo, o grandioso e o gracioso. As três categorias de procura da harmonia são: o sublime, o trágico e o dramático. As três categorias de perda da harmonia são: o espirituoso, o cômico e o humorístico. Mas Charles Lalo não percebeu que a perda da harmonia pode ser risível ou sofrível, como já havia escrito Aristóteles. Portanto, para cada desarmonia risível, há uma desarmonia sofrível. Podemos chamá-las de sarcástico, se for intelectual; nefasto, se for volitiva; horrível, se for sensível. São as categorias do estético maligno.

Obras literárias de vampiros

O conto é o gênero específico do vampirismo. Drácula, de Bram Stoker, longe de ser a refutação da tese, é sua derradeira confirmação, pois é uma coleção de diários e cartas que possuem estrutura idêntica à do conto. O conto facilita a perspectiva de primeira pessoa que esclarece a dinâmica vítima-caçador da mitologia vampírica.

Antes de entrar na literatura vampírica, que pode ser vista como um subgênero da literatura gótica florescida na literatura romântica, temos de citar a história precursora de todas as histórias de vampiros: A vida de Apolônio de Tiana, escrita por Filóstrato. Este conta um evento sui generis na vida de Apolônio: de que modo ele conseguiu salvar seu discípulo Menipo do envolvimento mortal com uma vampira ilusionista, que pretendia se casar com ele para devorar sua carne e seu sangue.

1) Heinrich August Ossenfelder: Der Vampir, 1748 – desejo de vingança de amante contra a amada que o abandona pela sua origem de terra de vampiros. Vale a pena contemplar na íntegra tal escrito, em tradução de Maria Aparecida Barbosa:

O vampiro

Minha amada jovem crê
Com constância firme e forte
Nos conselhos dados
Pela sempre piedosa mãe
Que como os povos do Tisza
Fielmente acredita
Em vampiros mortais.
Mas espere só, Cristina,
Tu não queres me amar;
Pois hei de me vingar,
E hoje brindo um tocai
À saúde de um vampiro.

E enquanto suave adormeces
De tuas faces formosas
Sugo o púrpuro frescor.
Então tu vibrarás
Assim que eu te beijar,
E qual vampiro beijarei:
Tão logo sucumbas
E lânguida em meus braços,
Como morta cedas
Nesse instante indagarei:
Não superam minhas lições
As de tua bondosa mãe?

2) Gottfried August Burger: Lenore, 1773 – morto retorna para levar sua alma para o altar – "Os mortos cavalgam depressa", usado por Stoker.

3) Johann Wolfgang Goethe: A noiva de Corinto, 1798 – vampira virgem Filinion, que retorna para desfrutar dos prazeres sensuais. Inspirado em A vida de Apolônio, de Filóstrato.

4) Samuel Taylor Coleridge: Christabel, 1795-1816 – Geraldine seduz Christabel e seu pai, além de fugir com ele.

5) Robert Southey: Thalaba, the Destroyer, 1801 – herói encontra a bela Oneiza, cujo cadáver fora possuído por um demônio.

6) Lord Byron: The Giaour, 1813 – maldição lançada por um muçulmano sobre um cristão.

7) John Keats: The Lamia, 1819 – metáfora das relações humanas, baseada em A vida de Apolônio, de Filóstrato (século II d.C.).

8) Charles Baudelaire: As metamorfoses do vampiro, 1857 – vampirismo na relação sexual entre dois amantes. Rendeu ao poeta um julgamento por obscenidade.

9) Edgar Allan Poe: Berenice, década de 30 do século XIX – junto com Morela e Ligeia, prima com doença grave que grita do túmulo.

10) Theóphile Gautier: A morta amorosa, 1836.

11) John Polidori: The vampyre, 1819 – vampiro aristocrata que se infiltra para seduzir, baseado na figura de seu paciente, o poeta Lord Byron. Polidori instituiu, com seu personagem Lord Ruthven, a figura do vampiro como um rebelde além das normas sociais burguesas. Boa parte da importância de tal obra está no curioso fato do surgimento de um ser humano real, o poeta Lord Byron, como primeiro vampiro concreto do imaginário literário.

12) James Malcolm Rymer: Varney, o vampiro, 1847 – folhetim semanal de 109 capítulos, de enorme apelo popular, facilitado pela mecanização da imprensa no início do século XIX. Enfatizava o melodramático com ênfase no grotesco. Da mesma linha são Sweney Todd, o barbeiro demoníaco da Fleet Streed (1848), de Thomas Peckett Prest. Varney possui unhas longas, pele pálida, olhos brilhantes e metálicos, dentes pontiagudos, deixando, pela primeiras vez, marcas no pescoço.

13) Sheridan Le Fanu: Carmilla – críticos e especialistas afirmam que Bram Stoker escreveu Drácula após um pesadelo devido à leitura de Carmilla.

14) Drácula conta a história de um corretor imobiliário, enviado para a Transilvânia para fechar a venda de uma casa londrina para um nobre romeno. Ele mal sabia que tudo fazia parte de um plano secular de um antigo príncipe feudal, reconhecido por sua extrema inteligência, força e crueldade e cuja alma, recusando-se a aceitar a morte, retorna para se alimentar do sangue da espécie humana, prolongando assim seus anos na Terra. A própria esposa de Jonathan agora corre perigo, depois que sua prima foi vampirizada pelo Conde Drácula.

15) Charles Baudelaire – embora este poeta não seja muito citado nas obras de referência da literatura vampiresca, sem dúvida alguma seu gênio criativo se utilizou sobremaneira do soturno arquétipo. Há pelo menos dois poemas que valem a citação na íntegra, pertencentes à obra As Flores do Mal: A fonte de sangue e As metamorfoses do vampiro.

A fonte de sangue

Parece que meu sangue corre por impulsos,
Assim como uma fonte rimada por soluços.
Eu o ouço fluir com um murmúrio longo e lento,
Mas em vão eu me apalpo para achar o ferimento.

Pela cidade como num campo ou fortaleza,
Vai transformando pedras em cercadura
Satisfazendo a sede de cada criatura,
Por toda a parte avermelhando a natureza.

Muito pedi a vinhos de agudo refinamento
Para adormecer por um dia do terror que me contamina.
Os vinhos tornam o olhar claro e a audição mais fina.

Busquei no amor o sono do esquecimento;
Mas o amor para mim é só um colchão de agulhas
Feito para dar de beber às garotas mais pulhas!

Nesse poema fica nítido o que poderíamos denominar de vampirização romântica voluntária. A vítima doa o seu sangue para satisfazer a sede das criaturas que povoam a natureza.

As metamorfoses do vampiro

A mulher, entretanto, da sua boca de morango
Torcendo-se como uma serpente sobre um mango.
Moldando seus seios no ferro do espartilho
Bafejava estas palavras como um estribilho
"Eu tenho os lábios úmidos e a ciência
De perder numa cama a velha consciência.
Seco as lágrimas nos meus seios divinos
E faço rir os velhos do riso dos meninos.
Substituo, para quem me vê nua e sem véus,
A lua, o sol, as estrelas e mesmo os céus!
Eu sou tão douta em volúpias, caríssimos lábios,
Quando afogo os homens em meus braços e lábios,
Ou quando entrego às mordidas meu busto,
Tímido e libertino, e frágil e robusto,
Que neste colchão onde se acabam de tensão
Os anjos impotentes por mim se perderão!

Quando tinha sugado dos meus ossos até a medula,
E que mesmo esgotado eu me entreguei à sua gula
Devolvendo-lhe o beijo de amor, só fiz jus
À visão de outra, viscosa e coberta de pus!
Fechei os dois olhos, no meu frio espanto,
E quando os reabri à claridade do pranto,
Ao meu lado, em vez da modelo sedutora,
Que parecia ser de sangue uma adutora,
Estremeciam de um esqueleto os destroços,
Reproduzindo de um catavento os esforços,
Ou o ruído de uma placa que durante as noites,
O vento no inverno balança com os seus açoites".

Este poema, entre outros de As flores do mal, renderam a Baudelaire um processo por obscenidade.

Cinegrafia vampírica

Nosferatu

Drácula, de Bram Stoker: há dois filmes "Nosferatu": o de Murnau, o célebre expressionista alemão; e o de Herzog. Ambos são inspirados em Drácula, de Bram Stoker, mas sequer podem ser considerados adaptações da obra do irlandês.

Entrevista com o Vampiro: baseado na obra de Anne Rice. No livro V dos sete sobre Lestat, Rice descreve como Lestat, um vampiro comum e fraco, acaba se tornando tão poderoso, por sugar o sangue de vampiros poderosos, até o ponto em que o próprio diabo se torna temeroso de que sua fama e glória o superem. Então ele faz uma proposta a Lestat: levá-lo ao tempo de Cristo, no instante da crucificação, para que ele possa beber o sangue que escorre do corpo de Cristo, tornando-se assim ainda mais poderoso. Mas Lestat declina da proposta, dizendo que entendeu a armadilha: aquele que bebe o sangue do Redentor não pode mais continuar se tornando um vampiro, mas volta a ter a alma humana. Isso deixa patente, até mesmo em uma escritora contemporânea, a ligação entre a lenda do vampiro e o credo cristão pela analogia do sangue.

Força Sinistra (Life Force - Vampiros do Espaço)

Anjos da noite: esta série, protagonizada por Kate Beckinsale, é interessante pela possibilidade de união do mito do vampiro e do lobisomem como duas criaturas que possuem o mesmo tipo de maldição.

Deixa ela entrar: este filme sueco excepcional desnuda todas as nuances existenciais e filosófico-antropológicas da lenda do vampiro. São tantas as referências e indagações filosóficas ali que nos contentaremos, por ora, a citar algumas:

  1. nexo entre pureza e violência
  2. ligação entre sexualidade não genital e vampirismo
  3. o problema da inumanização das relações humanas. Isso é importante porque capacita a reflexão sobre um aspecto básico do vampirismo, presente desde a relação nobre-servo.

Crepúsculo

Extermínio: vampirismo familiar

Gritos e sussurros: o filme mostra a relação entre três irmãs ao longo de suas vidas, desde a juventude até a fase adulta. Uma delas fica presa a uma imagem nostálgica da união primordial. Ela fica doente de corpo e alma, e passa a absorver todo o cuidado e a atenção das irmãs. Há um momento em que a imagem da escultura La Pietà, assim como a ideia de morta-viva sedenta de sangue, são evocadas de modo impactante. Quem realmente assume a função de doadora vital não é nenhuma das irmãs, mas a criada da casa, que sempre as conheceu.

Persona: também do diretor Ingmar Bergman. Mostra a relação entre uma atriz e uma enfermeira, que trocam de papéis em relação de vampirismo recíproco.

Vampirismo como hemofilia

Drácula como vampiro perfeito: o verdadeiro ensinamento do livro de Bram Stoker sobre o Conde Vlad III pode ser sintetizado na fórmula "o desejo nunca morre".

Psicologia vampírica

Por que o vampiro fascina tanto? Por que os mortos-vivos fascinam tanto? Por que cadáveres fascinam tanto? A necrofilia, sexual e não sexual, é a origem. Ninguém é indiferente à visão do cadáver. Muito menos nos países frios, onde ele se conserva intacto.

O vampiro representa o lado sedutor do mal. É também a personificação da doença, que parece um demônio sugando nossas forças. Muitos povos ancestrais oferecem o sangue e o coração de vidas inocentes (por exemplo, judeus oferecem cordeiros saudáveis a Javé e os astecas ofereciam vidas de jovens virgens para os seus deuses, a fim de substituir a vida do povo pela dos indivíduos sacrificados).

O fascínio pelo vampirismo é religioso, pois o sagrado, como afirmou Mircea Eliade, é de dois tipos: o positivo (divino), e o negativo, ou demoníaco. Ora, são polos antitéticos e muitas vezes correlativos. O temor do demoníaco intensifica a reverência pelo divino.

Leia também: Vampirismo e vitalismo.

Publicado em 16 de abril

Publicado em 16 de abril de 2013

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