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Você tem medo de quê?

Mariana Cruz

Dia desses, lendo uma matéria sobre formas de lidar com o medo, lembrei-me de um livro emblemático de minha infância que girava em torno deste sentimento (e que agora, décadas depois, faz parte do universo literário de minha filha): Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque.

A menina do título era muito medrosa. Tinha um medo paralisante de tudo. Não dormia para não ter pesadelo; não ia pra fora pra não se sujar; não tomava sopa para não se ensopar e não tomava banho pra não descolar. Apenas para citar alguns dos seus temores. E, dentre todos os medos que tinha, havia um que era maior do que todos esses juntos. Uma verdadeira fobia. Acertou quem disse que era medo do lobo. Era tão grande o medo que ela passou a ter medo do medo do lobo, aliás, medo do medo do medo do lobo. É claro que tal sentimento só foi extinto quando ela se deparou com o terrível animal. Quando isso aconteceu, estranhamente, o pavor da menina foi diminuindo, diminuindo, até acabar de vez.

Esse texto é bastante ilustrativo a respeito de como nos relacionamos com tal sentimento e mostra uma solução bem prática para dar fim a ele: encará-lo.

Nem sempre o medo paralisa; às vezes, desencadeia nervosismo e excitação. Como ocorreu comigo na entrevista da seleção para o mestrado. Estava com tanto receio de não passar que minha boca ficou seca e tive certa dificuldade em articular algumas palavras (os professores da banca devem ter achado que eu tinha um problema de fala), mas, mesmo com a voz embolada, passei na seleção. Tempos mais tarde, na medida em que o dia da defesa se aproximava, mais tensa eu ficava – meses antes, já imaginando o que poderia ocorrer não somente na hora da defesa como nos momentos que antecederiam a ela. Chegava ao ponto de perguntar se eu seria capaz de ir dirigindo até a faculdade. Achava que simplesmente não conseguiria conduzir meu carro até lá, tamanho o nervosismo, muitos menos teria capacidade de elaborar alguma resposta “clara e distinta” diante da banca. Mais uma vez tudo correu bem; desta vez, minha boca não “colou” e, quando comecei a falar sobre meu texto, vi que não tinha mais escapatória senão responder às perguntas da banca de acordo com tudo que eu tinha estudado até então. Neste caso, ficou claro que o medo, em vez de me paralisar, serviu-me de combustível.

Certa vez fiz uma matéria sobre “medo de dirigir” em uma autoescola especializada em pessoas que tinham fobia de pegar o carro. As entrevistadas (quase todas as alunas eram mulheres), depois de algumas sessões de treino ao volante e de terapia (a autoescola também conta com psicólogas), entenderam a raiz de seu medo. Uma delas, logo nas primeiras vezes que começou a dirigir, bateu quando saía da sua garagem (aliás, qual o motorista iniciante que não deixou a marca de tinta no portão da garagem?). A moça era extremamente perfeccionista, não se permitia falhar em nada, e aquele arranhão para ela foi algo inadmissível. Desde esse dia ela nunca mais ousou colocar as mãos no volante. Até que resolveu combater este trauma entrando para essa autoescola especializada. O caso da outra moça era ainda mais complexo. Ela, por ser mãe e esposa muito dedicada, passou a vida toda se doando para os seus próximos. Ela sempre colocava os outros em primeiro lugar e colocava-se como lanterninha das realizações. Isso ela levava para todos os setores, até para o trânsito. Ela dizia que quando estava dirigindo no meio da rua sentia-se como se estivesse ocupando o espaço de alguém. A rua já tinha carros demais e ela pensava que não tinha o direito de colocar mais um carro lá, de disputar um espaço com as outras pessoas. Pessoas que, na visão dela, mereciam, mais do que ela, estar ali.

Esses exemplos mostram que, muitas vezes, temos medo de algo não pelo que ele é, e sim pelo que representa. E grande parte das vezes é uma construção da nossa cabeça, que, ao enfrentarmos, desaparece. Assim, parafraseando os Titãs, pergunto: você tem medo de quê?

Publicado em 30/04/2013

Publicado em 30 de abril de 2013

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