Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.
Fórmulas de restaurante
Alexandre Alves
Num domingo desses, meu sobrinho deu, sem querer, um exemplo que todo professor gostaria de presenciar.
Fomos almoçar num restaurante simplesinho, desses de toalha quadriculada em vermelho ou verde, com uma folha de papel sobre ela. Pois bem, a conversa corria solta quando, sem quê nem pra quê, Mateus me pede a caneta. Entreguei e fiquei observando pra ver o que ele escreveria; afinal, papel não faltava.
Tudo bem, ele não tinha sido um aluno brilhante no Ensino Médio – chegou a fazer recuperação, precisou de monitoria e professor particular, por exemplo –, mas passou para Engenharia na PUC-Rio, uma das mais conceituadas faculdades de engenharia. Desde que começou o curso, acordava todo dia às cinco da manhã para caminhar até o metrô, embarcar e depois pegar um ônibus até a Gávea; isso já é uma significativa demonstração de empenho pelos estudos.
O fato é que, pouco antes de a comida ser servida, Mateus estava com o papel todo escrito, com fórmulas extensas e símbolos indecifráveis para mim, mísero professor de Português que olhava aquilo de cabeça para baixo. E não parava. Aos poucos ia evoluindo em suas anotações, falava sozinho, riscava, rabiscava aqui e ali. Brotava naquele papel o resultado de uma equação que certamente vinha incomodando-o há algum tempo. O melhor é que perguntei a ele: “tem prova amanhã?”, ao que respondeu, seco, com certo ar de desprezo: “não”.
Eu, como professor, ficaria feliz se soubesse que havia provocado um aluno de tal forma que ele, em pleno domingo de descanso, sem prova marcada, ficasse pensando no que eu havia falado, abordado, sugerido, contado em aula dias antes.
E Mateus continuava compenetrado ali, fazendo e refazendo os cálculos, tirando conclusões, alheio aos assuntos que circulavam na mesa. A comida chegou e ele alternava o instrumento que segurava: ora o garfo, ora a caneta...
Chegou ao final que desejava, refez algumas contas e deu-se por satisfeito. Comeu com todo o cuidado, para não sujar de molho madeira aquela preciosidade que tinha preparado.
Além da perspectiva de contribuir para que seu aluno aprenda, provocando a interação entre alunos, a troca de ideias com eles e entre eles, um professor sonha com a oportunidade de levar um aluno a se envolver tanto com um assunto a ponto de fazer pesquisas por conta própria, sobre temas paralelos a ele (e não para fazer um trabalho valendo nota).
No fim do almoço, Mateus dobrou e guardou a folha de papel do restaurante. Não tenho certeza se ele passou a limpo no caderno aquelas anotações todas que fez; talvez tenha levado assim mesmo para a faculdade.
Se fosse eu o professor e recebesse o papel do restaurante, colocaria numa moldura e prenderia na parede de casa.
Mesmo que as contas estivessem erradas.
Publicado em 16/04/2013
Publicado em 16 de abril de 2013
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.