Este trabalho foi recuperado de uma versão anterior da revista Educação Pública. Por isso, talvez você encontre nele algum problema de formatação ou links defeituosos. Se for o caso, por favor, escreva para nosso email (educacaopublica@cecierj.edu.br) para providenciarmos o reparo.

Sistemas de avaliação – de que valem?

Alexandre Rodrigues Alves

Na época em que eu fazia o 2º grau, os colégios calcavam suas ações de propaganda no número de seus alunos aprovados no vestibular: quantos passaram em Engenharia ou Medicina (os cursos de destaque naquele tempo), quantos foram para universidades públicas, quais os primeiros colocados. Essa era a forma de avaliação dos colégios e cursinhos preparatórios, usada na conquista, pela via da comunicação de massas, de estudantes/clientes para o ano seguinte.

O vestibular unificado acabou, vieram o Enem (que até pouco tempo não era vestibular) e o quadro de classificação elaborado pelo MEC – diga-se de passagem, classificação de alunos e colégios. O Enade procura fazer o mesmo com o ensino superior, apesar de todos os conflitos com os estudantes; e essa prova permite que o MEC suspenda a entrada de alunos nos cursos mal avaliados.

A Capes, com critérios baseados na titulação dos professores e na quantidade de publicações dos pesquisadores dos programas, avalia a pós-graduação brasileira, definindo número de bolsas e outras fontes de recursos para cada programa – inclusive no exterior.

Da mesma forma, com o objetivo de melhorar os resultados de suas escolas, várias redes municipais e estaduais de educação pública organizam seus sistemas de avaliação interna, quase sempre premiando os profissionais daquelas escolas que alcançaram os melhores resultados ou que ultrapassaram as metas definidas pelas respectivas secretarias de educação.

A questão que cabe discutir é: quais critérios devem ser adotados? Todo educador ligeiramente atualizado sabe que uma avaliação quantitativa não representa necessariamente os melhores resultados; não representa nem mesmo uma “fotografia” da rede avaliada. As instituições especializadas em organizar concursos sabem que, por mais que se esforcem para elaborar as provas mais adequadas, nem sempre são classificados os melhores candidatos.

O que avaliar?

Antes de qualquer coisa, é preciso ter claro o que se pretende avaliar. A habilidade e a competência dos alunos? Os conteúdos trabalhados em sala? Os resultados que se pretendem em um, cinco ou dez anos? Os índices de evasão e repetência? O número de faltas dos professores da escola?

Com base na resposta a essas questões, são estruturadas ações de avaliação: pesquisas quantitativas ou qualitativas, provas, visitas, entrevistas... Essas ações são quase sempre reunidas em um programa (que é dito permanente) de incentivo – igualzinho à loja de roupas que define metas de negócios para seus vendedores ou à companhia aérea que determina a meta de atendimentos diários dos seus operadores de telemarketing.

Mas tanto a loja de roupas quanto a companhia aérea têm referências históricas e controles de quantidades de clientes e de chamadas – o que não há na rede pública, pois as escolas são obrigadas a matricular todas as pessoas que se candidatarem a estudar ali, desde que apresentem os documentos devidos (cédula de identidade e comprovantes de residência e de escolaridade). Não faz diferença se a pessoa parou de estudar no ano passado ou quando ainda se chamava ginásio, científico e clássico. Não faz diferença, para o sistema, se o candidato à vaga estudou no Rio de Janeiro, em Bom Jesus do Itabapoana, em Catolé do Mato Dentro ou em São Gabriel da Cachoeira. Detalhe: o único critério de enturmação do estudante é a série que ele está apto a frequentar, conforme os documentos apresentados.

Como é possível para um professor com turmas de 25 a 35 alunos tentar reduzir essa distância de conhecimentos e experiências? E como ser premiado (ou punido) pelos resultados de alunos com os quais ele não tem recursos para trabalhar?

Repare que não estou falando de deficiências (mentais, auditivas, visuais) para as quais o professor não está preparado!

Reitero: por serem escolas públicas, essas unidades são obrigadas a receber todos os candidatos a estudante que entrarem na secretaria e pedirem vaga. Se a administração disser que não tem como matricular na série desejada, por qualquer razão, mesmo se for porque as turmas estão lotadas, o interessado procura a respectiva coordenadoria regional ou mesmo a justiça – e a escola é obrigada a incluir o estudante em suas turmas.

Como avaliar?

Sabe programa de milhagem de companhia aérea? Pois é, tem alguns sistemas de avaliação institucional que são complicados assim. Somam os índices de evasão, de ausência dos professores, as notas ao quadrado, diminuem do número de merendas para aquele bimestre, a previsão de licenças no período, determinam o total de documentos emitidos dentro do prazo e monta-se uma escala, dando pontos de um a 10. Só que os profissionais da escola (diretores, professores, bibliotecários, coordenadores, funcionários) não têm controle sobre esses números. E os cálculos são tão complexos que ninguém entende ou consegue acompanhar. Mais do que isso: não há como um inspetor de alunos, por exemplo, controlar ou ajudar a diminuir as faltas de professores.

Chegou às minhas mãos a apresentação de um programa desses, não me lembro de que secretaria de educação. Eram quase trinta telas em PowerPoint mostrando tabelas, gráficos, simulações... Era praticamente impossível se localizar num emaranhado de informações daquele... Numa situação dessas, bate uma impotência que desestimula a todos, confirmando aquele discurso de que “essas contas são feitas pra ninguém ganhar nada”.

Que critério seguir para avaliar? Utilizar a série histórica da escola, ano após ano, ou fazer uma comparação com escolas “equivalentes” em localização, modalidades oferecidas ou tamanho?

Quando foi implantado o Programa Nova Escola, eu fui chamado, como diretor de escola, para uma reunião que iria discutir o programa num auditório do Palácio Guanabara. Só que não era discussão; era comunicação. O programa já estava todo definido, todas as normas, critérios e formas de remuneração; era só pra gente ficar de claque, para aplaudir o projeto, que tinha aspectos positivos, como essa avaliação cruzada – em relação à própria escola e em relação às demais escolas do seu grupo. Mas havia também aspectos negativos...

Só pra exemplificar: a aglutinação em grupos era meio “esquisita”: nossa escola, localizada no Centro do Rio de Janeiro, num prédio compartilhado com uma escola do município, oferecia o segundo segmento do Fundamental e Ensino Médio, só no horário noturno; e era estava no mesmo patamar de comparação com uma escola instalada em prédio próprio, na área rural de Campos dos Goytacazes, que atende apenas a crianças no horário diurno, no primeiro segmento do Fundamental. Faz sentido? Outro critério inexplicável: como seria possível avaliar a merenda na nossa escola, se lá não havia espaço, equipamentos, pessoal e condições para oferecê-la? Claro que nossa nota nesse quesito foi zero, comprometendo nosso resultado final.

Critérios injustos

Aliás, esse é outro aspecto em que as secretarias de educação primam pela ausência de bom senso. Como a minha escola poderia ter a merenda avaliada se não oferecia qualquer tipo de alimentação aos alunos? Do mesmo modo, como é possível ser avaliado pela evasão de alunos se um número significativo deles é chefe de família e coloca suas condições profissionais e financeiras à frente de seu avanço escolar? Vários alunos deixaram de frequentar a escola (que é noturna, lembre-se) porque arranjaram empregos que exigiam que trabalhassem à noite ou que saíssem mais tarde do trabalho; e eles colocavam seus estudos em segundo plano. Houve o caso de uma aluna que, ao ficar desempregada, mudou-se para a casa da mãe, em Itaboraí, e deixou a escola. Em função de fatos como esses, nossa escola perdia pontos nas avaliações institucionais (pelo índice de evasão), sem que tivesse qualquer responsabilidade pela mudança de horário do aluno, pela demissão da aluna. Outras vezes, perdia pontos porque alunos tiraram notas baixíssimas nas provas gerais (como o Saerj); mas ficava a pergunta: de onde vieram esses alunos? Há quanto tempo estavam na escola? Ora, claro que o nível de aprendizagem não é só responsabilidade nossa...

A última “novidade” nesses critérios é bem recente: a escola perderia pontos se muitas alunas tivessem engravidado. Ora... Agora é responsabilidade da escola o que elas fazem fora dos muros escolares?

Como premiar?

Essa é outra complicação, mas que, com bom senso, pode ser resolvida. É lógico que é impossível incorporar ao salário uma gratificação variável – pois varia anual ou bianualmente de acordo com os resultados obtidos. Mas como calculá-la? Não somos vendedores, não estamos na escola para vender nada – nem conhecimento, nem merenda, nem socialização, nem uma boa imagem do governo. Então essa gratificação não pode ser tão alta que desvalorize o salário fixo que todos os profissionais recebem. Também não é justo que a remuneração seja calculada sobre o salário do profissional, pois aquele mais antigo terá mais interesse em alcançar bons resultados do que o novo, que poderá receber, eventualmente, um benefício irrisório. A criação de uma escala de valores pode resolver essa questão.

O que não faz sentido é premiar com bens de consumo – laptops, tablets, smartphones, máquinas de lavar, passagens, passeios turísticos... Ou, pior ainda, já que estão fazendo a premiação, deixar de realizar outras práticas de reconhecimento (como suspender processos de enquadramento, bonificações por formação ou licenças especiais).

A título de conclusão

Em todos esses casos, o essencial, como diria o comentarista, é que a regra seja clara e constante. Não dá pra ficar adaptando critérios para que sejam beneficiadas mais ou menos pessoas, mais ou menos escolas. E quanto mais duradouros os critérios, melhor. Os profissionais começam o ano sabendo quais seus objetivos naquele período – e vão realizar seus planejamentos voltados para eles.

É difícil ter um programa de metas que atenda a tudo isso: que seja claro, justo, simples, que valorize o profissional, que não lhe imponha responsabilidades que ele não tem... Vale a pena tentar, desde que o profissional seja respeitado, que as condições de trabalho não sejam melhoradas apenas para aqueles que já as tenham boas. Que os critérios durem – e não sejam alterados “depois que o jogo começou”, que esse benefício não se torne a remuneração mais importante para o profissional da educação. Entretanto, um fator é primordial: que sejam reconhecidos o contexto social e o familiar em que a escola e o professor trabalham.

Publicado em 30 de abril de 2013

Publicado em 30 de abril de 2013

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.