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O rigor da educação tradicional: a Sociedade dos Poetas Mortos

Eduardo Beltrão de Lucena Córdula

Mestrando (UFPB), especialista em Supervisão Escolar (IESP), pesquisador do Gepea (UFPB)

Numa oportunidade ímpar de releitura do célebre longa-metragem Sociedade dos Poetas Mortos, de 1989, dirigido por Peter Weir, relembro a célebre atuação de Robin Williams, que leva a navegar por essa comédia dramática, que nos remete a um momento da história da educação elitista norte-americana. Nesse recorte temporal, vislumbramos uma sociedade e uma educação não condizentes com a vitalidade da juventude de seus filhos; ao longo do filme, é possível projetar de forma contextualizada para o nosso país e o momento atual, os problemas e entraves que acorrentam e ancoram o pleno desenvolvimento do sistema educacional.

Alguns pontos são cruciais no entendimento do filme, principalmente o processo de ensino, com aulas que eram consideradas ortodoxas para a época e que hoje seriam apenas uma pedagogia da transformação do indivíduo na busca de sua autonomia.

A seguir, foram tecidos pontos-chave do longa-metragem para caracterizar uma educação clássica, positivista e totalmente cartesiana, em que os condimentos científicos se transformam em dogmas imutáveis, e a atualidade precisa renovar e transformar os saberes a todo momento para o pleno desenvolvimento da humanidade.

Educação na década de 1960 – Academia Welton

O filme retrata a vida de um professor de inglês e literatura nada convencional, Mr. John Keating; ele foi contratado em 1859 para lecionar em uma escola tradicional dos Estados Unidos, a Academia Welton, cujo ano letivo se inicia com a apresentação do corpo acadêmico e do diretor da escola, além de uma encenação dos princípios que a regem, que são a Honra, a Tradição, a Disciplina e o Mérito, estimulados pelo símbolo da luz do saber materializado em uma vela, que sempre irá conduzir os alunos da escola ao conhecimento, mesmo nos momentos de escuridão.

A escola de rapazes adota uma postura de autoridade e rigidez perante seus alunos, mediante uma pedagogia tradicional clássica e arcaica, que adota como métodos de ensino-aprendizagem a repetição, a memorização, o excesso de exercícios e a punição física e moral para educar os rapazes da sociedade elitista da época.

As relações humanas retratadas no filme

  1. Diretor x professor: o diretor conduz a escola e o professor é submisso a ele, devendo manter os quatro pilares da escola acima de tudo e seguir o currículo tradicional escolar.
  2. Diretor x pais: os pais concordam com os diretores em tudo, e nos pilares da escola para a construção do caráter e da maturidade de seus filhos, preparando-os para a faculdade.
  3. Diretor x aluno: o diretor determina a permanência do aluno na escola, as punições severas – que nos casos dos delinquentes eram físicas com palmatória –; os alunos sentiam-se castrados emocionalmente.
  4. Professor x aluno: os professores conduzem o saber e os alunos absorvem e repetem, sem questionar, inovar ou criar. Não há dialogo entre eles e a distância se mantém nesta relação.
  5. Aluno x aluno: eles mantêm os laços de amizade, vinculados aos grupos de estudo, aos momentos de laser e pelos interesses mútuos devido à convivência no ambiente escolar. É a única relação que permite o diálogo aberto e o compartilhamento de quem são e o que realmente desejam para si mesmos.
  6. Pais x filhos: não havia diálogo entre pais e filhos. Os pais exercem autoridade total sobre os filhos, que por sua vez deveriam ser submissos aos pais, ter responsabilidade nos estudos e quase uma reverência de respeito a eles, além do que deveriam seguir cegamente o que os seus pais determinavam para sua vida profissional.

As aulas de Mr. Keating

Mr. Keating transformava a rotina que era a vida de seus alunos e da própria escola, com suas técnicas e métodos, que fugiam à aula tradicional e conteudista da época. Ele mesmo ex-aluno da Academia Welton, via nela um exemplo negativo de pedagogia e buscava meios opostos para ensinar com vida e harmonia a seus alunos. Os demais professores da academia eram considerados desatualizados, transformavam a vida escolar dos alunos em rotina, monotonia e exaustão. Com humor e sabedoria, o professor Keating, inspira seus alunos a seguir os próprios sonhos e a viver vidas extraordinárias. A forma como ele leciona está à frente do seu tempo, transformando a vida de seus alunos, que o chamavam não de “professor”, mas de “meu capitão”, pela forma como eram conduzidos para buscar a luz do saber. Marcadamente destacamos quatro aulas: Carpem diem; Compreendendo a poesia; Interpretando Shakespeare; Compreendendo a poesia; Ligação esporte-poesia-música e Caminhada no pátio.

Quadro 1 – Percepção dos alunos sobre as aulas do professor Keating.
Aulas Percepção do impacto das aulas nos alunos
Carpem diem Os alunos ficaram surpresos e acharam esquisita, diferente e ao mesmo tempo assustadora a primeira aula de Mr. John Keating; ela aconteceu fora da sala de aula, no corredor, e o professor estava conversando com eles, escutando-os e estimulando-os a dialogar, mostrando o passado da escola e ensinando-os um lema novo: “Carpem Diem”, conectando ao passado, às turmas anteriores.
E Carpem Diem (Aproveite o dia, ou seja, viva o dia) passa a ser o lema dos alunos em tudo que decidem fazer para seguir seus sonhos.
Compreendendo a poesia O aluno lia a introdução do livro da aula de Compreensão da poesia, e o professor mostra que o autor entende a poesia como uma ciência exata, lida por meio de técnicas de gráfico. Mr. Keating pede que todos rasguem a introdução do livro, chamando-a de “excremento”. Foi uma ousadia para eles, pois estavam destruindo parte de uma obra literária; ficaram apreensivos e atordoados de início, mas, como são acostumados a seguir cegamente as ordens dos professores, fizeram-no, percebendo depois que a poesia deveria ser sentida, sonhada, criada, vislumbrada, criticada e recriada.
Interpretando Shakespeare Para os alunos, Hamlet, Otelo e outras obras de William Shakespeare são um tormento, pela linguagem adotada, e não se tornavam atrativas. Keating mostra que a interpretação é fundamental.
Ligação esporte-poesia-música A energia, o movimento, o ritmo que o esporte, a música e a poesia possuem podem ser equiparados e deve-se mergulhar neles com vida e desprendimento total, para poder senti-los. Mostra que podemos sentir a poesia da mesma forma que temos emoções com a música ou ao assistir a uma partida esportiva, ou seja, onde há vida há poesia, há emoção.
Caminhada no pátio Os alunos começam a se reconhecer como indivíduos únicos, avaliando-se, descobrindo e explorando quem são em seu caminhar, interpretando seu modo de andar.

A Sociedade dos Poetas Mortos

A Sociedade era um grupo formado por rapazes da escola da turma de John Keating quando era aluno da Academia Welton. O grupo que se reunia em uma caverna indígena na floresta próxima da escola para leitura de poesias de autores já mortos e onde se deixavam levar pelos sonhos, pela imaginação e pelo livre pensar. Alguns dos integrantes criavam seus próprios poemas, que na realidade refletiam o seu Eu interior.

Essas obras eram recitadas e apreciadas longe dos ambientes da escola, por pertencerem a poetas que a escola acreditava que desviavam a conduta dos alunos, pela intensidade visual e emocional das palavras que adotavam. Os integrantes da Sociedade davam nova interpretação e vida em suas leituras e releituras individuais.

Momentos marcantes do filme

  • Durante o almoço coletivo, Mr. John Keating conversava com o professor seu colega da escola, que comentou não concordar com os métodos de aula de Keating e o evento de rasgar a introdução do livro de poesia, devido à forma como o professor Keating tenta libertar as amarras sociais que reprimem o livre pensamento de seus alunos em cada aula.
  • Ao falar de Shakespeare, disse que os alunos podem ler Hamlet, Otelo e outras obras dando sua interpretação, dando-lhes uma nova perspectiva – pois para rapazes estas obras era enfadonha – mas podem se tornar divertidas e prender a atenção do leitor.
  • Outro momento é quando um dos alunos que possuem uma timidez tremenda e vergonha de falar em público e têm que declamar uma poesia de sua própria criação na sala, o professor instiga-o a gritar como um bárbaro para que ele se descontraia e depois pede para descrever um autor literário cuja fotografia está na parede, tampando seus olhos e estimulando-o a falar; sem que perceba, o aluno faz poesia e a declama na frente dos colegas de sala, que ficam deslumbrados. O professor eleva a autoconfiança dos alunos e a liberdade de serem eles mesmos.

Conclusões

O filme é excelente para momentos de discussão entre os corpos docente e técnico escolar, para mostrar como podemos sempre inovar e buscar meios diversificados para mudar a vida do nosso alunado.

Uma escola democrática deve favorecer o livre pensar do alunado, edificando sua cidadania e tornando-o um ser humano crítico-social e transformador. Procurar interagir, provocar mudanças e ajudar ao aluno a construir a sua identidade é um dos papeis da comunidade escolar. Ali o professor é a inspiração, o exemplo em que o aluno pode se espelhar por conduzi-lo ao saber, vivenciando o conhecimento e auxiliando-o na autonomia da busca do conhecimento e de seu desenvolvimento.

Ficha técnica do filme:

  • Título: Sociedade dos Poetas Mortos
  • Direção: Peter Weir
  • Gênero: Comédia dramática
  • Produção: Touchstone Pictures

Publicado em 30/04/2012

Publicado em 30 de abril de 2013

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