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O jogo sígnico da poética de Arcimboldo
Rodrigo da Costa Araujo
Doutorando em Literatura Comparada (UFF)
Tout est métaphore chez Arcimboldo.
(Roland Barthes. L’obvie et l’obtus. Essais Critiques III, p. 129)
Um convite semiótico
Ao olhar de relance para as telas de Arcimboldo (1527-1593), a surpresa, o estranhamento, o deslocamento são ações instantâneas e extremamentes esperadas. Não há como negar: o olho procura no meio embaralhado dos signos uma pista para entender, uma forma de adentrar os quadros, um caminho a seguir. A preferência por Arcimboldo e o recorte escolhido por nós aconteceram justamente pelo enigma que percorre o processo de significação, algo que ora se apresenta, ora se esconde, se disfarça. A dissimulação tece-lhe o corpo/rosto e estabelece um jogo em que cada voz e cada termo se afiguram como máscaras que, apenas em avaliação, possibilitam ver onde se fia um traço comum. Traço, ele mesmo, nem sempre igual, mas aproximado, seja pela harmonia momentânea (lugar onde os significantes se interseccionam, produzindo uma direção, dado o corte), seja pela ressonância díspar de alguns outros textos, às vezes só identificados quando se para para olhar atentamente, percorrendo e avaliando a tessitura das telas.
O olhar semiológico, preso à tela vertiginosa e ao estilo exuberante do pintor maneirista, constrói capacidades para dar vida própria às imagens, emprestando-lhes um conteúdo inesperado. Inquieto sobre os detalhes e os signos, o olho do leitor tateia sempre o caminho que liga o sujeito observador aos objetos, aparentemente distraído, perplexo, tentando formalizar uma linguagem, uma percepção que atinge um grau de estranheza radical.
Assim, a vertigem, nas mais diferentes formas, vai ser a tônica da manifestação lúdica de Arcimboldo, redundando invariavelmente em jogo, mistérios, devaneios – um olhar movediço e envolvente. “Todo jogo é capaz, a qualquer momento, de absorver inteiramente o jogador” (HUIZINGA, 1990, p. 11). Em todo o percurso interpretativo e sedutor, procuraremos mostrar as manifestações do lúdico nas telas Ar, Fogo (1566), Água (1566), Terra (1570) e O blibliotecário (1566), por meio das diferentes formas de jogo e dos mais representativos recursos da metáfora.
A percepção, sempre à deriva e “fora do lugar”, é volúvel porque as telas também o são. Tanto o olhar como o leitor poderão, nessa brincadeira, compor partes, juntar fragmentos e associar imagens para montar o quebra-cabeça. As telas de Arcimboldo tornam-se, assim, à imagem do estilo em palimpsesto, composições que oferecem uma pista socialmente aceitável para que, de seu avesso e entre as frestas interrogativas, surjam outras imagens que, no entanto, não se apresentam claramente legíveis, porque são virulentas e fugidias. Consiste, como afirma Chklóvski (1971, p. 45), “em obscurecer a forma, em aumentar a dificuldade e a duração da percepção. O ato de percepção (...) é um fim em si e deve ser prolongado; (...) é um meio de experimentar o devir do objeto”.
Por se tratar de telas alegóricas, ou seja, “um discurso metafórico que contém dois textos vinculados entre si pelo mesmo fundamento, que os associa num novo conjunto significante, um novo discurso” (LOPES, 1986, p. 42), e que reportam sempre a um retrato, uma história de gente, a leitura se dará como expansão da metáfora, percebendo os procedimentos da metaforização e do jogo vertiginoso. A palavra vertigem, no caso, não é só a visualidade em relação às telas, também assume semiologicamente uma forma de ler ou trata-se, etimologicamente, de uma tontura, desvario, loucura, tentação súbita, algo que perturba a razão ou a serenidade.
Arcimboldo e suas cabeças compostas
Figura 1: Autorretrato de Arcimboldo
Nascido em Milão em 1527, Guiseppe Arcimboldo, além de pintor, foi figurinista, decorador e escritor. Foi conde do império e trabalhou quinze anos na corte de Maximiliano e onze anos na corte de Rodolfo II, onde recebeu muito ouro e honrarias. Suas obras mais representativas e transgressoras na época eram as várias Cabeças Compostas, que retratavam perfis humanos, feito colagem, junção de bichos, plantas, objetos que compõem alegorias labirínticas. Fragmentos, objetos e signos duráveis, imóveis e justapostas que exigem do espectador a lentidão do olhar, a postura de obvervador e dedicação para decifrar a multiplicidade e sofisticação de detalhes da imagem.
Foram esses exercícicos e telas enigmáticas que encantaram o imperador Maximiliano II e garantiram seu emprego como pintor oficial da corte. Além de pintor, Arcimboldo também organizava festas, bailes e torneios, ganhando grande influência e popularidade. Sua técnica e a exigência da atenção parecem anunciar, pela profusão de colagens, formas, traços, texturas, objetos e signos, um novo tipo de leitor: o leitor “fragmentado, movente”, segundo Santaella. Não importa; ensimesmados, os leitores desconfiam, juntam fragmentos aqui e ali para compor a imagem múltipla, fugidia, um universo que se confunde e se mescla com o real e com a imaginação.
Com sua morte, em 1593, em pouco tempo suas alegorias e façanhas caíram no esquecimento. Mas, pelo visto, Rodolfo II, com suas estranhas manias e coleções, inspirou a arte de Arcimboldo. Nas salas desse imperador para cujo enriquecimento Arcimboldo contribuiu com seu talento, havia “vermes enormes, anões, gigantes, escorpiões, gêmeos siameses, pedras mágicas, aparelhos mágicos, labirintos, instrumentos musicais, relógios, fósseis de animais e plantas, instrumentos ópticos, espelhos de toda sorte, curiosidades da Índia, da China ou do Peru” (HOCKE, 2005, p. 237). Para Hocke, em seu livro Maneirismo: o mundo visto como labirinto, o estilo metafórico e “a técnica das imagens compostas – enigmáticas e alegóricas” (p. 244) foram exemplo para as artes dos séculos XIX e XX.
Enfim, esse museu bizarro a céu aberto das “metonímias banais” das composições arcimbolescas instigou pintores e estilos do Romantismo ao Surrealismo. Com suas “experiências artísticas, Leonardo da Vinci partiu e duplicou a fisionomia humana. Dali, sem dúvida, imitou-o” (HOCKE, 2005, p. 253). Com Freud, essas leituras ainda se intensificaram a partir de 1920. O vigor do inconsciente e o mundo dos sonhos ganharam forças com as telas de Picasso, e a fragmentação tomou conta dos textos literários. O sonho, a magia e o lúdico das telas arcimbolescas e maneiristas assumiram as palavras-chave e demiúrgicas das artes de agora.
Os devaneios labirínticos que retomam o famoso conto A biblioteca de babel (2001), de Borges, e a força dessa poesia que alucina nosso olhar relembram e confirmam o universo de Arcimboldo. O tempo inteiro suas telas reforçam “o jogo que lança sobre nós um feitiço: é ‘fascinante’, ‘cativante” (HUIZINGA, 1990, p. 13). Essa implosão caldeidoscópica de signos do mágico da pintura maneirista parece impressionar a todos e se distanciar da concepção de arte como cópia da natureza para assumir “a doutrina que cria não meramente a partir da natureza, mas à semelhança da natureza” (HAUSER, 1988, p. 398).
Assim, as linhas de força desse perfil derivam das telas de Guiseppe Arcimboldo, ou seja, sob o signo do biografema barthesiano. Uma vida que se deixa contar em forma de fragmentos, recortes, closes. Escolha de uns, abandono ou esquecimento de outros. As citações foram tecidas e recuperadas das próprias telas como elementos do desenho do perfil.
Partes que se juntam, colagens, desenho que permite o esboço, o inacabado e o desviante. Reunião de fragmentos dispersos, “exercícios da linguagem”, manifestação sígnica, “textos de gozo”, no sentido barthesiano da palavra. Perfil criado nas superfícies líquidas da Água ou nas ardências hedonistas das labaredas do Fogo – um mosaico ilusionista, um desenho de perfil ou mais uma cabeça composta?
Vertigens do olhar
O jogo visual da produção de Arcimboldo, mesmo encantando a todos que dela se aproximam, parece sugerir, mesmo entranhada no espectador/leitor, uma ilusão de significantes que se deslocam, não permitindo, assim, serem capturados pelos olhos. Essa fuga do olhar, entretanto, desafia o leitor em redemoinhos de signos que projetam no espaço da fantasia a imaginária visão ou “efeito de real”. Nesses pontos que parecem e desaparecem em jogos obscuros e escondidos, a inteligência parece não conseguir explicar tais efeitos ou colagens. Nesse processo semiótico, segundo Kristeva (1999, p. 358), “o código do quadro articula-se sobre a história que o rodeia e produz assim o texto que o quadro constitui”.
Por outro lado, atentos aos detalhes, à surpresa e aos signos, aparentemente percebemos que não nos falta emoção para sentir de perto o remoto e silencioso fascínio de seus segredos. Por isso, ao limitarmos os olhos nessa tela de Arcimboldo e sem saber o que dizer, capturamos tão somente com um vago e contraditório sentimento de atração: suave, leve, sinestésico, percebemos o Ar sorrateiro e calmo, pousando na tela.
Figura 2: Ar (sem data)
Inexplicável, nessa tela, o Ar parece ser composto de aves que sugerem os signos da suspensão, da liberdade envolvente de voar, de um vazio que conduz à dimensão do espaço, da visão desamarrada do peso e dos objetos. Fixar os olhos, pois, nessa inesperada sensação de ar corresponde, de certa maneira, ao ato de reviver visionariamente a entranhável viagem do vento, a sensação que permite e manifesta a vida e a dimanicidade dos bichos na tela.
Assim, é fácil perceber que a poética de Arcimboldo configura-se num projeto artístico que convida simultaneamente à fruição e à reflexão, porque o conjunto de aves que constroem o universo do Ar é um conjunto de signos ou um sistema de signos que se completam em sua visualidade (o todo). Nesse sentido, necessário se faz, então, um “leitor de possíveis”, segundo Lucrécia Ferrara, e o leitor/receptor deve ser “o motor que impulsiona a fragmentação sígnica na medida em que é capaz de, numa operação de descoberta, operar o avesso do signo, a contraface do signo que o faz ser um e todos ao mesmo tempo” (FERRARA, 1981, p. 12).
O “estilo estiloso” dessa tela opera com a ênfase que se dá às partes, em detrimento do todo, em tantas obras maneiristas, reforçando assim o olhar vertiginoso, que procura detalhes, mas que tenta o tempo inteiro, no jogo labiríntico, compreender o dinamismo e o efeito do encanto nos detalhes. O giro do olhar à deriva, diante do ângulo das asas dos bichos ou das penas flutuantes, reforça a analogia com o ar, deslocando a vista da tela para um espaço maior, mais livre; em outros termos, o leitor tem de se confrontar com a leveza, com o fugidio, enfim, entender-se cara a cara com o ar na própria pele. Jogo dos sentidos, jogo dos olhares. Imagens caleidoscópicas que ecoam de maneira genial com a poesia de Alberto Caeiro, nos seus versos que dizem que “pensar é não compreender”, “é estar doente dos olhos”. A ilusão, dessa forma, procura o horizonte sem fim, o ar que produz o mecanismo da vida diante da tela, o efeito de uma paisagem onde os bichos vivem. Todas as aves, nesse conjunto, compõem o universo semiológico do ar, a amplitude, o horizonte e a liberdade.
Em O bibliotecário (1566), Arcimboldo parece propor uma reflexão sobre a leitura. No jogo de alegorias de livros com o espectador, o pintor traz para dentro do quadro olhares deslocados e metáforas instituídas pelo mundo do livro. Querendo ou não, é a pintura retratando o ato de ler, uma maneira de encarar esse ato. Nesse sentido, não seria a pintura mesmo um exercício de leitura? Uma espécie de representação de uma leitura? Leitura e pintura não se revestiriam de um mesmo processo? Ver e ler não teriam um mesmo caminho labiríntico nessa tela? Tudo sugere a Biblioteca de Babel, na qual Borges se compraz: “os mesmos volumes se repetem na mesma desordem (que, reiterada, seria uma ordem: a Ordem)” (BORGES, 2001, p. 100).
Leitura e metalinguagem
Figura 3: O bibliotecário (1566)
O bibliotecário, assim, vale-se do processo autorreflexivo que articula a metalinguagem visual. Livros que remetem a livros, palavra que puxa palavra – título que sugere signos de leitura. Cada livro individualmente, composto na tela em forma de blocos ou pilhas, rompem seus limites de simples “objeto de leitura”, perdendo seu caráter individual. Juntos, alegoricamente na obra, sugerem o mundo da leitura e do bibliotecário.
Brincando com significantes “livros”, Arcimboldo reflete sobre a relação leitor/leitura, espectador/obra, ler/desler, jogo/leitura, montagem/desmontagem. De qualquer forma, acentuam-se a força da leitura e o poder das palavras. “O homem, o imperfeito bibliotecário, pode ser obra do acaso ou dos demiúrgos malévolos” (BORGES, 2001, p. 93). Dando feição concreta ao bibliotecário, trabalhando, representando, assim, na sua materialidade de objeto, a tela paradoxalmente contrapõe dois tipos de leitura na expressão da ideia de livro/palavra. Essa ideia poderia ser traduzida no quadro mais à frente.
No primeiro plano, a leitura parece surgir “pronta”, com os livros justapostos e arrumados aleatoriamente diante dos olhos e numa primeira análise. Leitura, nesse primeiro momento, resumir-se-ia em livros. Com um olhar mais atento e apurado, o protagonista da tela parece apontar, do outro lado da cortina, no segundo plano, uma outra proposta de leitura. Leitura, nesse outro momento do olhar, assumiria outro significado: algo mais crítico, labiríntico, muitas vezes desolador pela sua carga semântica de conhecimento e informação.
Ler, nessa perspectiva, seria um ato além do significante livro apresentado no primeiro plano da tela. A reflexão metalinguística sobre o título Bibliotecário, nesse sentido, desaloja o leitor, embora suavemente isso passe despercebido aos olhos de um espectador desatento. A biblioteca, nessa alegoria bem tramada na poética de Arcimboldo, constrói um efeito final perturbador. O deslizamento de sentidos da imagem “livro”/leitura percorre a passagem da beleza, do toque da descoberta, sem esquecer o “peso” e a responsabilidade que a informação carrega.
A tela, assim, traduz a passagem concretizada para o espectador/leitor das imagens. A leitura apresentada como travessia ou caminho busca, mesmo que desoladora (escuridão atrás da cortina), situar o espectador em seu constante fazer no espaço e no tempo da moldura. Afinal, nas palavras que Christian Metz, “um quadro é uma imagem, mas não é apenas isso; ou, antes, a imagem nele é intimamente atravessada por mil configurações que, ao mesmo tempo, nos levam muito longe dela e nos introduzem em seu núcleo; até certo ponto, o quadro não é outra coisa senão a leitura que dele se faz: narração, descrição, cenário” (1974, p. 15). Com essas ações/pinceladas metalinguísticas, o artista faz a relação da leitura com o mundo, alimentando-se de tais recursos para exibir os bastidores da representação do outro lado da espessa cortina cinzenta.
1º plano | 2º plano | Elaboração |
---|---|---|
Óbvio Aparente/presente Olhado Inocente Integração dos objetos | Obtuso Ausente Escondido Crítico Desintegração dos objetos | Metalinguagem |
Semelhante à metodologia utilizada por Barthes em S/Z (1970), esse esquema assume um processo interpretativo na tela O bibliotecário. Tal leitura, ainda que aplicada ao texto literário e aqui transcrita para tela, visa não a ordenar significações e sim a fazê-las explodir visualmente. Jan Mukarovsky, em seu famoso ensaio A arte como facto semiológico, de 1934, afirma que a obra de arte possui uma natureza sígnica, porque é comunicativa. Sendo signo, essa tela de Arcimboldo necessita de um receptor atento, que decodifique seu significado, transformando-o em um objeto significativo.
Assim, lendo a tela em duas grandes partes significantes (1ª parte e 2ª parte) e nomeando-as barthesianamente em lexias, propomo-nos múltiplas e flutuantes significações das alegorias do bibliotecário. Esse trabalho de leitura, por recortes, assinala certo conjunto de códigos de que participa o plural da tela, parte da noção de escritura como atividade lúdica e descentrada.
Algumas conclusões
Toda tarefa da arte é inexprimir o exprimível, retirar da língua do mundo, que é a pobre e poderosa língua das paixões, uma outra fala, uma fala exata. (BARTHES. Préface. Essais Critiques. p. 15).
O que olhar? “O efeito do olhar” resultante da somatória de uma decepção com uma surpresa ocorre quando o enunciatário se defronta com uma construção que suprimiu o que ele esperava que ela contivesse, adicionando em seu lugar o que ele não esperava que viesse. Constantes vazios, constantes lacunas, uma percepção de ruptura das perspectivas programadas na competência do espectador/leitor. Caminhos de estranhamentos apontados pelos formalistas russos que viam no artifício do “estranhar/entranhar-se” um conceito de arte extremamente aplicável ao efeito de leituras da obra de Arcimboldo como elemento característico da apreensão de um desvio.
Os Quatro elementos, objeto da preocupação da poética barchelardiana como cosmologia simbólica, também podem ser interpretados como alegorias do homem e de sua relação com a natureza em Arcimboldo. Muitas vezes dominando-a, outras vezes questionando-a. Água, Fogo, Terra e Ar e os derivados poéticos são, semiologicamente, o lugar metafórico onde o imaginário se liga diretamente à sensação. “Todos os sentidos podem, pois, “olhar”, e inversamente, o olhar pode sentir, escutar, tocar etc.” (BARTHES, 1982, p. 280). Ainda que dialogando arte e ciência na época, tudo nas composições arcimbolescas parece sugerir que não se trata de um domínio científico, mas de uma poética estruturada em fragmentos, colagens, concentração de signos. Michel Le Guern (1974, p. 65), ao estudar as metáforas e os símbolos, diz: “Estas metáforas associadas aos elementos primitivos e à experiência comum permitem particularmente um processo de rejuvenescimento da imagem pelo emprego de uma outra metáfora extraída do mesmo campo semântico”.
A presença dos quatro elementos naturais rememora a ideia dos primórdios, na origem da vida. Arcimboldo dispõe, na trama ou teatrologia cósmica das telas, condições de reflexões sobre as questões ecológicas, sem contudo banalizá-las. Os exemplos trazidos às páginas desse ensaio servem para comprovar os pressupostos teóricos que postulam a intertextualidade como “estratégia da forma”; consequentemente, estratégia do conteúdo.
O trabalho empreendido pela poética de Arcimboldo revela que, como mosaico, suas telas se constroem pela absorção de múltiplos signos sem que o uso da intertextualidade desintegre o discurso imagético. Tudo confirma que “os signos definem-se por relação uns com os outros. Um signo é sempre interpretável por outros signos” (YANGUELLO, 1997, p. 84). Há, pois, uma situação de equilíbrio capaz de manter a unidade estética da própria obra, que se enriquece com a irrupção de outras imagens, sempre numa concepção dialógica, convidando o leitor a uma leitura múltipla, visto que “o novo contexto procura, em geral, uma apropriação triunfante do texto pressuposto” (JENNY, 1979, p. 43). A intertextualidade é vista, ainda, como “máquina perturbadora. Trata-se de não deixar o sentido em sossego – de evitar o triunfo do ‘cliché’ por um trabalho de transformação” (JENNY, 1979, p. 45).
Nesse jogo das matérias não há oposições, mas cumplicidade entre o mundo da imaginação e o mundo dado. Os bichos, plantas, objetos e outras colagens que compõem os retratos são elementos instigadores das cinco sensações, bem como metáforas de sensações possíveis: leve, alto, baixo, pesado, áspero etc. Como charada, as colagens só se deixam compreender pela interação dos signos, que isolados são descontextualizados e banais e, por isso, somente na união produzem sentido.
Com “esse êxtase hipnótico”, para usar uma expressão de Lucrécia Ferrara, força-se o espectador a dilatar as pupilas para ver melhor, para identificar com maior nitidez o que se encontra escondido. Em sentido barthesiano, o espectador deveria produzir uma certa mântica. Arcimboldo opera, com suas Cabeças compostas, uma volta à natureza primeira das imagens, com suas mirabolantes pinceladas, buscando um movimento inverso não da fossilização da imagem, mas a pluralidade de jogos e de significados. Em sua poética, a representação mimética do universo não encontra tempo nem espaço numa pintura que só se atualiza por meio de jogos visuais, cujo sentido para ser liberado exige o que Lucrécia Ferrara denomina “leitura-montagem”. Segundo a estudiosa, “a leitura-montagem se produz sobre resíduos sígnicos, sobre o lixo da linguagem. À maneira de uma dobradura ou de uma “sonda heurística”, a leitura-montagem é ela própria dialógica, porque o texto fornece as pistas, mas as saídas, as possibilidades de leitura-montagem precisam ser deflagradas” (FERRARA, 1981, p. 192).
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Publicado em 30 de abril de 2013
Publicado em 30 de abril de 2013
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